Supremo Tribunal Federal • 9 julgados • 27 de mai. de 2010
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Por vislumbrar afronta ao art. 61, § 1º, II, e, da CF, que reserva ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de projeto de lei que crie órgão da Administração Pública, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Amapá para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 803/2004, que cria a Escola Técnica Agropecuária no Município do Amapá e determina que o Poder Executivo a regulamente, incluindo no Plano Plurianual e na previsão orçamentária os recursos necessários à implantação dessa Escola.
É inconstitucional a cobrança de taxa, espécie tributária, pelo uso de espaços públicos dos municípios por concessionárias prestadoras do serviço público de fornecimento de energia elétrica. O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, e, por vislumbrar usurpação da competência exclusiva da União para explorar os serviços e instalações de energia elétrica e da sua competência privativa para legislar sobre o assunto (CF, artigos 21, XII, b e 22, IV), declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei municipal 1.199/2002, de Ji-Paraná/RO, que instituiu taxa de uso e ocupação do solo e espaço aéreo em relação à atividade de extensão de rede de transmissão e de distribuição de energia elétrica. Prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, relator, que salientou que às empresas prestadoras de serviços de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica incumbe o dever-poder de prestar o serviço público de que se trata e que, para tal mister, é-lhes atribuído, pelo poder concedente, o também dever-poder de usar o domínio público necessário à execução desse serviço, assim como promover desapropriações e constituir servidões de áreas por ele, poder concedente, declaradas de utilidade pública. Portanto, à entidade administrativa incumbiria o dever-poder de gerir a res publica. No desempenho da função administrativa, a autoridade pública estaria abrangida por um vínculo imposto a sua vontade. O dever jurídico consubstanciaria uma vinculação imposta à vontade de quem estivesse por ela alcançado, e, no caso da função administrativa, vinculação imposta à vontade da autoridade pública em razão de interesse alheio, ou seja, do todo social. Ressaltou que a concessionária da prestação de serviço público recorrida faria uso fundamentalmente, a fim de prestar o serviço, do espaço sobre o solo de faixas de domínio público de vias públicas, no qual instalaria equipamentos necessários à prestação de serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica. Explicou que essas faixas de domínio público de vias públicas constituiriam bem público, inserido na categoria dos bens de uso comum do povo. Asseverou que os bens públicos, de uso comum do povo, de uso especial e dominicais integrariam, todos eles, o patrimônio público, mas os bens de uso comum do povo seriam modernamente entendidos como propriedade pública. Observou que, no entanto, tamanha seria a intensidade da participação do bem de uso comum do povo na atividade administrativa que ele constituiria, em si, o próprio serviço público prestado pela Administração. Aduziu que, ainda que os bens do domínio público e do patrimônio administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitar-se-iam, na situação a que respeitam os autos, aos efeitos da restrição decorrente da instalação, no solo, de equipamentos necessários à prestação de serviço público. Não conduzindo, a imposição dessa restrição, à extinção de direitos, não acarretaria o dever de indenizar, salvo disposição legal expressa em contrário, no caso inexistente. Por fim, registrou que, além de a instalação dos equipamentos de que se trata não comprometerem o uso comum dos bens públicos em questão, também não haveria prejuízo que justificasse o recebimento, pelo Município, de qualquer indenização pelo uso do bem público de uso comum. Concluiu que haveria, na ocupação do solo e do espaço aéreo dos bens de uso comum de que se cuida, um direito restritivo em benefício do prestador de serviço público, que lhe viabilizaria, instrumentando sua atuação, o pleno cumprimento do dever-poder, que o vincula, de prestar o serviço. O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou as conclusões do relator no sentido de negar provimento ao recurso, mas por diverso fundamento, isto é, o de que a cobrança teria como pretexto o exercício do poder de polícia, mas a Lei municipal evidenciaria que o fato gerador seria o uso e ocupação do solo e do espaço aéreo por postes, o qual incompatível com a natureza das taxas.
O Tribunal julgou improcedente reclamação ajuizada contra ato de autoridade judiciária que, em decreto de prisão preventiva do reclamante, teria autorizado o uso de algemas. Entendeu-se que o juiz de primeiro grau não teria determinado, mas apenas autorizado o uso de algemas para o caso da autoridade policial deparar-se com alguma das hipóteses previstas na Súmula Vinculante 11 (“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”). Ademais, considerou-se o fato de o reclamante não ter demonstrado que, durante o cumprimento do mandado de prisão, a autoridade policial efetivamente fizera uso das algemas, não havendo, ainda, provas nos autos nesse sentido, o que descaracterizaria a violação ao citado verbete.
