Este julgado integra o
Informativo STF nº 783
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recursos extraordinários em que discutida a incidência da Medida Provisória 542/1994, instituidora do Plano Real, em relação aos contratos de aluguel de imóveis comerciais firmados anteriormente à sua edição, ante o questionamento sobre a constitucionalidade do art. 21 da Lei 9.069/1995, resultante da conversão da referida Medida Provisória — v. Informativos 116 e 781. Alegava-se que a aplicação dessas normas aos contratos em curso de execução comprometeria a garantia constitucional de preservação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. O Colegiado, inicialmente, destacou que o art. 21 da Lei 9.069/1995 seria um dos mais importantes conjuntos de preceitos normativos do Plano Real, um dos seus pilares essenciais, justamente o que fixaria os critérios para a transposição das obrigações monetárias, inclusive contratuais, do antigo para o novo sistema monetário. Seria, portanto, preceito de ordem pública, e seu conteúdo, por não ser suscetível de disposição por atos de vontade, teria natureza estatutária, a vincular de forma necessariamente semelhante todos os destinatários. Desde logo se deveria registrar que, pelo seu teor, não haveria dúvida de que a norma fora editada para ter aplicação sobre os contratos em curso. Aliás, seria justamente essa a sua finalidade específica. A questão posta, portanto, não seria apenas de direito intertemporal. Se a finalidade da norma fosse disciplinar o regime de correção monetária de contratos em curso, qualquer juízo que importasse a não aplicação a esses contratos suporia, necessariamente, a prévia declaração de sua inconstitucionalidade. O art. 5º, XXXVI, da CF (“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) — norma de sobredireito editada com a finalidade de nortear a produção de outras normas — diria respeito não apenas ao poder de legislar sobre direito privado, mas também ao de editar normas de direito público. Todos os preceitos normativos infraconstitucionais, independente da matéria que versassem, deveriam estrita obediência à referida cláusula limitativa. Portanto, também as normas de direito econômico, como as que editassem planos econômicos, haveriam de preservar os direitos adquiridos e o ato jurídico perfeito. Ademais, não se poderia confundir aplicação imediata com aplicação retroativa da lei. A aplicação retroativa seria a que fizesse a norma incidir sobre suportes fáticos ocorridos no passado. Essa incidência seria ilegítima, salvo se dela não resultasse violação a direito adquirido, a ato jurídico perfeito ou a coisa julgada. Assim, não seria vedada a incidência retroativa de norma nova que, por exemplo, importasse situação de vantagem ao destinatário. Por outro lado, aplicação imediata seria a que se desse sobre fatos presentes, atuais, não sobre fatos passados. Em princípio, não haveria vedação alguma a essa incidência, respeitada, evidentemente, a cláusula constitucional antes referida. O Plenário acentuou que a jurisprudência do STF sempre teria resolvido a questão fazendo nítida distinção entre: a) situações jurídicas individuais, formadas por ato de vontade — especialmente os contratos —, cuja só celebração, quando legítima, já lhes outorgaria a condição de ato jurídico perfeito e, portanto, imune a modificações legislativas supervenientes; e b) situações jurídicas formadas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente — denominadas situações institucionais ou estatutárias —, em cujo âmbito os direitos somente poderiam ser considerados adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua incidência. A orientação adotada pelo STF estaria perfeitamente ajustada aos critérios técnicos definidos na doutrina. Com efeito, a configuração do direito adquirido e do ato jurídico perfeito não ocorreria de maneira uniforme em todas as situações jurídicas. Em matéria de direito intertemporal, seria indispensável que se traçasse a essencial distinção entre direito adquirido fundado em ato de vontade — contrato — e direito adquirido fundado em preceito normativo, de cunho institucional, para cuja definição o papel da vontade individual seria absolutamente neutro. Aliás, mesmo nas situações de natureza contratual — nunca encontráveis em estado puro — a lei nova incidiria imediatamente sobre as cláusulas nele incorporadas por força de preceito normativo cogente, ou seja, aquelas cujo conteúdo fugisse ao domínio da vontade dos contratantes. Realmente, em casos de situações jurídicas oriundas de contratos, notadamente em se tratando de contratos de trato sucessivo e execução diferida, a incorporar cláusulas regradas por lei, seria pacífica a jurisprudência no sentido de que não haveria direito adquirido à manutenção de tais cláusulas. Disciplinadas em lei de forma abstrata e geral, elas seriam suscetíveis de alteração com eficácia imediata, inclusive em relação aos contratos em curso de execução. Assim, o caso em análise haveria de ser enfrentado e resolvido com base no pressuposto de que as normas que tratassem do regime monetário — inclusive as de correção monetária —, teriam natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência seria imediata, a alcançar as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. Seria, inclusive, irrelevante, para esse efeito de aplicação imediata, que a cláusula estatutária estivesse reproduzida em ato negocial, eis que essa não seria circunstância juridicamente apta a modificar a sua natureza. O Plenário destacou, por fim, que as normas sobre correção monetária editadas no âmbito de planos econômicos, como no caso, teriam, de modo geral, a importante e necessária função de manter o equilíbrio da equação financeira das obrigações pecuniárias legais e contratuais nascidas anteriormente. Essas obrigações, formadas em época de profunda crise inflacionária, sofreriam, com a edição desses planos, o impacto de uma nova realidade, que seria a estabilização — ou, pelo menos, a brusca desaceleração — dos preços, imposta por congelamento ou por outros mecanismos com função semelhante. Portanto, considerando que as normas em questão — constantes do art. 21 da Lei 9.069/1995 — editadas no âmbito da implantação de novo sistema monetário, chamado Plano Real, teriam natureza institucional ou estatutária, não haveria inconstitucionalidade em sua aplicação imediata — que não se confundiria com aplicação retroativa —, para disciplinar as cláusulas de correção monetária de contratos em curso. Vencidos — no RE 211.304/RJ, no RE 222.140/SP e no RE 268.652/RJ —, os Ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski (Presidente), e — no RE 212.609/SP e no RE 215.016/SP —, os Ministros Carlos Velloso (relator) e Marco Aurélio, que davam provimento aos recursos, porquanto entendiam estar configurada a ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF.
Legislação Aplicável
Medida Provisória 542/1994; Lei 9.069/1995, art. 21; CF, art. 5º, XXXVI.
Informações Gerais
Número do Processo
268252
Tribunal
STF
Data de Julgamento
29/04/2015