Regime de bens na união estável por contrato escrito efeitos ex nunc e retroatividade judicial
No caso, o magistrado de piso julgou improcedente a pretensão de invalidade de cláusula retroativa do regime de bens da união estável consignando que "tendo os litigantes optado por adotar o regime da 'separação total de bens' quando da realização do contrato de convivência, inclusive com efeitos retroativos ao início da união estável, e não tendo restado demonstrado que a autora foi forçada ou ludibriada a fazê-lo, se concluiu ter ela o feito espontaneamente, devendo o pacto continuar a vigorar". Por sua vez, o Tribunal de origem manteve a sentença, por entender possível a retroatividade de todo o contrato de convivência no caso de previsão expressa em cláusula contratual. Dessa forma, a Corte a quo decidiu a questão em desconformidade com a jurisprudência do STJ, segundo a qual a eleição do regime de bens da união estável por contrato escrito é dotada de efetividade ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos. Por fim, consigna-se que a possibilidade de cláusula retroativa sobre o regime de bens, em contrato celebrado entre os conviventes, depende de expressa autorização judicial, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002.
Indicação de link do tribunal não comprova a tempestividade do recurso
A Corte Especial do STJ, nos autos do AREsp 957.821/MS, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 19/12/2017, firmou entendimento no sentido da impossibilidade de comprovação posterior da tempestividade de recurso interposto na égide do CPC/2015, haja vista a redação do art. 1.003, § 6º, da referida norma, que exige a comprovação da ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, e porque o § 3º do art. 1.029 impõe, para desconsideração de vício formal, que se trate de "recurso tempestivo". Impende registrar que o art. 374, I, do CPC/2015 não se aplica na hipótese. A necessidade de comprovação do feriado local - ou mesmo da suspensão do expediente, no âmbito do Tribunal a quo -, no ato da interposição do recurso, por meio de documento idôneo, foi reafirmada pela Corte Especial, em 2/10/2019, no julgamento do REsp 1.813.684/SP, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, modulando-se, todavia, os efeitos da decisão, em razão dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, de modo que o entendimento firmado fosse aplicado tão somente aos recursos interpostos após a publicação do acórdão daquele apelo nobre, o que ocorrera em 18/11/2019. Em Questão de Ordem, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgada em 3/2/2020 (DJe de 28/2/2020), a Corte Especial do STJ reconheceu que a tese firmada por ocasião do julgamento do referido REsp 1.813.684/SP, no que relativo à modulação de efeitos, é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval, não se aplicando aos demais feriados locais. Ressalte-se, por fim, que a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que a mera remissão a link de site do Tribunal de origem nas razões recursais é insuficiente para comprovar a tempestividade do recurso.
Multa à PJ por não indicar condutor exige dupla notificação: autuação e penalidade
O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 257, §§ 7º e 8º, prevê a aplicação de nova multa ao proprietário de veículo registrado em nome de pessoa jurídica quando não há a identificação do condutor infrator no prazo determinado. Da redação da lei, verifica-se que as duas violações são autônomas em relação à necessidade de notificação da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração, devendo ser concedido o devido prazo para defesa em cada caso. Tratando-se de situações distintas, geradoras de infrações distintas, o direito de defesa a ser exercido em cada uma será implementado de forma igualmente distinta. Ou seja, as teses de defesa não serão as mesmas, daí a razão para que se estabeleça uma relação processual diferenciada, para cada situação. Assim, sempre que estiver em jogo a aplicação de uma garantia, a regra de interpretação não deva ser restritiva. Ademais, sempre que nos depararmos com um gravame, penalidade ou sacrifício de direito individual, a regra de interpretação deve, de alguma forma, atender quem sofre esse tipo de consequência, quando houver alguma dúvida ou lacuna. Veem-se exemplos dessa perspectiva no Processo Penal, com muita clareza, em que a dúvida beneficia o réu. Observa-se também no Direito do Consumidor, no do Trabalho, nos quais a parte fragilizada na relação jurídica material recebe uma "compensação", por assim dizer, ou uma não equiparação lícita, para que, no conflito verificado em um processo contra um ente mais "forte", possa se estabelecer, tanto quanto possível, a igualdade material e ela não seja prejudicada por ser mais frágil. No que toca a uma relação jurídica estabelecida no presente processo administrativo sancionador de trânsito, verifica-se que existe essa supremacia do ente público em desfavor do particular. Poder-se-ia indagar se o interesse público daria fundamento à desnecessidade de dupla notificação, pois o particular cometeu a infração e deve sofrer as consequências da lei, já que a autoridade administrativa exerce seu papel com os atributos próprios do ato administrativo. Sem dúvida, o interesse público paira sobre a controvérsia e serve de guia interpretativo. Todavia, também