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro-PMDB contra dispositivos da Lei 7.098/98, do Estado do Mato Grosso, que trata da consolidação das normas referentes ao ICMS — v. Informativos 146 e 421. Na linha do voto divergente do Min. Nelson Jobim, entendeu-se que o ICMS pode incidir sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados, e reputou-se constitucional, em princípio, o art. 2º, § 1º, VI, e o art. 6º, § 6º, da Lei 7.098/98 (“Art. 2º. ... § 1º. O imposto incide também: ... VI - sobre as operações com programa de computador — software —, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados. ... Art. 6º. ... § 6º - Integra a base de cálculo do ICMS, nas operações realizadas com programa de computador — software — qualquer outra parcela debitada ao destinatário, inclusive o suporte informático, independentemente de sua denominação.”). Esclareceu-se que, se o fato de ser o bem incorpóreo fosse ressalva à incidência do ICMS, não poderia, da mesma forma, ser cobrado o imposto na aquisição de programa de computador de prateleira, visto que, nesse caso, estar-se-ia adquirindo não um disquete, CD ou DVD, a caixa ou o livreto de manual, mas também e principalmente a mercadoria virtual gravada no instrumento de transmissão. Assim, se o argumento é de que o bem incorpóreo não pode ser objeto de incidência do ICMS, a assertiva haveria de valer para o caso de bens incorpóreos vendidos por meio de bens materiais. Considerou-se, ainda, a conveniência política de se indeferir a cautelar, tendo em conta o fato de a lei estar vigente há mais de dez anos. Vencidos os Ministros Octavio Gallotti, relator, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello que deferiam em parte a cautelar.
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 54/2008, de iniciativa da Assembléia legislativa local, que modificou o art. 145, §§ 2º e 4º da Constituição matogrossense. Entendeu-se que o § 2º do citado art. 145, ao fixar o subsídio mensal dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado como limite único no âmbito de qualquer dos Poderes locais usurpou a competência reservada ao Chefe do Executivo estadual para instauração do processo legislativo em tema concernente ao regime jurídico dos servidores públicos (CF, art. 61, § 1º, II, c). Considerou-se, também, que esse parágrafo não ressalvou os subsídios dos parlamentares, conforme determina o art. 37, § 12, da CF. Por fim, reputou-se que o § 4º desse mesmo art. 145, ao vedar a “vinculação ou equiparação de vencimentos, para efeito de remuneração de pessoal do serviço, ressalvado o disposto no parágrafo anterior e no art. 39, § 1º, da Constituição Federal”, afrontou o art. 37, XIII, da Carta Magna, que proíbe a vinculação de quaisquer espécies remuneratórias.
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República, em que se pretendia a declaração de inconstitucionalidade do inciso V do art. 28 da Lei Complementar 166/99, com a redação conferida pela Lei Complementar 181/2000, do Estado do Rio Grande do Norte, que determina que os recursos provenientes da cobrança efetuada em todos os procedimentos extrajudiciais, todos os serviços notariais e de registro, estabelecidos com os respectivos valores na forma de tabelas anexas, constituirão recursos financeiros do fundo de reaparelhamento do Ministério Público do referido Estado-membro — v. Informativos 457, 485 e 498. Afastou-se a alegação de ofensa ao art. 167, IV, da CF, por se entender que o dispositivo impugnado não teria instituído uma exação que se amoldasse à definição de imposto, mas, sim, de taxa, gerada em razão do exercício do poder de polícia que assiste aos Estados-membros, mediante atuação pelos órgãos diretivos do Poder Judiciário, no plano da vigilância, orientação e correição da atividade notarial e de registro (CF, art. 236, § 1º). Asseverou-se, ademais, que o produto da arrecadação da taxa de polícia não estaria jungido ao contínuo aparelhamento do Poder Judiciário, mas admitiria expansão para incluir o aperfeiçoamento da jurisdição, não havendo, dessa forma, impedimento quanto à destinação da taxa ao Ministério Público, já que vinculada à estrutura e ao funcionamento de órgão estatal essencial à função jurisdicional (CF, art. 127), o qual estaria autorizado a promover todas as medidas necessárias à efetivação dos direitos assegurados na Constituição (CF, art. 129). Assim, concluiu-se que bem aparelhar o Ministério Público seria servir ao desígnio constitucional de aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade básica do Estado e função específica do Poder Judiciário. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Menezes Direito, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que julgavam o pleito procedente.
