Competência da Justiça Federal para ações sobre precificação do VU-M com Anatel e concessionárias
A competência do Juízo da recuperação judicial para tornar exequível o respectivo plano e zelar pela continuidade da atividade e preservação da empresa não lhe confere poderes para modificar relações jurídicas submetidas a regime jurídico específico referente à prestação de serviços públicos titularizados pela União e sujeitos à fiscalização das agências reguladoras federais. Nesse sentido, reserva-se ao Juízo Estadual o que é de recuperação judicial - habilitação de crédito, classificação de credores, aprovação de plano. Não se pode admitir, contudo, a invasão da competência da esfera federal. O art. 49 da Lei de Recuperação Judicial também limita o que está, ou não, sujeito à recuperação judicial. Créditos posteriores ao pedido de recuperação não se sujeitam à recuperação judicial. Ademais, registre-se que a denominada taxa de interconexão em chamadas de fixo para móvel (VU-M) é devida pelas empresas de serviços de telecomunicações quando se conectam às redes de prestadoras móveis. Trata-se, dessarte, de componente importante no cálculo dos custos das operadoras de telefonia, cujos impactos não se limitam às partes que firmaram o respectivo contrato de interconexão, interferindo, também, no valor final cobrado do usuário do serviço, no ambiente concorrencial a ser observado no setor, bem como na qualidade do serviço oferecido ao consumidor. Nesse contexto, tem-se que a definição dos preços pelo uso da rede (VU-M) é tarefa que vai além da gestão dos créditos e débitos da sociedade empresária submetida ao regime de recuperação judicial, especialmente quando a controvérsia jurídica trazida aos autos envolve os parâmetros regulatórios aplicáveis ao setor de telefonia e tem como litisconsorte a Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel. Desse modo, seja provisoriamente, seja em caráter definitivo, os litígios envolvendo a alteração dos contratos regulados e homologados pela Anatel relativamente aos preços da tarifa de interconexão (VU-M) devem ser dirimidos pelo Juízo Federal competente. Portanto, não se admite que o Juízo da recuperação judicial, sob qualquer pretexto, avoque, direta ou indiretamente, ainda que a título provisório, a fixação do VU-M, haja vista que essa lide está sob apreciação do Juízo Federal competente.
Reconhecimento da atividade especial do vigilante pós Decreto 2.172/1997 por exposição nociva permanente
O art. 57 da Lei n. 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, nos termos dos arts. 201, § 1º e 202, II, da Constituição Federal. Assim, o fato de os Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999 não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador. Nesse sentido, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.306.113/SC, fixou a orientação de que, a despeito da supressão do agente eletricidade pelo Decreto n. 2.172/1997, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade, desde que comprovada a exposição do trabalhador a agente perigoso de forma permanente, não ocasional nem intermitente. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a caracterização da atividade de vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após a publicação do Decreto n. 2.172/1997, desde que comprovada a exposição do trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional nem intermitente.
Desnecessidade de remessa de cópias ao MP do art. 40 CPP com acesso aos autos
O acórdão embargado, da Sexta Turma, ao interpretar o art. 40 do CPP, fixou o entendimento de que revela-se desnecessária a remessa de cópias dos autos ao Órgão Ministerial, que, atuando como custos legis , já teve conhecimento do crime. Já o acórdão paradigma, da Quinta Turma, fixou o entendimento de que a remessa de peças necessárias à aferição de eventual delito ao Ministério Público, ou à autoridade policial, é obrigação do magistrado, não sendo, portanto, ônus do Órgão Ministerial, por se tratar de ato de ofício, imposto pela lei. Deve prevalecer a jurisprudência da Sexta Turma. Na hipótese em que o Ministério Público tem vista dos autos, a remessa de cópias e documentos ao Órgão Ministerial não se mostra necessária. O Parquet , na oportunidade em que recebe os autos, pode tirar cópia dos documentos que bem entender, sendo completamente esvaziado o sentido de remeter-se cópias e documentos. Com o advento da Lei n. 11.419/2006, que introduziu ao ordenamento jurídico brasileiro a informatização do processo judicial, o Poder Judiciário efetua a prestação jurisdicional através de processos eletrônicos, cujo sistema exige, para sua utilização, a certificação digital de advogados, magistrados, membros do Ministério Público, servidores ou partes, permitindo acesso aos autos a partir de um computador interligado à internet . Logo, a melhor exegese do dispositivo, à luz dos princípios da adequação e da razoabilidade, deve ser no sentido da desnecessidade de remessa de cópias do processo ao Órgão Ministerial, uma vez verificada pelo magistrado a existência de crime de ação pública, desde que o Parquet tenha acesso direto aos autos.
