Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 26 de ago. de 2004
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O Tribunal, por maioria, não conheceu de habeas corpus preventivo em que se pretendia evitar a pri-são preventiva do paciente, nascido na Itália e filho de brasileira, supostamente destinada a futuro processo de extradição — Informativo 320. Inicialmente, afastou-se a possibilidade de discussão acerca de uma na-cionalidade prevalecente, para fins da extradição, em razão da inexistência, nos autos, de elementos sufici-entes que permitissem analisar os “laços fáticos” do paciente com o Brasil ou a Itália, e dos quais se pudesse inferir a opção por determinada nacionalidade. Ressaltou-se que seria improvável a efetiva ocorrência do pedido de extradição, haja vista o decurso de quase dois anos entre a alegação do risco iminente da proto-colização desse pedido no STF e a data presente, bem como a ausência de apresentação de qualquer docu-mento que atestasse a existência de um procedimento criminal em curso na Itália do qual pudesse ter-se originado a suposta decretação da prisão, ou dos crimes atribuídos ao paciente. Vencido o Min. Marco Au-rélio, relator, que conhecia do habeas corpus e concedia o salvo-conduto pleiteado, tendo em conta a condi-ção de brasileiro nato do paciente, que inviabilizaria o deferimento da extradição, e o risco iminente do mesmo vir a ser preso. (CF, art. 5º, LI: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;”).
O Tribunal julgou procedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procura-dor-Geral da República contra a Emenda Constitucional 3/90, que introduziu dois parágrafos no art. 7º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Maranhão (“Art. 7º O Poder Executivo encaminhará à Assembléia Legislativa, no prazo de cento e vinte dias, contados da promulgação desta Constituição, o plano de carreira, cargos e salários dos servidores da administração direta, autarquias e fundações públi-cas. §1º - Fica assegurado aos então servidores na data da promulgação desta Lei, o direito ao aproveita-mento no cargo de acordo com sua qualificação profissional. §2º - Terão preferência ao acesso dos cargos existentes, só servidores aludidos no parágrafo anterior.”). Entendeu-se que a norma impugnada ofendia o princípio do concurso público (CF, art. 37, II), que exige, para investidura em cargo público, com exceção dos cargos em comissão, a prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, bem como o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), que reserva, ao Chefe do Poder Executivo, a inicia-tiva privativa para legislar sobre o provimento de cargos públicos vinculados à estrutura administrativa des-se Poder.
A Turma aplicou o entendimento firmado no Enunciado 714 da Súmula do STF (“É concorrente a le-gitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofen-dido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas fun-ções.”) e negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se pretendia, por ilegitimidade ativa da querelante, o trancamento de ação penal privada proposta por juíza supostamente ofendida em razão de seu ofício judicante. Alegava o recorrente que, na espécie, as decisões judiciais que permitem a legitimação concorrente para a ação penal relativa a crimes contra a honra de funcionário público em razão do exercício de sua função, violariam duplamente a Constituição, uma vez que transformariam o Poder Judiciário em legislador ordinário positivo, em detrimento da separação e harmonia dos Poderes de Estado (CF, art. 2º) e infringiriam o princípio constitucional do monopólio do Ministério Público, quanto às ações penais públicas (CF, art. 29, I). Entendeu-se que o Poder Judiciário não fizera o papel de legislador positivo, mas se limitara ao exercício de sua função de intérprete da lei, sem criar nova espécie de ação penal, não havendo, por isso, violação ao art. 129, I, da CF. Asseverou-se, ainda, que o bem jurídico tutelado pelos arts. 20, 21 e 22 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) seria a honra do ofendido e, em regra, o instrumento pa-ra a persecução penal seria a queixa-crime. Concluiu-se que, apesar dessa regra estar excepcionada quando o prestígio da Administração Pública fosse violado em conexão com a honra do servidor, a exceção, por não ser absoluta, não teria o condão de derrogar a regra geral.
