Responsabilidade civil do Estado e dever de fiscalizar

STF
969
Direito Administrativo
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 969

Comentário Damásio

Resumo

A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, adotou a responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, não pela teoria do risco integral. Se inexiste conduta, comissiva ou omissiva, do poder público, o nexo causal não pode ser aferido, logo não é possível configurar-se a responsabilidade do ente público.

Conteúdo Completo

"Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular."

A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, adotou a responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, não pela teoria do risco integral. Se inexiste conduta, comissiva ou omissiva, do poder público, o nexo causal não pode ser aferido, logo não é possível configurar-se a responsabilidade do ente público.

Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular.

Com essa tese de repercussão geral (Tema 366), o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto de acórdão em que o tribunal de origem deu provimento a recurso de apelação por considerar ausente o nexo causal entre as falhas noticiadas na prestação de serviços públicos e a explosão havida em loja de fogos de artifício (Informativos 917 e 918).

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, no qual expôs que a Constituição Federal, no art. 37, § 6º (1), adotou a responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, não pela teoria do risco integral. Várias são as decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido e a apontar a impossibilidade de qualquer legislação, inclusive, ampliar isso e aceitar a teoria do risco integral.

A observância de requisitos mínimos, positivos e negativos, é necessária para a aplicação da responsabilidade objetiva. Na situação dos autos, dois requisitos positivos exigíveis estão ausentes. Inexiste conduta, comissiva ou omissiva, do poder público. Por conseguinte, o nexo causal não pode ser aferido.

A abertura de comércio de fogos com pólvora não é possível sem a perícia da Polícia Civil, órgão do Estado-membro. É ela que pode realizar a vistoria, não o município. Ademais, a legislação da municipalidade estabelecia o procedimento e previa a inspeção. Exigia, no protocolo, a comprovação do seu pedido e o recolhimento da taxa na Polícia Civil para dar sequência ao procedimento.

Entretanto, protocolada a pretensão, faltou a comprovação de ter sido feito requerimento na Polícia Civil. Logo, o procedimento administrativo ficou parado. A atuação do poder público municipal foi a esperada: aguardar a complementação dos documentos pelos requerentes. Nada seria exigível da municipalidade.

A atividade praticada pelos comerciantes era clandestina. Eles precisavam da licença para funcionar, o que só poderia ser concedido com prévia vistoria. Dessa maneira, os proprietários começaram a comercializar sem autorização.

Inclusive, a má-fé dos proprietários do imóvel foi reconhecida em outro processo relacionado a esta causa. Naqueles autos, o magistrado acentuou que, no local, funcionava verdadeiro depósito clandestino de pólvora, armazenada em quantidade tal que se fazia supor uma fábrica clandestina. Assim, existiu desvio na utilização do imóvel.

Percebe-se que, além da ausência de requisitos positivos, incide a culpa exclusiva dos proprietários, porque não aguardaram a necessária licença e estocaram pólvora.

O ministro Roberto Barroso pontuou que a discordância é sobre o nexo de causalidade. A omissão específica no comércio de fogos de artifício ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou forem de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular. O simples requerimento de licença de instalação ou o recolhimento da taxa de funcionamento não são suficientes para caracterizar o dever específico de agir.

Segundo o ministro Gilmar Mendes, a questão resume-se à responsabilidade por fato ilícito causado por terceiro, que instalou clandestinamente loja sem obedecer a legislação municipal, estadual e federal.

O ministro Marco Aurélio sinalizou que a responsabilidade do Estado é objetiva, considerado ato comissivo. A partir do momento em que se tem ato omissivo, a responsabilidade é subjetiva. Entendeu ser o município diligente ao não expedir a licença e exigir a observância de requisitos normativos.

Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Dias Toffoli, que deram parcial provimento ao recurso extraordinário, a fim de restaurar as conclusões da sentença. 

O relator compreendeu ser objetiva a responsabilidade civil atribuível ao Estado também no caso de condutas omissivas. Necessário conjugar a dispensabilidade da comprovação de culpa do agente ou falha no serviço público com a imposição à Administração de um dever legal de agir. Ponderou que o município inverteu o procedimento regulamentar, deixou de realizar a vistoria prévia no prazo de 24 horas e permitiu a paralisação do processo administrativo. De igual modo, incorreu em violação de seu dever de exercício do poder de polícia. Por sua omissão, possibilitou que o comércio funcionasse clandestinamente e ali houvesse danos derivados de explosão.

O ministro Luiz Fux salientou que a responsabilidade municipal está em permitir que atividade de alta periculosidade se realizasse em área próxima a residências. A ministra Cármen Lúcia enfatizou que o município fora acionado; estava, portanto, ciente da instalação do que seria comércio de fogos de artifício. Por sua vez, o ministro Celso de Mello destacou a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

(1) CF: “Art. 37. (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

RE 136861/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 11.3.2020. (RE-136861)
Parte 1 -  
Parte 2 -  


DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento – 3  
O Plenário, em conclusão e por maioria, ao apreciar o Tema 6 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia o dever de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo (Informativos 839 e 841).

No caso, estado-membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em prejuízo dos cidadãos em geral. Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade orçamentária.

O Tribunal entendeu que, em regra, o Estado não está obrigado a dispensar medicamento não constante de lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, no caso concreto, o medicamento foi posteriormente incorporado à referida lista, o que atrai a negativa de provimento do recurso.