Cobrança de reserva matemática adicional por entidade fechada de previdência complementar após majoração judicial
Estabelece o art. 202 da CF/1988 que o regime de previdência privada será baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, evidenciando a denominada "regra da contrapartida". Essa regra se alinha ao princípio do mutualismo, segundo o qual todos os participantes e beneficiários do contrato de previdência privada assumem os riscos envolvidos, porque são todos também titulares da universalidade dos valores alocados junto ao plano de benefícios. Em função da natureza da relação jurídica estabelecida entre patrocinadores, participantes e assistidos, bem como das regras e princípios que orientam o regime de previdência privada, à entidade é vedado dispor livremente dos valores que administra, como se estes integrassem seu patrimônio próprio; é vedado, pelas mesmas razões, transferir reservas financeiras da coletividade para beneficiar um ou alguns de seus filiados, sem o respectivo custeio, sob pena de provocar o desequilíbrio financeiro e atuarial do plano de benefícios, e, por conseguinte, frustrar o direito do conjunto de participantes e assistidos. Por isso, igualmente, a circunstância de o regulamento vigente à época da aposentadoria não prever, expressamente, a obrigação de o assistido pagar a reserva matemática adicional, não impede seja essa prestação exigida - inclusive previamente à incorporação dos reflexos das verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho na aposentadoria complementar - com base na regra da contrapartida e no princípio do mutualismo, ínsitos ao contrato de previdência privada celebrado entre as partes.
Cômputo do stay period em dias corridos na recuperação judicial
A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que inovou a forma de contagem dos prazos processuais em dias úteis, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário quanto à forma de contagem dos prazos previstos na Lei de Recuperação e Falência - destacadamente acerca do lapso de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão das ações executivas e de cobrança contra a recuperanda, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. Em reafirmação ao seu caráter subsidiário e suplementar aos processos e procedimentos disciplinados em leis especiais, o Código de Processo Civil de 2015, no § 2º do art. 1.046, preceituou que "permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplica supletivamente este Código". Por sua vez, afigura-se indiscutível que a Lei n. 11.101/2005 - lei substantiva especial - congregra em seu teor normas não apenas de direito material (civil, empresarial e penal), mas também de natureza processual, inclusive com a estipulação do rito procedimental dos processos recuperacional e falimentar, o que, por si, já seria suficiente para se reconhecer a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à LFRE. Ainda assim, o art. 189 da Lei n. 11.101/2005 foi expresso em dispor sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos processos por ela regidos, naquilo que for compatível com as suas particularidades. Em resumo, constituem requisitos necessários à aplicação subsidiária do CPC/2015, no que tange à forma de contagem em dias úteis nos prazos estabelecidos na LFRE, simultaneamente: primeiro, se tratar de prazo processual; e segundo, não contrariar a lógica temporal estabelecida na Lei n. 11.101/2005. A esse propósito, de suma relevância ponderar que a Lei n. 11.101/2005, ao erigir o microssistema recuperacional e falimentar, estabeleceu, a par dos institutos e das finalidades que lhe são próprios, o modo e o ritmo pelos quais se desenvolvem os atos destinados à liquidação dos ativos do devedor, no caso da falência, e ao soerguimento econômico da empresa em crise financeira, na recuperação. Veja-se que a lei de regência determina, como consectário legal do deferimento do processamento da recuperação judicial, a suspensão de todas as ações e execuções contra a recuperanda pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias) estabelecido na lei de regência. A produção dos efeitos fora do processo recuperacional ressai evidente, não se destinando, como já se pode antever, à prática de qualquer ato processual propriamente. Trata-se, pois, de um benefício legal conferido à recuperanda absolutamente indispensável para que esta, durante tal interregno, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial. Dessa forma, tem-se que o stay period reveste-se de natureza material, nada se referindo à prática de atos processuais ou à atividade jurisdicional em si, devendo sua contagem dar-se, pois, em dias corridos. Ainda que a presente controvérsia se restrinja ao stay period, por se tratar de prazo estrutural ao processo recuperacional, de suma relevância consignar que os prazos diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal, segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005.