Validade do testamento particular com impressão digital substituindo assinatura da testadora
Em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última vontade do falecido, devendo as formalidades previstas em lei serem examinadas à luz dessa diretriz máxima, sopesando-se, sempre casuisticamente, se a ausência de uma delas é suficiente para comprometer a validade do testamento em confronto com os demais elementos de prova produzidos, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador. Conquanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça permita, sempre excepcionalmente, a relativização de apenas algumas das formalidades exigidas pelo Código Civil e somente em determinadas hipóteses, o critério segundo o qual se estipulam, previamente, quais vícios são sanáveis e quais são insanáveis é nitidamente insuficiente, devendo a questão ser verificada sob diferente prisma, examinando-se se da ausência da formalidade exigida em lei efetivamente resulta alguma dúvida quanto à vontade do testador. Em uma sociedade que é comprovadamente menos formalista, na qual as pessoas não mais se individualizam por sua assinatura de próprio punho, mas, sim, por seus tokens, chaves, logins e senhas, ID's, certificações digitais, reconhecimentos faciais, digitais, oculares e, até mesmo, pelos seus hábitos profissionais, de consumo e de vida, captados a partir da reiterada e diária coleta de seus dados pessoais, e na qual se admite a celebração de negócios jurídicos complexos e vultosos até mesmo por redes sociais ou por meros cliques, o papel e a caneta esferográfica perdem diariamente o seu valor e a sua relevância, devendo ser examinados em conjunto com os demais elementos que permitam aferir ser aquela a real vontade do contratante. A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular, pois, traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se, ainda que excepcionalmente, a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador. É preciso, pois, repensar o direito civil codificado à luz da nossa atual realidade social, sob pena de se conferirem soluções jurídicas inexequíveis, inviáveis ou simplesmente ultrapassadas pelos problemas trazidos pela sociedade contemporânea. No caso, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho do testador e de o testamento ter sido lavrado a rogo e apenas com a aposição de sua impressão digital, não havia dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora que, embora sofrendo com limitações físicas, não possuía nenhuma restrição cognitiva.
Competência da Justiça comum em litígios entre usuário e operadora de plano de saúde
A jurisprudência desta Corte Superior, até pouco tempo, seguia o entendimento de que a competência para julgamento de demandas entre usuário e operadora de plano de saúde seria da Justiça do Trabalho tão somente quando a própria empresa operava o plano de saúde. Recentemente, porém, o STJ, com fundamento na autonomia do contrato de plano de saúde em relação ao contrato de trabalho, passou a manifestar o entendimento de que a competência seria da Justiça comum, mesmo na hipótese de "autogestão empresarial". Nesse contexto, a única hipótese em que a competência foi mantida na Justiça do Trabalho passou a ser situação em que o plano de saúde seja da modalidade autogestão empresarial e, cumulativamente, as regras do plano estejam previstas em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. No entanto, para afirmar que compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, é irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.
Cadastro e peticionamento no SEI configuram ciência da tramitação eletrônica do processo administrativo
Registre-se, inicialmente, que, para o peticionamento no sistema eletrônico na Administração Pública, foi necessário que o representante legal da impetrante realizasse o preenchimento e aceitação de cadastramento com os "dados para a comunicação oficial". Assim, não há falar em falta de intimação para efetuar regularizações no processo administrativo, tendo a parte ciência de que o processo e suas respectivas intimações prosseguiriam da forma eletrônica. Ressalta-se que a comunicação eletrônica atende plenamente à exigência de assegurar a certeza da ciência pelo interessado, como exige a Lei n. 9.784/1999 (art. 26, §3º), que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Competência do Tribunal do Júri para julgar homicídio entre militares fora de serviço
Nos termos da orientação sedimentada na Terceira Seção desta Corte, só é crime militar, na forma do art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, o delito perpetrado por militar da ativa, em serviço, ou quando tenha se prevalecido de sua função para a prática do crime. Interpretação consentânea com a jurisprudência da Suprema Corte. Em se tratando de crimes dolosos contra a vida, deve ser observado, ainda, o disposto no art. 9º, § 1º, do Código Penal Militar, de modo que tais delitos, quando perpetrados por policial militar contra civil, mesmo que no exercício da função, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri). No caso, a vítima e o réu - ambos policiais militares à época dos fatos - estavam fora de serviço quando iniciaram uma discussão no trânsito, tendo ela sido motivada por uma dúvida da vítima acerca da identificação do réu como policial militar. Nos momentos que antecederam aos disparos, não há nenhum indício de que o réu tenha atuado como policial militar. Há elementos, inclusive, que sugerem comportamento anormal àquele esperado para a função, já que supostamente teria resistido à investida da vítima, no sentido de conduzi-lo à autoridade administrativa. O fato não se amolda à hipótese prevista no art. 9º, II, a, do CPM, notadamente porque o evento tido como delituoso envolveu policiais militares fora de serviço, sendo que o agente ativo não agiu, mesmo com o transcorrer dos acontecimentos, como um policial militar em serviço. Inviável, também, concluir pela prática de crime militar com base no art. 9º, III, d, do CPM, ou seja, mediante equiparação do réu (fora de serviço) a um civil, pois, ainda que a vítima, antes dos disparos, tenha dado voz de prisão ao réu, ela não foi requisitada para esse fim nem agiu em obediência à ordem de superior hierárquico, circunstância que rechaça a existência de crime militar nos termos do referido preceito normativo.
Aplicação retroativa do conceito abrangente de licitação internacional de natureza interpretativa
O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n. 37/1966 - isenção, suspensão e restituição de tributos, podendo ser conceituado como incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global. A Lei n. 8.032/1990, que dispõe sobre a isenção e redução de impostos em importação, disciplinou a aplicação do regime de drawback-suspensão (art. 78, II, do Decreto-Lei n. 37/1966) especificamente às operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno. De outra parte, a Lei n. 11.732/2008 revela o conceito de "licitação internacional" nos seguintes termos: "Art. 3º Para efeito de interpretação do art. 5º da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, licitação internacional é aquela promovida tanto por pessoas jurídicas de direito público com o por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado. À vista disso, observa-se que o legislador optou por conceito subjetivamente mais abrangente do que aquele constante do art. 42 da Lei n. 8.666/1993, a qual, como cediço, regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição da República, encampando, além das licitações realizadas no âmbito da Administração Pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em tela. Dessarte, a definição de licitação internacional amoldável ao regime aduaneiro do drawback incidente no fornecimento de bens voltado ao mercado interno é aquela estampada no art. 3º da Lei n. 11.732/2008, por expressa previsão legal, refutando-se a regência pela Lei n. 8.666/1993. A adoção de conclusão diversa aviltaria, inclusive, o comando constitucional da paridade entre as empresas estatais e os agentes econômicos particulares, segundo o qual "as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado" (art. 173, § 2º, da Constituição da República). É dizer, caso o regime fiscal especial do art. 5º da Lei n. 8.032/1990 se limitasse ao âmbito das licitações públicas, estar-se-ia concedendo benefício exclusivo ao Estado enquanto agente econômico. O padrão em nosso ordenamento jurídico é o de que as leis projetem seus efeitos para o futuro. Não obstante, o art. 106 do CTN estatui as excepcionais hipóteses nas quais a lei tributária aplica-se ao passado, dentre elas, quando a lei for expressamente interpretativa. Com efeito, o preceito constante do art. 3º da Lei n. 11.732/2008 ostenta indiscutível caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e o alcance de expressão constante de outra - art. 5º da Lei n. 8.032/1990, sem impor nenhuma inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual é perfeitamente aplicável às situações anteriores a sua vigência.