Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 03 de ago. de 2006
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O Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ que, resolvendo conflito de competência suscitado nos autos de inquérito policial instaurado com o objetivo de apurar a prática dos crimes de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e/ou tentativa de homicídio, atribuídos a índios, concluíra pela competência da Justiça Comum Estadual, aplicando o Enunciado da Súmula 140 daquela Corte. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, primeiro na divergência, que afirmou sua inclinação no sentido de acompanhar os fundamentos do voto do Min. Maurício Corrêa, quanto ao alcance do art. 109, XI, da CF, no julgamento do HC 81827/MT (DJU de 23.8.2002), qual seja, de caber à Justiça Federal o processo quando nele veiculadas questões ligadas aos elementos da cultura indígena e aos direitos sobre terras, não abarcando delitos isolados praticados sem nenhum envolvimento com a comunidade indígena (CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:... XI - a disputa sobre direitos indígenas.”). Para o Min. Cezar Peluso, a expressão “disputa sobre direitos indígenas”, contida no mencionado inciso XI do art. 109, significa: a existência de um conflito que, por definição, é intersubjetivo; que o objeto desse conflito sejam direitos indígenas; e que essa disputa envolva a demanda sobre a titularidade desses direitos. Asseverou, também, estar de acordo com a observação de que o art. 231 da CF se direciona mais para tutela de bens de caráter civil que de bens objeto de valoração estritamente penal (CF: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”). Esclareceu, no entanto, que a norma também inclui todo o crime que constitua um atentado contra a existência do grupo indígena, na área penal, ou crimes que tenham motivação por disputa de terras indígenas ou outros direitos indígenas. Acentuou, por fim, que essa norma, portanto, pressupõe a especificidade da questão indígena. Ou seja, o delito comum cometido por índio contra outro índio ou contra um terceiro que não envolva nada que diga singularmente respeito a sua condição de indígena, não guarda essa especificidade que reclama da Constituição a tutela peculiar prevista no art. 231, nem a competência do art. 109, XI. Afastou, assim, a possibilidade de se ter uma competência “ratione personae” neste último dispositivo. Os Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator no sentido de que a regra da competência contida no art. 109, XI, da CF está voltada à proteção dos direitos e interesses da comunidade indígena. O Min. Eros Grau acompanhou o relator quanto ao requisito da especificidade da questão indígena. Os Ministros convergiram quanto à necessidade de que a aludida norma seja interpretada em conjunto com o art. 231 da CF. Afastaram, também, a existência de uma competência “ratione personae”. Acompanharam, ainda, a dissidência os Ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. O Min. Sepúlveda Pertence afirmou que, apesar de não conferir ao conceito “disputa sobre direitos indígenas” uma interpretação estrita, não admitia a existência de um foro ratione personae. Asseverou, entretanto, que a aplicação do art. 109, XI, deve ser casuística, ou seja, há de se indagar se a condição étnica do agente ou da vítima tem a ver com a ocasião ou a motivação do fato criminoso, o que não vislumbrou no caso. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que davam provimento ao recurso para assentar a competência da Justiça Federal, ressaltando a necessidade de se emprestar a maior eficácia possível à Constituição — no que enfatizou a proteção dos índios — e, tendo em conta inexistir restrição ao que contido no inciso XI do seu art. 109, interpretar o vocábulo “disputa”, dele constante, de forma a abranger qualquer conflito, em cujo âmbito se situam os crimes praticados pelos indígenas.
O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário, remetido pela 1ª Turma ao Plenário, em que se discutia a competência para processar e julgar os crimes cometidos por garimpeiros contra índios ianomâmis, no chamado massacre de Haximu — v. Informativo 402. Pretendia-se, na espécie, sob alegação de ofensa ao disposto no art. 5º, XXXVIII, d, da CF (“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:... d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”), a reforma de acórdão do STJ que, dando provimento a recurso especial do Ministério Público Federal, entendera ser o juízo singular competente para processar e julgar os recorrentes, condenados pela prática do crime de genocídio (Lei 2.889/56, art. 1º, a, b e c) em concurso material com os crimes de lavra garimpeira, dano qualificado, ocultação de cadáver, contrabando e formação de quadrilha. No caso, o processo tramitara perante juízo monocrático federal e resultara em decreto condenatório, contra o qual fora interposto, exclusivamente pela defesa, recurso de apelação, provido para anular a sentença e determinar a adoção do procedimento do Tribunal do Júri, ao fundamento de que o genocídio praticado contra índio, com conexão com outros delitos, seria crime doloso contra a vida. Inicialmente, asseverou-se que o objeto jurídico tutelado imediatamente pelos crimes dolosos contra a vida difere-se do bem protegido pelo crime de genocídio, o qual consiste na existência de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Assim, não obstante a lesão à vida, à integridade física, à liberdade de locomoção etc. serem meios de ataque a esse objeto jurídico, o direito positivo pátrio protege, de modo direto, bem jurídico supranacional ou coletivo. Logo, no genocídio, não se está diante de crime contra a vida e, por conseguinte, não é o Tribunal do Júri o órgão competente