integra o conceito de interesse público o respeito e o correto cumprimento das garantias constitucionais, das quais o contraditório é, sem dúvida, uma das mais candentes, sobretudo em se tratando de processo sancionador. Além disso, sendo administrativa ou de trânsito a multa, não se vê razoável motivo para dela afastar a aplicação dos arts. 280, 281, 282 do CTB (os quais estão contidos na mesma lei federal que prevê tal multa), nem mesmo obstáculos que impossibilitem que uma segunda notificação seja expedida antes da imposição da penalidade, sendo incontestável que o próprio art. 257, § 8º, do CTB determina sanção financeiramente mais grave à pessoa jurídica que não identifica o condutor no prazo legal. Não se trata, portanto, de "fazer letra morta o texto legal", mas, ao contrário, de cumpri-lo com efetividade. Dessa forma, conforme a jurisprudência do STJ, em se tratando de multa aplicada à pessoa jurídica proprietária de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação, a primeira que se refere à autuação da infração e a segunda relativa à aplicação da penalidade (arts. 280, 281 e 282, todos do CTB).
Alcance subjetivo da coisa julgada no mandado de segurança coletivo por associação
Inicialmente, no julgamento do ARE 1.293.130/RG-SP, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua jurisprudência dominante, estabelecendo a tese de que "é desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil". Esse, inclusive, é o teor da Súmula 629 do STF: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes". Não obstante o entendimento acima indicado, não é suficiente para dirimir a questão travada nos presentes autos, devendo, também, ser observados os limites da coisa julgada. No ponto, não andou bem a Corte a quo ao consignar que o título executivo teria se formado nos moldes delimitados pelas instâncias ordinárias no julgamento do writ - com a limitação da incorporação da vantagem aos associados da impetrante constantes na lista anexada à inicial. Com efeito, consoante registrado pelo Tribunal de origem, no primeiro grau, a ordem foi parcialmente concedida para determinar que a autoridade coatora procedesse à incorporação da "Vantagem Pecuniária Especial instituída pela Lei n. 11.134/2005, nos proventos de reforma auferidos pelos Policiais Militares e Bombeiros do antigo Distrito Federal filiados à Impetrante, que tivessem adquirido o direito à inatividade remunerada até a vigência da Lei n. 5.787/1972, bem como nos proventos de pensão instituídos pelos referidos militares e percebidos por filiados à Associação Autora". Em sede de apelação, a sentença foi parcialmente reformada para se reconhecer a isonomia entre os militares do Distrito Federal e os remanescentes do antigo Distrito Federal, tendo sido determinada a incorporação da Vantagem em comento aos associados da impetrante. Interposto recurso especial pela União (REsp 1.121.981/RJ), o apelo nobre foi provido e denegada a ordem. Entretanto, a Terceira Seção desta Corte acolheu embargos de divergência interpostos pela Associação "para que a Vantagem Pecuniária Especial - VPE, criada pela Lei nº 11.134/05, seja estendida aos servidores do antigo Distrito Federal em razão da vinculação jurídica criada pela Lei nº 10.486/2002". Da simples leitura do decisum acima destacado, vê-se que, contrariamente ao explicitado pelo Tribunal de origem, esta Corte Superior reconheceu o direito de todos os servidores do antigo Distrito Federal, não havendo qualquer limitação quanto aos associados da então impetrante nem tampouco dos constantes em lista. Assim, a configuração da legitimidade ativa, para fins de execução individual do título coletivo em comento, prescinde: a) da presença do nome do exequente individual na lista de associados eventualmente apresentada quando do ajuizamento do mandado de segurança e, assim também, b) da comprovação de filiação, no caso concreto, à Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro, autora da segurança coletiva. O caso concreto, entretanto, guarda particularidade: a exequente é pensionista de ex-Praça da Polícia Militar do antigo Distrito Federal. Conquanto o Tribunal de origem tenha utilizado fundamento equivocado quanto à limitação da coisa julgada formada no julgamento do mandado de segurança coletivo, registrou que a exequente não teria legitimidade, tendo em vista que o instituidor da pensão ostentava a condição de praça, na graduação de Terceiro Sargento, não podendo, portanto, ser filiado à AME/RJ, uma vez que a associação tem por objeto apenas a defesa de interesses dos Oficiais Militares. Toda a fundamentação já anteriormente indicada permite uma única conclusão: a legitimidade para a execução individual do título coletivo formado em sede de mandado de segurança, caso o título executivo tenha transitado em julgado sem limitação subjetiva (lista, autorização etc), restringe-se aos integrantes da categoria que foi efetivamente substituída. Dessa forma, ainda que nos embargos de divergência manejados na ação originária tenha a Terceira Seção desta Corte acolhido o recurso para que "a Vantagem Pecuniária Especial - VPE, criada pela Lei nº 11.134/05, seja estendida aos servidores do antigo Distrito Federal", a coisa julgada formada no título jamais poderia abarcar servidor militar não integrante da categoria que estava sendo substituída no writ.
