Competência da Justiça da Infância e Juventude para ações sobre reformas escolares
Na origem, foi ajuizada ação civil pública visando à prestação jurisdicional que garanta que crianças e adolescentes possam adequadamente e sem riscos permanecer em escola, instituição de ensino fundamental e médio de Carapicuíba/SP, diante de irregularidades prediais graves onde funciona a instituição de ensino. Nos termos da Constituição da República (art. 206, I, da CF) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º, I, da Lei n. 9.394/1996), o Poder Público deve ter em conta "a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola". A igualdade nas condições para o acesso (matrícula) ao ensino não basta, se as condições de permanência e funcionamento da instituição de ensino são precárias. Assim, permanência na escola implica a viabilidade de permanência física e funcionamento das instalações da instituição de ensino sem riscos à integridade física dos alunos e professores. Sendo, pois, acesso e permanência mutuamente dependentes, a respectiva competência jurisdicional segue a mesma lógica. Em matéria de acesso (matrícula) ao ensino de crianças e adolescentes e a respectiva competência para o conhecimento de demandas judiciais, verifica-se que a Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990. Este entendimento foi assentado, em regime de recursos repetitivos, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.846.781/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 29/3/2021). Esse precedente obrigatório sobre acesso (matrícula) ao ensino se aplica, portanto, a demandas que discutam permanência, o que abrange reformas de estabelecimentos de ensino. Desse modo, conforme apontado, trata-se de matéria de competência jurisdicional absoluta da Justiça da Infância e da Juventude e, por isso, cabe ao órgão fracionário do Tribunal de origem ao qual incumbiria essa competência, o julgamento do recurso.
Lei estadual específica é requisito para adiar ou suspender exigibilidade de tributos estaduais parcelados
Trata-se de pedido de suspensão temporária do vencimento e da postergação do prazo de pagamento das prestações dos parcelamentos de tributos estaduais até o fim do estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pela Covid-19. Na origem, a parte invocou a Portaria 12, de 20/01/2012, do Ministério da Fazenda, que prorrogou o prazo para pagamento de tributos federais e dos parcelamentos, para contribuintes domiciliados em municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, bem como a Portaria da Receita Federal do Brasil 218, de 05/02/2020, que tomou igual medida quanto a contribuintes domiciliados em Municípios do Espírito Santo, em relação aos quais fora declarado estado de calamidade pública por decreto estadual. Sustentou ofensa ao princípio da isonomia, porquanto a resolução do Conselho Gestor do Simples Nacional 152/2020 desonerou dos pagamentos de parcelamentos as empresas integrantes do Simples Nacional, e que a Resolução PGE/RJ 4.532/2020 tomou igual providência quanto aos tributos estaduais. Conquanto se reconheça os efeitos negativos da pandemia na atividade econômica, o STF já decidiu, enfrentando pretensão análoga à presente, que a intervenção do Poder Judiciário na esfera de discricionariedade de uma escolha política deve cingir-se ao exame de legalidade e constitucionalidade, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que não cabe ao juiz agir como legislador positivo e que o Supremo Tribunal Federal já afastou a possibilidade de concessão de moratória pela via judicial (STF, ARE 1.307.729 AgR/SP, Rel. Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 07/05/2021). Recentemente, o plenário do STF assentou que, "em tempos de pandemia, os inevitáveis conflitos entre particulares e o Estado, decorrentes da adoção de providências tendentes a combatê-la, devem ser equacionados pela tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre tendo por norte que não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado. A suspensão da exigibilidade de tributos, ainda que parcial, e a dilação dos prazos para seu pagamento impostos por decisões judiciais implicam a desarticulação da gestão da política tributária estatal e acarretam sério risco de lesão à ordem e à economia públicas" (STF, SS 5.363 AgR/SP, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 29/10/2020). Assim, à falta de legislação estadual específica que conceda o direito à postergação do vencimento de tributos ou à suspensão da exigibilidade das prestações dos parcelamentos, não há como se estender os efeitos de normas aplicáveis no âmbito dos tributos federais ou do Simples Nacional, ou mesmo benefícios concedidos por outro Estado da Federação.