Ao adotar o entendimento firmado no julgamento do AI 760358 QO/SE (DJE de 3.12.2009) — no sentido de não caber recurso ao Supremo em face de decisões que aplicam a sistemática da repercussão geral na origem, a menos que haja negativa motivada do juiz em se retratar para seguir a decisão do STF —, a Turma desproveu agravo regimental em petição que impugnava acórdão do STJ que considerara prejudicado agravo de instrumento interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário, com base no art. 543-B, § 2º, do CPC. No presente agravo regimental, alegava-se a competência do STF para julgar o agravo de instrumento a ele dirigido. Inicialmente, assinalou-se que os agravos de instrumento interpostos das decisões que inadmitiram recursos extraordinários já sujeitos ao requisito legal da repercussão geral podem ser sobrestados quando relativos a assuntos apreciados pelo aludido regime (RISTF, art. 328-A, § 1º). Enfatizou-se, em seguida, que, negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente inadmitidos (CPC, art. 543-B, § 2º). Concluiu-se que permitir que um recurso devolvido à origem seja reapreciado pelo Supremo significaria desconsiderar a própria finalidade do instituto da repercussão geral, transformando a Corte em órgão jurisdicional de revisão. Registrou-se, por fim, que a petição fora protocolizada em 18.12.2009, sendo manifesto seu não cabimento.
A Turma, por maioria, não conheceu de habeas corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, para declarar a extinção da punibilidade de condenado pela prática do delito descrito no art. 213, c/c os artigos 224, a, e 225, § 1º, I e § 2º (com a redação anterior às alterações promovidas pela Lei 12.015/2009), na forma do art. 71, todos do CP, em decorrência de haver constrangido, à época, menor de 12 anos de idade à prática de conjunção carnal. A impetração requeria a aplicação da lei penal vigente ao tempo dos fatos, por ser menos gravosa ao paciente, haja vista que o art. 107, VII, do CP — que previa a extinção da punibilidade pelo casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes — fora revogado pela Lei 11.106/2005. Informava que, embora a conversão de união estável em casamento tivesse ocorrido em 13.3.2007, os fatos delituosos aconteceram entre agosto de 2004 e julho de 2005. Tendo em conta que a decisão impugnada fora proferida monocraticamente pelo relator do recurso especial no STJ, considerou-se que o conhecimento do writ implicaria supressão de instância. Vencido o Min. Marco Aurélio que o julgava prejudicado. Entretanto, reputou-se patente a coação ilegal e determinou-se a expedição do contramandado de prisão em favor do paciente ou, caso esta já tenha sido efetuada, a expedição do competente alvará de soltura clausulado. Reconheceu-se, em observância ao art. 5º, XL, da CF, a ultra-atividade da lei penal mais benéfica ao agente. Enfatizou-se que, diante do quadro de miséria e desamparo em que vive a vítima — a qual agora já possui dois filhos com o paciente — manter o réu encarcerado nenhum benefício poderia trazer a ela e à sociedade, cabendo, nesse contexto, invocar a garantia disposta no art. 226 da CF, que assegura, à família, base da sociedade, especial proteção do Estado.
Por reputar indevida a imposição de bom comportamento como condição para as atividades externas e para as visitas à família, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para permitir a paciente inserido no regime de semiliberdade a realização daquelas benesses, sem a imposição de qualquer condicionamento pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude. Salientou-se que o Estado deve assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (CF, art. 227, caput) e que o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA tem por objetivo a proteção integral do menor, garantindo sua participação na vida familiar e comunitária. Consignou-se, ainda, que o art. 120 do ECA permite a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial, bem como que as restrições a direitos de adolescentes só devem ser aplicadas em casos extremos em decisões fundamentadas. De outro lado, rejeitou-se o pedido de extinção da medida sócio-educativa aplicada ao paciente que, durante seu cumprimento, atingira a maioridade penal. Asseverou-se que a projeção da medida sócio-educativa de semiliberdade para além dos 18 anos decorreria da remissão às disposições legais atinentes à internação. Ademais, aduziu-se que o ECA não determina, em nenhum dos seus preceitos, o fim da referida medida quando o adolescente completar 18 anos de idade.