Custeio estatal dos honorários periciais em ações acidentárias com autor isento de sucumbência
A controvérsia cinge-se a definir a quem cabe a responsabilidade pelo custeio, em definitivo, de honorários periciais antecipados pelo INSS, na forma do art. 8º, § 2º, da Lei n. 8.620/1993, nas ações de acidente do trabalho em curso na Justiça dos Estados e do Distrito Federal, nas quais a parte autora, sucumbente, é beneficiária da gratuidade de justiça, por força da isenção de custas e de verbas de sucumbência, prevista no art. 129, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991. Nas causas acidentárias, de competência da Justiça dos Estados e do Distrito Federal, o procedimento judicial, para o autor da ação, é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas relativas à sucumbência, conforme a regra do art. 129, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991. Em tais demandas o art. 8º, § 2º, da Lei n. 8.620/1993 estabeleceu norma especial, em relação ao CPC/2015, determinando, ao INSS, a antecipação dos honorários periciais. A exegese do art. 129, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991 - que presumiu a hipossuficiência do autor da ação acidentária - não pode conduzir à conclusão de que o INSS, que, por força do art. 8º, § 2º, da Lei n. 8.620/1993, antecipara os honorários periciais, seja responsável, em definitivo, pelo seu custeio, ainda que vencedor na demanda, em face do disposto no art. 82, § 2º, do CPC/2015, que, tal qual o art. 20, caput, do CPC/1973, impõe, ao vencido, a obrigação de pagar, ao vencedor, as despesas que antecipou. Entretanto, como, no caso, o autor da ação acidentária, sucumbente, é beneficiário de gratuidade de justiça, sob a forma de isenção de ônus sucumbenciais de que trata o art. 129, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991 - que inclui o pagamento de honorários periciais -, a jurisprudência do STJ orientou-se no sentido de que, também nessa hipótese, tal ônus recai sobre o Estado, ante a sua obrigação constitucional de garantir assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, como determina o art. 5º, LXXIV, da CF/1988. A efetivação da garantia constitucional é responsabilidade tanto da União, quanto dos Estados e do Distrito Federal. No caso em análise, sucumbente a parte autora, a responsabilidade pelo custeio, em definitivo, dos honorários periciais, será do Estado, porquanto as ações acidentárias, além de estarem inseridas na competência da Justiça Estadual e do Distrito Federal, são isentas do pagamento de quaisquer verbas de sucumbência, independentemente da demonstração de necessidade do beneficiário, na forma do art. 129, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991, que presumiu a hipossuficiência do autor da ação acidentária. Nesse panorama, o INSS somente estará obrigado ao pagamento final dos honorários periciais, em ação acidentária, se for a parte sucumbente. Improcedente o pedido de benefício acidentário - sendo o INSS a parte vencedora da demanda -, os honorários periciais, adiantados pela autarquia, na Justiça Estadual e do Distrito Federal (art. 8º, § 2º, da Lei n. 8.620/1993), constituirão despesa a cargo do Estado em que tramitou a ação.