Este julgado integra o
Informativo STF nº 917
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade para suspender, até o exame definitivo do processo, a eficácia da expressão "inclusive artístico", constante do inciso II da Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, e dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, todos do Estado de São Paulo, e do art. 1º, II, da Recomendação Conjunta 1/2014, dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, e das Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Trabalho, todos do Estado de Mato Grosso, bem como para afastar a atribuição, definida no Ato do Gabinete da Presidência (GP) 19/2013, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, e no Provimento GP/CR 7/2014, do referido TRT, quanto à apreciação de pedidos de alvará visando a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas e a criação do Juizado Especial na Justiça do Trabalho, ficando suspensos, por consequência, esses últimos preceitos. Assentou, nesse primeiro exame, ser da Justiça Comum a competência para analisar tais pedidos. As normas impugnadas, em suma, atribuem competência à Justiça do Trabalho para processar e apreciar pedidos de autorização visando a participação de crianças e adolescentes em eventos de natureza artística, bem como instituem o juízo auxiliar da infância e da juventude no âmbito da justiça laboral (Informativo 794). O colegiado entendeu que as normas padecem dos vícios de inconstitucionalidade formal e material. No que diz respeito à inconstitucionalidade formal, asseverou cuidar-se de normas a versar distribuição de competência jurisdicional e criação de juízo auxiliar da infância e da juventude no âmbito da Justiça do Trabalho, que não foram veiculados mediante lei ordinária. Do disposto nos artigos 22, I (1), 113 (2) e 114, IX (3), da Constituição Federal (CF), depreende-se estarem tais medidas sujeitas, inequivocamente, ao princípio da legalidade estrita. Quanto à inconstitucionalidade material, considerou que o legislador ordinário, ao concretizar o comando do art. 227 (2) da CF, estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), previu a chamada “Justiça da Infância e da Juventude” e fixou a competência do Juiz da Infância e da Juventude como autoridade judiciária responsável pelos processos de tutela integral dos menores, o qual, apesar da especialização, pertence à justiça comum. Trata-se de competência fixada em razão da matéria, de caráter absoluto, e em proveito da especial tutela requerida pelo grupo de destinatários: crianças e adolescentes. Entre as atribuições definidas ao Juiz da Infância e da Juventude, destaca-se a de autorizar a participação de menores em eventos artísticos, cuja possibilidade não foi excluída no ECA. Ao contrário, essa participação é observada como importante aspecto do desenvolvimento dos menores, apenas condicionada, nos termos do art. 149, II (5), do ECA, à autorização judicial a ser implementada pelo Juízo da Infância e da Juventude, mediante a expedição de alvará específico. Os parâmetros a serem observados quando da autorização, na forma do § 1º do referido dispositivo, evidenciam a inequívoca natureza cível da cognição desempenhada pelo magistrado, ausente relação de trabalho a ser julgada. A análise se faz acerca das condições da representação artística. O juiz deve investigar se essas condições atendem à exigência de proteção do melhor interesse do menor, contida no art. 227 da CF. O Juízo da Infância e da Juventude é a autoridade que reúne os predicados e as capacidades institucionais necessárias para a realização de exame de tamanha relevância e responsabilidade. Dessa forma, o art. 114, I (6) e IX, da CF, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 45/2004, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho, não alcança os casos de pedido de autorização para participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos, ante a ausência de conflito atinente a relação de trabalho. Vencida a ministra Rosa Weber que denegou a medida liminar, por não vislumbrar a presença do requisito do fumus boni iuris a amparar a suspensão da eficácia da expressão “inclusive artístico”. A ministra não constatou inconstitucionalidades formal ou material nos atos impugnados. Segundo ela, as normas em questão visam somente promover a implementação de requisitos operacionais imprescindíveis ao exercício da competência prevista, em razão da matéria, no art. 114 da CF. Não implicam, absolutamente, alteração da organização ou da divisão judiciária, estas inequivocamente dependentes de lei, não criam órgão judicial, nem inovam quanto às atribuições da justiça do trabalho, e, muito menos, instituem novas regras de competência judiciária. A ministra Rosa Weber, depois de apontar a diferença entre o pedido de autorização para trabalho infantil e o de autorização para participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos, concluiu, também, que as normas impugnadas se referem à primeira hipótese, e, por isso, a competência para sua análise é da justiça do trabalho. Esclareceu que os pedidos de autorização, em regra, são formulados por empresas de comunicação com vistas à autorização para o trabalho de crianças e adolescentes, as quais, nessa ocasião, apresentam a minuta do contrato de trabalho que regulará a relação de trabalho. A finalidade da ordem judicial se insere, invariavelmente, em uma relação de trabalho. Não se cuida de pedido de autorização para a criança se apresentar em eventos artísticos, como, por exemplo, um festival de música, de dança, ou um concurso de beleza, esse sim de competência da justiça comum. Ressaltou que essa relação de trabalho artístico infanto-juvenil, portanto, não se refere às relações estabelecidas no art. 149 do ECA, mas à relação de trabalho com um tomador de serviços ou entre empregado e empregador, na qual a criança ou o adolescente laboram mediante contraprestação, em contexto de alteridade, que se inclui na previsão do art. 114, da CF, com a redação dada pela EC 45/2004. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (2) CF: “Art. 113. A lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho.” (3) CF: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.” (4) CF: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;” (5) ECA: “Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará: (...) II - a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza.” (6) CF: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
Legislação Aplicável
CF, arts. 22; 113; 114, I e IX; 227, § 8º, I. ECA, art. 149, II, a e b. Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, e dos Ministérios Públicos e do Trabalho, todos do estado de São Paulo. Recomendação Conjunta 1/2014, dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, e das Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Trabalho, todos do estado de Mato Grosso. Ato do Gabinete da Presidência (GP) 19/2013, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região. Provimento GP/CR 7/2014, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região.
Informações Gerais
Número do Processo
5326
Tribunal
STF
Data de Julgamento
27/09/2018