Este julgado integra o
Informativo STJ nº 850
Tese Jurídica
Se a citação do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali for válida, ela interrompe a prescrição contra a União, mesmo que esta só seja citada depois, desde que a demora tenha sido causada pelo Judiciário.
Comentário Damásio
Resumo
A controvérsia jurídica afetada no Tema Repetitivo 1131/STJ foi assim sintetizada: "Definir, nas ações que tenham como objeto o Tema Repetitivo 928/STJ, se a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, nos termos do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), deve ocorrer também quando a citação da parte legítima se der fora do prazo prescricional, caso a demora no ato citatório decorra do reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário durante a tramitação do feito.". Nesse contexto, a adequada delimitação da controvérsia exige uma breve contextualização histórica do Tema 928/STJ, cuja matéria de fundo discutida se refere à regularidade do Curso de Capacitação para Docentes, instituído pelo Estado do Paraná em 2002, em parceria com a Fundação Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu - Vizivali, na modalidade semipresencial, destinado aos professores que atuavam na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. O curso foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná, com fundamento no art. 87, § 3º, III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB. Contudo, após alguns anos do implemento do programa, pairou incerteza quanto à validade do Curso de Capacitação ofertado pela Faculdade Vizivali - e, por conseguinte, dos diplomas por ela expedidos -, porquanto o seu credenciamento teria sido efetuado pelo Estado do Paraná, ente que não detinha competência para tanto. O Conselho Nacional de Educação, em um primeiro momento, reconheceu a validade do programa. Posteriormente reviu seu posicionamento, sob o argumento de que o credenciamento da faculdade deveria ter sido realizado pela União, nos termos do art. 80, § 1°, da LDB. Em razão disso, posicionou-se pela irregularidade do curso e, consequentemente, pela impossibilidade de registro dos diplomas. Em consequência, milhares de ações foram ajuizadas na Justiça Estadual contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino, objetivando a expedição do diploma e/ou o pagamento de indenização por danos morais e materiais. À época, a jurisprudência oscilava quanto à legitimidade passiva da União e à competência para o julgamento das ações, de modo que muitas ações foram regularmente processadas e julgadas no âmbito da Justiça Estadual. Somente em 24/4/2013, o entendimento foi uniformizado quando a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo 584/STJ, reconheceu que a União deveria integrar o polo passivo das ações relativas ao curso semipresencial ministrado pela instituição Vizivali, no âmbito do programa instituído pelo Estado do Paraná, tendo em vista que a controvérsia envolvia a definição do ente federativo competente para o credenciamento do referido curso superior. Em resumo, a Primeira Seção reconheceu a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre União, o Estado do Paraná e a Faculdade Vizivali, sem, no entanto, analisar a extensão da responsabilidade de cada litisconsorte pelos prejuízos causados aos alunos. Posteriormente, em 8/11/2017, o STJ julgou o Tema Repetitivo 928/STJ com o objetivo de definir: (i) a possibilidade de expedição de diploma do curso ministrado pela referida faculdade na modalidade semipresencial; e (ii) a eventual responsabilização da União, do Estado do Paraná e da instituição de ensino pelos danos decorrentes da negativa na entrega dos diplomas. Na ocasião, reconheceu-se a regularidade do Curso de Capacitação instituído pelo Estado do Paraná, com fundamento na Lei n. 10.172/2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação, e na regra de transição prevista no art. 87, § 3º, III, da LDB, que permitia que Estados e Municípios realizassem programas de capacitação para todos os professores em exercício, inclusive por meio de educação a distância. Por sua vez, a responsabilidade dos envolvidos foi definida com base na situação individual dos alunos matriculados no curso: (i) em se tratando de professor com vínculo formal com instituição pública ou privada, a União é exclusivamente responsável pelo registro do diploma e pela indenização pelos danos causados; (ii) nos casos de professores voluntários ou com vínculo precário, a União responde pelo registro, mas a indenização deve ser suportada solidariamente pela União e pelo Estado do Paraná; (iii) quanto aos estagiários, não há direito ao registro do diploma, cabendo à Faculdade Vizivali a responsabilidade exclusiva por eventuais danos. Nesse contexto, antes do julgamento dos Temas Repetitivos 584/STJ e 928/STJ, havia fundada divergência jurisprudencial quanto à legitimidade passiva e responsabilidade da União, o que justificou o ajuizamento de inúmeras ações na Justiça Estadual, apenas contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino. Portanto, a controvérsia a ser enfrentada neste Tema 1131/STJ é definir se, nas ações relativas ao Tema Repetitivo 928/STJ, a interrupção da prescrição deve retroagir à data da propositura da ação, nos termos do art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), mesmo quando a citação da parte legítima - que não integrava o polo passivo originalmente - ocorrer após o implemento do prazo prescricional, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário. Os artigos 202 do Código Civil (CC); e 240, § 1º, do CPC/2015 (correspondente ao art. 219, § 1º,do