Validade de acordo parcial em separação judicial cumulada com pedido indenizatório
Cinge-se a controvérsia à configuração nos casos de separação judicial cumulada com pedido condenatório de renúncia tácita a direito de ação ou à perda superveniente do interesse de agir, a obstar o prosseguimento do feito quanto ao pedido condenatório (indenizatório), diante da autocomposição, mesmo sendo parcial, celebrada por ocasião da audiência de conciliação. Em atenção ao sistema normativo vigente por ocasião da sentença e do acórdão recorrido (Código de Processo Civil de 1973), observa-se que a renúncia ao direito consubstanciaria a própria resolução de mérito do pedido e não o reconhecimento da ausência de interesse de agir. Destaca-se que, enquanto instrumento de declaração ou renúncia a direitos, a transação deve ser interpretada de forma restritiva, o que vai ao encontro, aliás, do vetor hermenêutico consubstanciado no artigo 114 do Código Civil, in verbis: os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. No particular, assinala-se que a demanda subjacente ao recurso especial, assim como a autocomposição celebrada, deu-se em momento anterior à Emenda Constitucional n. 66/2010, a qual introduziu o divórcio direto e, de forma elogiável, mitigou a necessidade de interferência estatal na esfera familiar, possibilitado a concretização, pelos cônjuges, de sua autonomia privada. Conforme dispunha o vigente artigo 1.123 do CPC/1973, é lícito às partes, a qualquer tempo, no curso da separação judicial, requererem a conversão em separação consensual [...], sem que isso implique renúncia ou perda de interesse de agir em relação a pretensões conexas, decorrentes do descumprimento de obrigações inerentes à sociedade conjugal, mormente nas hipóteses em que igualmente consubstanciam grave lesão a direito de personalidade. No caso, nada obstante tenha a parte autora, ao entabular acordo, transmudado a natureza da demanda, no que se refere à separação - de litigiosa para consensual -, com o acertamento dos demais pedidos decorrentes (guarda, visitas), em nenhum momento declarou expressamente desistência ou renúncia ao direito em que fundamentado o pedido condenatório. Adotar a interpretação ampliativa implica um cerceamento ao exercício do direito de ação titularizado pela parte autora, ao subtrair sua autonomia, exercida por ocasião da celebração da autocomposição. De fato, legitimar-se-ia, indevidamente, o condicionamento entre a pronta separação judicial à própria renúncia ao direito de ação pertinente aos danos morais e patrimoniais, decorrentes da conduta imputada ao requerido, cônjuge varão. Ademais, a manutenção desse entendimento, com a ampliação dos termos da transação, entendendo-se pela renúncia de direito não indicado, poderia implicar um desestímulo à autocomposição, na medida em que causaria certa insegurança jurídica no que concerne aos limites daquilo que fora acordado e as interpretações judiciais decorrentes. Assim, a circunstância de ter sido celebrado acordo no que tange à separação, aos alimentos, visitas e guarda da prole comum (resultado da transformação consensual do pedido original de separação judicial), não impede a apreciação judicial das demais pretensões inicialmente deduzidas, neste caso, de cunho condenatório.
Prescrição na nulidade de doação inoficiosa: termo inicial no registro ou ciência inequívoca anterior
A controvérsia reside em definir se o termo inicial da prescrição da pretensão de nulidade de doação inoficiosa deve ser a data do registro do ato em cartório ou a data da celebração do respectivo negócio jurídico mediante escritura pública, da qual participou, na qualidade de interveniente-anuente, a parte a quem a nulidade aproveitaria. Sobre o tema, no julgamento do REsp 1.755.379/RJ, concluiu-se que o entendimento segundo o qual o prazo para nulificar a doação inoficiosa deve ser contado a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular está fundado "em um dos principais pilares norteadores do sistema registral, qual seja, o princípio da publicidade, segundo o qual o registro por si só é capaz de gerar presunção de conhecimento por todos os interessados". É importante observar, a esse respeito, que tanto no referido precedente, como nos demais precedentes em que a matéria foi enfrentada nesta Corte, o exame dessa questão se deu sob a perspectiva de ato registral anterior em confronto com atos ou fatos jurídicos subsequentes que se alegava serem os elementos deflagradores do prazo prescricional. Com efeito, no julgamento do REsp 1.049.078/SP, por exemplo, verifica-se que a Terceira Turma entendeu que o prazo prescricional havia se iniciado com o registro do ato jurídico de doação em cartório - e não com a abertura da sucessão do doador, que lhe era subsequente - pois aquele primeiro ato jurídico era suficiente para conferir ciência inequívoca, ou ao menos presumida, da doação inoficiosa pelo suposto prejudicado. Por sua vez, na presente hipótese existe um ato jurídico anterior ao registro da doação na matrícula do imóvel, igualmente dotado de publicidade e, mais do que isso, do qual efetivamente participou o recorrente na qualidade de interveniente-anuente. Diante desse cenário, deve-se conferir flexibilidade à tese de que o termo inicial da prescrição da pretensão de nulidade da doação inoficiosa é a data do registro do ato de doação em cartório, de modo a excepcionar esse entendimento nas hipóteses em que o suposto prejudicado possuía a ciência inequívoca da existência da doação alegadamente inoficiosa antes mesmo do referido registro, caso em que esse será o termo inicial do prazo prescricional. Dito de outra maneira, em se tratando de ação de nulidade de doação inoficiosa, o prazo prescricional é contado a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular, salvo se houver anterior ciência inequívoca do suposto prejudicado, hipótese em que essa será a data de deflagração do prazo prescricional.