para o seu julgamento, mas sim o juízo singular. Desse modo, não se negou, no caso, ser a Justiça Federal competente para a causa. Ademais, considerou-se incensurável o entendimento conferido pelas instâncias inferiores quanto ao fato de os diversos homicídios praticados pelos recorrentes reputarem-se uma unidade delitiva, com a conseqüente condenação por um só crime de genocídio. Esclareceu-se, no ponto, que para a legislação pátria, a pena será única para quem pratica as diversas modalidades de execução do crime de genocídio, mediante repetições homogêneas ou não, haja vista serem consideradas como um só ataque ao bem jurídico coletivo. Ressaltou-se, ainda, que apesar da cominação diferenciada de penas (Lei 2.889/56, art. 1º), a hipótese é de tipo misto alternativo, no qual, cada uma das modalidades, incluídos seus resultados materiais, só significa distinto grau de desvalor da ação criminosa. Em seguida, entendeu-se que a questão recursal não se esgotaria no reconhecimento da prática do genocídio, devendo ser analisada a relação entre este e cada um dos 12 homicídios praticados. Nesse sentido, salientou-se que o genocídio corporifica crime autônomo contra bem jurídico coletivo, diverso dos ataques individuais que compõem as modalidades de sua execução. Caso contrário, ao crime mais grave, aplicar-se-ia pena mais branda, como ocorrera no caso. No ponto, afastou-se a possibilidade de aparente conflito de normas. Considerou-se que os critérios da especialidade (o tipo penal do genocídio não corresponderia à soma de um crime de homicídio mais um elemento especial); da subsidiariedade (não haveria identidade de bem jurídico entre os crimes de genocídio e de homicídio) e da consunção (o desvalor do homicídio não estaria absorvido pelo desvalor da conduta do crime de genocídio) não solucionariam a questão, existindo, pois, entre os diversos crimes de homicídio continuidade delitiva, já que presentes os requisitos da identidade de crimes, bem como de condições de tempo, lugar e maneira de execução, cuja pena deve atender ao disposto no art. 71, parágrafo único, do CP. Ademais, asseverou-se que entre este crime continuado e o de genocídio há concurso formal (CP, art. 70, parágrafo único), uma vez que no contexto dessa relação, cada homicídio e o genocídio resultam de desígnios autônomos. Por conseguinte, ocorrendo concurso entre os crimes dolosos contra a vida (homicídios) e o crime de genocídio, a competência para julgá-los todos será, por conexão, do Tribunal do Júri (CF, art. 5º, XXXVIII e CP, art. 78, I). Entretanto, tendo em conta que, na espécie, os recorrentes não foram condenados pelos delitos de homicídio, mas apenas pelo genocídio, e que o recurso é exclusivo da defesa, reconheceu-se incidente o princípio que veda a reformatio in pejus. Os Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence ressalvaram seu entendimento no tocante à adoção da tese de autonomia entre os crimes genocídio e homicídio quando este for meio de execução daquele.
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.446/97, do Estado de Pernambuco, que obriga as empresas estabelecidas no Estado que exerçam, direta ou indiretamente, atividade de prestação de serviços médico-hospitalares a atender e a prestar assistência aos seus usuários sem quaisquer restrições a enfermidades mencionadas no Código Internacional de Doenças, editado pela Organização Mundial de Saúde. Reportando-se a precedente da Corte (ADI 1595 MC/SP, DJU de 19.12.2002), entendeu-se que a lei impugnada usurpa a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial e sobre política de seguros, nos termos do disposto no art. 22, I e VII, da CF. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Carlos Britto que, adotando os fundamentos expendidos no voto vencido do primeiro no mencionado acórdão, julgavam o pedido improcedente.
Na linha da orientação fixada no julgamento acima transcrito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade da Lei distrital 3.596/2005, que determina que as concessionárias de telefonia fixa instalem contadores de pulso em cada ponto de consumo. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio que julgavam totalmente improcedente o pedido por considerar se tratar de matéria relativa a consumo (CF, art. 24, V). Precedente citado: ADI 2615/SC (DJU de 29.5.2002). ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Individualização de Informações nas Faturas - 2 (texto da ADI 3322 MC/DF, no qual consta a orientação fixada): O Tribunal, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal para suspender a eficácia da Lei distrital 3.426/2004, que dispõe sobre a obrigatoriedade de as empresas concessionárias, prestadoras de serviços de telefonia fixa, individualizarem, nas faturas, as informações que especifica, sob pena de multa, e dá outras providências — v. Informativo 368. Entendeu-se que a lei impugnada, a princípio, viola os artigos 21, XI e 22, IV, da CF, mediante ingerência na regulamentação da exploração de serviços de competência da União. Ressaltou-se que o DF tem competência para instituir, arrecadar e fiscalizar o ICMS incidente sobre os serviços de comunicação (CF, art. 155, II), dispondo, no seu exercício, de prerrogativa para criar deveres instrumentais ao sujeito passivo da obrigação, dentre os quais o de emitir e escriturar notas fiscais que comprovem a ocorrência do fato gerador. Esclareceu-se que essa prerrogativa, entretanto, não é absoluta, pois a CF atribui à União a competência privativa para “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais” (CF, art. 21, XI). Acrescentou-se que a União também possui, privativamente, competência para legislar sobre telecomunicações (CF, art. 22, IV) e que não há lei complementar autorizando os Estados a legislar, especificamente, sobre essa matéria.