CPC/1973) tratam da eficácia interruptiva da prescrição. A interpretação conjunta desses dispositivos evidencia que a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, retroage à data da propositura da ação, desde que o interessado a promova no prazo e na forma da lei processual. A validade do ato citatório é, portanto, condição indispensável para a eficácia interruptiva da prescrição. Em outras palavras, somente a citação válida e tempestiva da parte legítima tem o condão de interromper a prescrição. No caso, a União defende que a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação somente é possível quando a citação da parte legítima ocorrer dentro do prazo prescricional. Nesse contexto, é necessário definir se os efeitos da citação válida do Estado do Paraná e do estabelecimento de ensino superior - contra os quais a ação foi inicialmente proposta - se estendem também à União, que somente foi citada após o decurso do prazo prescricional, devido ao reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário. A jurisprudência do STJ tem reconhecido a possibilidade de interrupção da prescrição quando o autor propõe a ação contra aquele que, com base em elementos razoáveis, acreditava ser o legítimo responsável - situação que autoriza a aplicação da Teoria da Aparência. Nos casos em discussão, a aplicação da Teoria da Aparência - e a consequente interrupção do prazo prescricional - revela-se plenamente possível, já que, à época do ajuizamento das ações, havia divergência jurisprudencial acerca da legitimidade passiva da União, o que justifica a opção dos autores por direcionar a demanda apenas contra o Estado do Paraná e a faculdade, sobretudo considerando que diversas demandas semelhantes estavam sendo regularmente processadas perante a Justiça Estadual. Nesse ponto, é importante destacar que, ainda que, no julgamento do mérito, reconheça-se a responsabilidade exclusiva da União, isso não implica necessariamente a ilegitimidade passiva dos demais réus, o que reforça a aplicação do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015, possibilitando a extensão dos efeitos da interrupção e retroação do prazo prescricional à parte que não integrava a relação processual originalmente. Além da Teoria da Aparência, há ainda outro fundamento jurídico relevante que permite estender a interrupção do prazo prescricional ao litisconsorte cuja citação se deu após o prazo prescricional: a solidariedade. Em regra, a interrupção da prescrição não aproveita nem prejudica os demais credores ou devedores, conforme preceitua o art. 204, caput, do CC/2002. Contudo, de acordo com o seu § 1º, a regra é excepcionada no regime de solidariedade: a interrupção da prescrição contra um devedor solidário atinge os demais. Antes do julgamento do Tema Repetitivo 928, a jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região oscilava sobre a solidariedade existente entre os envolvidos. No julgamento do aludido Tema 928, a Primeira Seção do STJ apenas reconheceu a solidariedade entre a União e o Estado do Paraná nos casos de professores sem vínculo formal com instituição pública ou privada de ensino. Neste ponto, vale dizer que a aplicação do § 1º do art. 204 do CC justifica-se também nos demais casos, em que a responsabilidade foi atribuída exclusivamente à União ou à instituição de ensino, tendo em vista a histórica divergência jurisprudencial sobre a solidariedade entre os réus. Portanto, a solidariedade reconhecida pelas instâncias ordinárias e pelo STJ nos casos em análise reforça o entendimento de que os efeitos da interrupção da prescrição decorrente da citação válida do Estado do Paraná e da Vizivali alcançam a União, ainda que esta só tenha sido citada após o decurso de mais de cinco anos do ajuizamento da ação. O raciocínio desenvolvido contém em si um elemento que, não obstante implícito, não pode ser ignorado: a demora na citação da União se deu por motivos alheios à vontade da parte autora. Nesse contexto, emerge mais um fundamento jurídico que se soma aos já expostos reforçando a solução aqui apresentada: a parte não pode ser prejudicada pela demora na citação da União, imputável exclusivamente ao serviço judiciário. O pressuposto autorizador da perda do direito de ação pela prescrição é a inércia, ou seja, a negligência do sujeito que deixa perecer o direito do qual é titular, ao não ajuizar a ação no prazo legal ou não adotar todas as providências necessárias para a citação do devedor e para o desenvolvimento válido do processo - o que, definitivamente, não se verifica no presente casso. Nesse sentido, são inúmeros os precedentes deste STJ que reconhecem que a parte que deduz sua pretensão dentro do prazo legal não pode ser lesada pela demora a que não deu causa. Em outras palavras, para a caracterização da prescrição, não basta o simples transcurso do tempo: é indispensável a presença simultânea da possibilidade de exercício do direito de ação e da inércia do seu titular. Por fim, para cumprimento do requisito legal e regimental, propõe-se a seguinte tese jurídica: Nas ações relacionadas ao Tema Repetitivo 928, a citação válida do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali tem o condão de interromper a prescrição também em relação à União, com efeitos retroativos à data da propositura da ação. Esse entendimento aplica-se inclusive aos casos em que a citação da União tenha ocorrido após o decurso de cinco anos desde o ajuizamento da demanda, quando essa demora for imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.
Informações Gerais
Número do Processo
REsp 1.962.118-RS
Tribunal
STJ
Data de Julgamento
14/05/2025