A Turma deferiu habeas corpus, impetrado contra acórdão do STJ que denegara igual medida, para afastar da pena imposta ao paciente, condenado pela prática de crime contra a economia popular (Lei 4.591/64, art. 65), a agravante prevista no art. 61, II, g, do CP (“II - ter o agente cometido o crime:... g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;”; Lei 4.591/64, art. 65: “É crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, pros-pectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção do condomí-nio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações.”). No caso, a sentença de primeiro grau acrescera em 6 meses a pena sob o fundamento de que o paciente teria cometido o crime com abuso de poder e violação de dever inerente à profissão de presidente da ASSEMERJ – Associação dos Servidores Militares do Estado do Rio de Janeiro, bem como se utilizando do posto de Coronel do Corpo de Bombeiros. Inicialmente, considerou-se correto o entendimento do STJ, que afastara a alegação de abuso de poder, por considerar que o paciente, no momento em que cometera o delito, não gozava do status de autoridade pública, haja vista que o art. 89 da Lei 880/95 (Estatuto dos Bombeiros-Militares do Rio de Ja-neiro) estabelece que o presidente da ASSEMERJ exerce função de natureza civil. Asseverou-se que a agra-vante também deveria ser afastada no ponto em que se considerara o posto de Coronel, já que os deveres inerentes ao cargo de Bombeiro-Militar nada tinham a ver com o delito. Salientou-se que, para a aplicação das circunstâncias agravantes do art. 61, II, g, do CP, é necessária a demonstração da existência fática das mesmas e, também, do maior grau de afetação do bem jurídico, e, na espécie, não se teria demonstrado como o crime em questão fora assistido e facilitado pela violação de dever inerente à profissão de presiden-te da mencionada associação, não tendo a sentença sequer especificado o dever que teria sido violado. Res-saltou-se que, ainda que da sentença se extraísse a presunção de que esse dever seria o de dizer a verdade, ou de ser o paciente fiel a suas afirmações, isso estaria contido na elementar “fazer afirmação falsa” (Lei 4.591/64, art. 65).
A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara igual medida, em que se pretendia a dispensa de revista pessoal do paciente, advogado, para ingresso nos fóruns do Estado de São Paulo. Insistia o impetrante, com base no art. 5º, caput, II, III, XIV, XV, XXXV, XLI, LIV, LVII, LXVIII, da CF, na tese de que: a) o Provimento 811/2003, do tribunal de justiça daquele Estado, que de-terminara a instalação de detector de metal na entrada do tribunal, seria inconstitucional; b) a submissão pública de revista pessoal de advogado e de seus pertences seria humilhante, inconstitucional e ilegal, por estar comprometendo a prerrogativa do sigilo da classe, protegida pelo art. 7º, II, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB); c) a referida norma seria discriminatória, tendo em conta a dispensa da revista dos magistrados e membros do Ministério Público. Entendeu-se que não havia constrangimento a ser sanado, uma vez que a prerrogativa que os advogados têm de ingressarem livremente nas repartições judiciais não seria absoluta, a ponto de dispensá-los dos procedimentos voltados à manutenção da segurança nessas repartições. Considerou-se, também, que o mencionado Provimento é legal e constitucional, visto que não revela conteúdo discriminatório, pois se dirige a todas as pessoas, de forma indistinta. Ressaltou-se, por fim, que o ato impugnado está consubstanciado na proporcionalidade do exercício do poder de polícia como medida de segurança do referido tribunal.
A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se pretendia a anulação de ações penais nas quais a recorrente fora condenada, pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul, pela prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Os crimes consistiam na apropriação de recursos de consorci-ados por terceiros, com a conivência dos administradores de consórcio, entre os quais a paciente figurava. Alegava a recorrente a incompetência da Justiça Federal para julgar os feitos, uma vez que a administrado-ra do consórcio em questão, por não trabalhar com a intermediação ou captação de recursos de terceiros, não poderia ser considerada instituição financeira. Sustentava, ainda, que a Lei 7.492/86, que equipara à instituição financeira pessoa jurídica que administre consórcio, não teria sido recepcionada pelo art. 192 da CF. Entendeu-se que, por força do disposto no art. 1º, parágrafo único, I, da Lei 7.492/86, seria da compe-tência da Justiça Federal o julgamento de crimes praticados na formação e funcionamento de consórcio (Lei 7.492/86:“Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direi-to público ou privado, que... Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou re-cursos de terceiros;”). Asseverou-se, ainda, que o art. 192 da CF, por não ser exaustivo quanto à estrutura do Sistema Financeiro Nacional, permitiria que o legislador ordinário criasse a equiparação no campo penal, não havendo, por conseguinte, que se falar em ausência de recepção da mencionada Lei pela CF/88.