Na linha da orientação fixada no julgamento acima relatado, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.103/98, do Estado do Pará, que dispõe sobre a utilização de veículos ciclomotores, motonetas e motocicletas, para o serviço de transporte individual de passageiros. Serviço de Transporte de Passageiros e Vício Formal - 1 (texto da ADI 3136/MG, no qual consta a orientação fixada): O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.618/97, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o licenciamento de motocicletas destinadas ao transporte remunerado de passageiros e dá outras providências. Tendo em conta a orientação fixada pelo Tribunal no julgamento da ADI 2606/SC (DJU de 7.2.2003), entendeu-se que a lei impugnada ofende o art. 22, XI, da CF, que confere à União a competência privativa para legislar sobre trânsito e transporte. Ressaltou-se, também, inexistir lei complementar que autorize o Estado-membro a legislar sobre a matéria (CF, art. 22, XI, parágrafo único) e que a lei impugnada define e torna oficial nova forma de transporte coletivo remunerado não prevista no Código de Trânsito Brasileiro - CTB.
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.618/97, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o licenciamento de motocicletas destinadas ao transporte remunerado de passageiros e dá outras providências. Tendo em conta a orientação fixada pelo Tribunal no julgamento da ADI 2606/SC (DJU de 7.2.2003), entendeu-se que a lei impugnada ofende o art. 22, XI, da CF, que confere à União a competência privativa para legislar sobre trânsito e transporte. Ressaltou-se, também, inexistir lei complementar que autorize o Estado-membro a legislar sobre a matéria (CF, art. 22, XI, parágrafo único) e que a lei impugnada define e torna oficial nova forma de transporte coletivo remunerado não prevista no Código de Trânsito Brasileiro - CTB.
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores para declarar inconstitucionais o trecho “só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e”, constante do § 1º do art. 34, e o inciso I do art. 170, ambos da XII Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que estabelecem, como requisito à criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, a aprovação do respectivo requerimento em Plenário (“Art. 34... § 1º - O requerimento propondo a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e deverá indicar, desde logo:...; Art. 170 - Será escrito, dependerá de deliberação do Plenário e sofrerá discussão o requerimento que solicite: I - constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito; ”). Inicialmente, rejeitou-se a preliminar de não-conhecimento da ação, suscitada pela Assembléia Legislativa do aludido Estado-membro, no sentido de que os dispositivos impugnados comporiam texto normativo pré-constitucional. Entendeu-se que, embora regras semelhantes aos preceitos contestados tenham sido originalmente veiculadas em Resoluções anteriores ao advento da CF/88, estas foram consolidadas em texto único por ato normativo posterior à vigente Constituição, possuindo, assim, autonomia suficiente para ser submetido ao controle concentrado de constitucionalidade. Em seguida, asseverou-se que os requisitos indispensáveis à criação de Comissões Parlamentares de Inquérito encontram-se dispostos no art. 58, § 3º, da CF, preceito de observância compulsória pelas casas legislativas estaduais (princípio da simetria). Desse modo, entendeu-se que a criação de CPI independe de deliberação plenária, sendo bastante a apresentação do requerimento de 1/3 dos membros da Assembléia Legislativa ao seu Presidente, somada aos demais requisitos constitucionais. Salientou-se, também, que a publicação desse requerimento tem efeito meramente declaratório, de modo a conferir publicidade a ato anterior, constitutivo da criação da Comissão. Nesse sentido, afirmou-se que, no ato da apresentação do requerimento ao Presidente da Assembléia Legislativa, desde que cumpridas as condições necessárias, surge a comissão, cabendo aos subscritores do requerimento, depois de numerado, lido e publicado, reunirem-se, com qualquer número, para materializar a sua instalação. No ponto, ressaltou-se que a sujeição do requerimento de criação à deliberação plenária equivaleria à frustração da garantia das minorias parlamentares. Por fim, no tocante à expressão “só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e”, constante do aludido § 1º do art. 34, considerou-se não haver motivo para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer outro órgão da Assembléia Legislativa. Vencido o Min. Marco Aurélio que, diferenciando o ato de requerer do ato de criar, julgava improcedente o pedido ao fundamento de que os dispositivos referem-se ao crivo a ser exercido para a criação da própria CPI. Precedente citado: MS 24831/DF (DJU de 4.8.2006).