Cancelamento de título de eleitor: revisão eleitoral e biometria

STF
917
Direito Constitucional
Direito Eleitoral
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 917

Comentário Damásio

Resumo

É válido o cancelamento do título do eleitor que, convocado por edital, não comparecer ao processo de revisão eleitoral, em virtude do que dispõe o art. 14, caput, e § 1º (1) da Constituição Federal de 1988 (CF).

Conteúdo Completo

É válido o cancelamento do título do eleitor que, convocado por edital, não comparecer ao processo de revisão eleitoral, em virtude do que dispõe o art. 14, caput, e § 1º (1) da Constituição Federal de 1988 (CF).

É válido o cancelamento do título do eleitor que, convocado por edital, não comparecer ao processo de revisão eleitoral, em virtude do que dispõe o art. 14, caput, e § 1º (1) da Constituição Federal de 1988 (CF).

Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, indeferiu medida liminar e, desde logo, converteu a apreciação da cautelar em julgamento definitivo para assentar a improcedência de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta por partido político.

A agremiação pleiteava, no mérito, que fosse declarada a não recepção parcial, sem redução de texto, do art. 3º, § 4º (2), da Lei 7.444/1985, para excluir qualquer interpretação e aplicação que importasse no cancelamento do título de eleitores que não efetuaram o cadastramento biométrico obrigatório. Além disso, a inconstitucionalidade de dispositivos de resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos quais previsto o cancelamento do título do eleitor que não realizou cadastramento biométrico.

Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator). 

O ministro assinalou que o alistamento eleitoral e a revisão periódica são indispensáveis ao exercício do direito de voto — componente essencial da democracia representativa — de maneira ordenada e segura. A Constituição exige o prévio alistamento a fim de garantir que esse exercício se dê de forma legítima pelo eleitor em idade de voto, adequadamente identificado e sem pluralidade de inscrição. A providência garante o voto seguro e igual para todos. 

A revisão eleitoral se destina a manter a integridade e a atualização do alistamento. Ambos possuem idêntico propósito e geram as mesmas limitações constitucionais. Se é válido condicionar o exercício do voto ao alistamento, é válido condicioná-lo à apresentação do título à revisão.

De acordo com normas do TSE, a regulamentar a legislação em vigor, é atribuído ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) o encargo de definir os locais que passarão pela revisão, que é precedida de ampla divulgação e da publicação de edital, dando ciência à população da necessidade de comparecimento. Ela pode ocorrer em virtude de denúncia fundamentada de fraude ou, de ofício, com fulcro em dados estatísticos, desde que preenchidos certos requisitos [Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), art. 92 (3)]. 

O procedimento de revisão e de cadastramento biométrico obrigatório é acompanhado pelo Ministério Público e pelos partidos políticos. O fato de alguém não comparecer à biometria não resulta automaticamente na perda do título.

O funcionamento da revisão e a possibilidade de se cancelar o título baseiam-se em lei. Eventuais cancelamentos são objetos de sentença eleitoral, comportam recurso e permitem a regularização do eleitor a tempo de participar da eleição. Desse modo, a legislação e o tratamento normativo secundário dado à matéria, em abstrato, são regras razoáveis, proporcionais e necessárias, compatíveis com a Constituição.

As dificuldades enfrentadas pelo cidadão para o alistamento são semelhantes aos obstáculos para a apresentação de títulos à revisão. Inexiste qualquer elemento que sugira ter havido direcionamento, quer na revisão eleitoral, quer no cancelamento de inscrições, muito menos que tenha gerado supressão desproporcional de títulos e/ou de eleitores, ou prejuízo à eleição de determinados candidatos ou partidos.

Com lastro constitucional e legal e sem existir vício na sua concretização, não há ofensa à democracia, à soberania popular, à cidadania ou ao direito de voto em decorrência do cancelamento do título do eleitor que não comparece à revisão.

Ademais, não é legítimo o argumento de violação à igualdade. Tal como o alistamento, a revisão eleitoral é exigida de todos, sem exceção nem discriminação.

O relator ponderou inexistir ofensa à proporcionalidade. A medida é adequada e necessária, não havendo meio substitutivo com eficácia equivalente, tampouco fundamento para se afirmar que o benefício de se evitarem fraudes e outros comprometimentos à regularidade do voto é menos importante do que a participação dos que não atenderam ao chamado da Justiça Eleitoral.

Demais disso, a Lei 7.444/1985 está em vigor há mais de trinta anos. A biometria tem sido implementada há quase onze anos. Múltiplas eleições se processaram sob a vigência de tais normas. Milhões de títulos foram cancelados sem que se tivesse demonstrado o comprometimento do devido processo democrático ou da higidez dos pleitos. O ajuizamento tardio da ação, às vésperas da eleição e após tantos anos, compromete a alegação de urgência. 

Presente, contudo, gravíssimo periculum in mora inverso. O restabelecimento dos títulos cancelados para o primeiro ou segundo turno do sufrágio de 2018, comprometeria o calendário eleitoral, consoante informações da presidência do TSE, colocaria em risco a higidez das eleições e poderia interferir sobre o seu resultado final.

O ministro Alexandre de Moraes aduziu que a Lei de 1985 não fala em biometria, e sim em recadastramento. Os recadastramentos sempre foram realizados, a diferença agora é o método, a biometria.

Vencido o ministro Edson Fachin, no tocante à conversão, e os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que concederam a medida liminar e converteram o julgamento em definitivo para assentar a procedência da ADPF. 

O ministro Ricardo Lewandowski considerou que a providência adotada pelo TSE pode restringir de maneira drástica o princípio da soberania popular previsto no art. 14 da CF. A seu ver, o número significativo de títulos cancelados pode influir de forma decisiva no resultado do pleito. 

O ministro Marco Aurélio salientou que a ausência de identificação biométrica não impede a identificação dos eleitores, segundo o caderno da seção e o documento que apresentem. Para ele, há descumprimento de preceito fundamental quando se adota resolução do TSE em detrimento do sufrágio (CF, art. 14). A Lei das Eleições previu a biometria, sem cogitar qualquer sanção.

(1) CF: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 1º O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.”
(2) Lei 7.444/1985: “Art. 3º - A revisão do eleitorado prevista no art. 2º desta Lei far-se-á, de conformidade com instruções baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, mediante a apresentação do título eleitoral pelos eleitores inscritos na Zona e preenchimento do formulário adotado para o alistamento de que trata o art. 1º. (...) § 4º - Em cada Zona, vencido o prazo de que trata o § 1º deste artigo, cancelar-se-ão as inscrições correspondentes aos títulos que não forem apresentados à revisão.”
(3) Lei 9.504/1997: “Art. 92. O Tribunal Superior Eleitoral, ao conduzir o processamento dos títulos eleitorais, determinará de ofício a revisão ou correição das Zonas Eleitorais sempre que: I - o total de transferências de eleitores ocorridas no ano em curso seja dez por cento superior ao do ano anterior; II - o eleitorado for superior ao dobro da população entre dez e quinze anos, somada à de idade superior a setenta anos do território daquele Município; III - o eleitorado for superior a sessenta e cinco por cento da população projetada para aquele ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.”

Legislação Aplicável

CF, art. 14, caput; § 1º, I e II.
Lei 7.444/1985, art. 3º, § 4º.
Lei 9.504/1997, art. 92, I a III.

Informações Gerais

Número do Processo

541

Tribunal

STF

Data de Julgamento

26/09/2018