Plano de saúde: reembolso tabelado por atendimento fora da rede credenciada em tratamento coberto
Inicialmente, ressalta-se que a Terceira Turma recentemente remodelou a sua compreensão acerca do tema atinente ao ressarcimento do usuário pela utilização de serviços da rede não credenciada, estabelecendo, contudo, não o ressarcimento integral mas nos limites da tabela do plano de saúde contratado. Da ementa do mencionado julgado, extrai-se que "6. Se a operadora de plano de saúde é obrigada a ressarcir o SUS na hipótese de tratamento em hospital público, não há razão para deixar de reembolsar o próprio beneficiário que se utiliza dos serviços do hospital privado que não faz parte da sua rede credenciada. 7. O reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde deve ser permitido quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, sendo as hipóteses de urgência e emergência apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança contratual dada aos consumidores. (REsp 1.575.764/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07/05/2019, DJe 30/05/2019) Estabelece-se como norte hermenêutico para a interpretação da lei a inegável incidência do diploma consumerista à relação mantida entre beneficiário/usuário e operadora de plano de saúde (art. 35-G da Lei n. 9.656/1988), salvo aqueles de autogestão, que não é o caso. Nessa toada, em observância aos princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor, notadamente a boa-fé objetiva, que, inclusive, deve guiar a elaboração e a execução de todos os contratos, e a interpretação sempre em benefício do hipossuficiente, não se afigura razoável que na hipótese da enfermidade estar coberta pelo plano de saúde e de não ser possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, seja no limite do município ou fora da área de abrangência municipal, o reembolso das despesas realizadas pelo usuário somente possa se dar em caso de urgência ou emergência - em que pese seja essa a hipótese dos autos -, haja vista que se o tratamento da enfermidade é coberto pelo contrato mantido com a operadora, acaso houvessem profissionais e clínicas no limite geográfico da municipalidade estaria o plano obrigado a suportar, ao menos, a cobertura consoante contratado. Com base nessa assertiva, de que o tratamento da doença é coberto, abre-se ao usuário três possibilidades distintas com consequências bem definidas: a) fazer uso do SUS, oportunidade na qual o Estado demandará a operadora do reembolso integral, nos limites do contrato; b) deslocar-se para município ou área geográfica limítrofe e ser atendido por profissional ou clínica conveniada, tendo direito a traslado (ida e volta), nos termos da resolução de regência, e, em caso de descumprimento por parte da operadora (de fornecimento do traslado), terá o direito de ser reembolsado integralmente nos termos do artigo 9º da Resolução n. 268/2011 caso o beneficiário tenha sido obrigado a pagar os custos do atendimento e c) utilizar-se de profissionais/estabelecimentos não conveniados/referenciados pelo plano, seja no âmbito da extensão geográfica ou fora dela, ficando o ressarcimento limitado ao valor de tabela do plano contratado. Nessa última hipótese, não se cogita em violação ao equilíbrio atuarial da operadora - afinal está contratualmente obrigada ao tratamento da doença coberta -, mas em interpretação que a um só tempo mantém as estipulações pactuadas e garante ao usuário o atendimento de que necessita para o tratamento da enfermidade. A limitação de reembolso ao valor de tabela afasta qualquer possibilidade de enriquecimento indevido do usuário ao se utilizar de profissional ou hospital de referência que muitas vezes demandam altas somas pelo trabalho desempenhado. Assim, a limitação do reembolso ao usuário pelo preço de tabela, quando não for hipótese de descumprimento pela operadora de conceder traslado e demais benefícios, é medida que se impõe quando o usuário utilizar, para o tratamento de terapia coberta, os profissionais e estabelecimentos não credenciados, estejam eles dentro ou fora da área de abrangência do município/área geográfica e de estar ou não o paciente em situação de emergência/urgência.