O ministro Marco Aurélio (relator) salientou que o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da impossibilidade de substituição e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos arts. 1.649 a 1.710 do Código Civil (CC) e assegurado o direito de regresso.

De acordo com o ministro Roberto Barroso, para que seja, excepcionalmente, admitido o fornecimento de medicamento não constante da lista do SUS, devem ser observados cinco requisitos cumulativos: (a) incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (b) demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (c) inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (d) comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (e) a propositura da demanda necessariamente em face da União, responsável por decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos ao SUS.

Para o ministro Alexandre de Moraes, na hipótese de pleito judicial de medicamentos, não previsto em listas oficiais e/ou Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), independentemente do seu alto custo, a tutela judicial será excepcional e exigirá, previamente, inclusive para a análise de medida cautelar, os seguintes requisitos: (a) comprovação de hipossuficiência financeira do requerente para o custeio; (b) existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento e elaborado pelo perito de confiança do magistrado e fundamentado na medicina de evidências; (c) certificação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) tanto da existência de indeferimento da incorporação do medicamento pleiteado quanto da inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; e (d) atestado emitido pela Conitec no sentido da eficácia, segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde do requerente, no prazo máximo de 180 dias.

A ministra Rosa Weber salientou que, no caso de litígio judicial por medicamentos não incorporado pelo SUS, inclusive os de alto custo, o Estado terá a obrigação de fornecê-los, em caráter excepcional, desde que comprovados, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) prévio requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva do ofício do agente público por parte do julgador; (b) comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado, expedido por médico integrante da rede pública, da imprescindibilidade ou da necessidade do medicamento, assim como da ineficácia para o tratamento da moléstia dos fármacos fornecidos pelo SUS; (c) indicação do medicamento por meio da Denominação Comum Brasileira (DCB) ou da Denominação Comum Internacional (DCI); (d) incapacidade financeira do cidadão de arcar com o custo do medicamento prescrito; (e) existência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do medicamento; e (f) veiculação da demanda, preferencialmente, por processo coletivo estrutural, de forma a conferir máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde e ao diálogo interinstitucional.

A ministra Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux reservaram-se a estabelecer requisitos para o fornecimento excepcional de medicamentos no momento em que o colegiado debater a tese de repercussão geral.

O ministro Ricardo Lewandowski enfatizou que, para que se possa fornecer medicamento que não conste do rol da Anvisa, seria preciso: (a) confirmação do alto custo do fornecimento do tratamento requerido pelo interessado, bem como da impossibilidade financeira do paciente e da sua família para custeá-lo; (b) comprovação robusta da necessidade do fornecimento do medicamento por meio de laudo técnico oficial para evitar o agravamento do quadro clínico do interessado; (c) indicação de inexistência de tratamento oferecido no âmbito do SUS ou de que o tratamento oferecido não surtiu os efeitos esperados, de modo que a medicação sem registro na Anvisa seja a única forma viável de evitar o agravamento da doença; (d) prévio indeferimento de requerimento administrativo ou ausência de análise em tempo razoável pelos entes políticos demandados para o início ou continuidade do tratamento de saúde; (e) que o medicamento tenha sua eficácia aprovada por entidade governamental congênere à Anvisa; (f) ausência de solicitação de registro do medicamento na Anvisa ou demora não razoável do procedimento de análise pela agência reguladora federal. No entanto, não poderiam ser autorizados o custeio de medicamentos expressamente reprovados pela Anvisa ou de produtos legalmente proibidos; e (g) determinação de que o interessado informe, periodicamente, por meio de relatórios médicos e exames comprobatórios de controle da doença, a evolução do tratamento de modo a comprovar sua eficácia e justificar sua manutenção.

Para o ministro Gilmar Mendes, nos casos excepcionais é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças – peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde –, privilegiando, na medida do possível, as políticas públicas existentes e o acionamento prévio da Administração Pública, via pedido administrativo. Quanto à necessidade financeira, o juiz deverá verificar o caso, segundo a prova dos autos, levando em consideração as condições de vida do autor da ação e os custos do tratamento almejado.

Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que deu parcial provimento ao recurso. Acolheu a alegação de que o estado-Membro recorrente não poderia ser condenado a custear sozinho o medicamento, por tratar-se de dispensação excepcional. Ressaltou a necessidade de a União compor o polo passivo da ação. 

Segundo o ministro, as tutelas condenatórias visando à dispensa de medicamento ou tratamento ainda não incorporado à rede pública devem ser, preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou coletivizáveis, de forma a conferir-se máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde. A tutela de prestação individual não coletivizável deve ser excepcional. Desse modo, para seu implemento, é necessário demonstrar não apenas que a opção diversa daquela disponibilizada pela rede pública decorre de comprovada ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente para o seu caso, mas também que há medicamento ou tratamento eficaz e seguro, com base nos critérios da medicina baseada em evidências.

Para aferir tais circunstâncias na via judicial, propôs os seguintes parâmetros: (a) prévio requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do julgador; (b) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada impossibilidade; (c) indicação do medicamento por meio da DCB ou DCI; (d) justificativa da inadequação ou da inexistência de medicamento ou tratamento dispensado na rede pública; e (e) laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico responsável pela prescrição, em que se indique a necessidade do tratamento, seus efeitos e os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente, comparando-o, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.

Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior.

Legislação Aplicável

CF, art. 37, § 6º.

Informações Gerais

Número do Processo

136861

Tribunal

STF

Data de Julgamento

11/03/2020