Supremo Tribunal Federal • 4 julgados • 09 de dez. de 2004
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O Tribunal deferiu habeas corpus impetrado em favor do Presidente da República contra ameaça de coação atribuída ao Juiz da 174ª Zona Eleitoral do Estado de São Paulo que, nos autos de investigação judicial em que se imputa àquele a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 73, II, e 74 da Lei 9.504/97, determinara, de ofício, o depoimento pessoal do paciente e ordenara sua intimação para comparecimento em audiência de instrução e julgamento, sob pena de confissão. Sustentava o impetrante, e paciente, que referida intimação implicava constrangimento ilegal pelo cerceamento de sua liberdade de locomoção e risco de aplicação dos efeitos da revelia, bem como afrontava o art. 411, I, e o seu parágrafo único, do CPC, que conferem ao Presidente da República a prerrogativa de ser inquirido em sua residência em dia, hora e local que designar, mediante autoridade judiciária. Entendeu-se que o art. 344 do CPC (“a parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição testemunhal”) deve ser interpretado no sentido de que todas as regras jurídicas pertinentes à formação da prova testemunhal são aplicáveis aos depoimentos das partes, inclusive a que cuida da prerrogativa inserta no art. 411 do CPC, tendo em conta, sobretudo, os transtornos que poderiam resultar de sua inobservância ao exercício das funções dos dignitários nela referidos. Ressaltou-se que outro fundamento suficiente para a concessão da ordem seria a ausência de previsão de depoimento pessoal do investigado ou representado tanto na Lei Complementar 64/90, cujo art. 22 dispõe sobre a investigação judicial, quanto na Lei 9.504/97, que trata, em seu art. 96, da representação. Concluiu-se ser eloqüente o silêncio da lei eleitoral, já que o depoimento pessoal, da forma como utilizado no processo civil — no qual se visa à obtenção da confissão da parte — não teria relevo no processo eleitoral, em face da indisponibilidade dos interesses nele tratados, razão por que, também, não se poderia depreender que dentre as diligências determináveis de ofício previstas no VI do art. 22 da LC 64/90 estivesse a de obrigar o representado à prestação de depoimento pessoal.
O Tribunal recebeu denúncia instaurada contra Deputado Federal pela suposta prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, em razão de o denunciado ter deixado de inserir, em prestação de contas, valor que recebera de pessoa jurídica “como auxílio em sua campanha eleitoral” (Cód. Eleit.: “Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.”). Inicialmente, foram afastadas as preliminares suscitadas pela defesa: 1) quanto à prescrição punitiva pela pena em concreto, por não ter havido pronunciamento condenatório em que fixada a pena; 2) em relação à inépcia da denúncia, por estarem atendidos todos os requisitos do art. 41 do CPP; 3) no tocante à insignificância da conduta, por não estar inserido balizamento a partir de valor no art. 350 do Código Eleitoral, e por bastar, para configurar o crime nele descrito, a omissão de declaração que deveria constar de documento, motivo este que também afastaria a análise acerca da alegada suspeição dos denunciantes. No que se refere à suspensão do feito, entendeu-se que a hipótese se enquadra na previsão do art. 89 da Lei 9.099/95, que permite a suspensão dos processos nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, porquanto o art. 350 não indica a pena mínima, mas limita a pena em 5 anos, se o documento é público, e, em 3 anos, se particular, sendo possível que, na dosimetria, a pena seja fixada em um ano ou até menos. Considerou-se, ainda, ter o acusado atendido imediatamente uma das condições impostas para a suspensão, qual seja, depósito em dinheiro a favor do Programa Fome Zero.
A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal, cuja sentença condenara o paciente, pelo furto de uma bicicleta (CP, art. 155, caput), a pena privativa de liberdade e pagamento de multa, tendo sido aquela substituída por duas restritivas de direito. O impetrante alegava serem aplicáveis os princípios da insignificância e da proporcionalidade, ante a inexistência de lesão a bem jurídico protegido que justificasse a pena fixada, considerado o pequeno valor do bem furtado (R$60,00), que fora recuperado, não gerando prejuízo à vítima. Entendeu-se que a utilização do princípio da insignificância deve ser feita de maneira criteriosa, levando em conta o contexto sócio-econômico do país a fim de se evitar que a atuação do Estado extrapole os limites do razoável no atendimento do interesse público. Com base nisso, considerou-se que o valor do bem furtado em questão, embora baixo, não poderia ser considerado desprezível a ponto de excluir a tipicidade da conduta do agente. Esclareceu-se que o critério para a utilização do princípio da insignificância não deve ser exclusivamente nem a relação entre o objeto material do delito e o patrimônio da vítima no caso concreto nem um parâmetro genérico e abstrato como o salário mínimo, sob pena de se chegar a interpretações teratológicas. Confirmou-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a aplicação indiscriminada do princípio em tela levaria à esdrúxula situação da ausência de proteção penal relativa aos furtos para uma grande parte da população, uma vez que, tendo em conta o salário mínimo, tudo o que normalmente os mais pobres possuem poderia ser considerado insignificante. Salientou-se, ainda, que para o emprego desse princípio há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor — sendo deste último tipo o delito na espécie, caso em que aplicável, eventualmente, a figura do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP). Por fim, atentou-se, também, para a reincidência e os antecedentes do acusado que, no curso do cumprimento da pena referente ao delito ora analisado, fora condenado novamente pela prática de outro crime de furto, o que ensejara a revogação do benefício da substituição da pena privativa de liberdade, impedindo o reconhecimento da alegada desproporcionalidade da sanção aplicada. Leia o inteiro teor do voto do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia ver reformado acórdão do STJ que mantivera decreto de prisão preventiva expedido contra o paciente, denunciado pela suposta prática de estelionato e formação de quadrilha, ao fundamento de que o mesmo estaria tentando se furtar à aplicação da lei penal. No caso concreto, frustrada a tentativa de citação em São Paulo, onde o paciente possuía empresa por meio da qual cometera os delitos imputados, seu defensor fornecera um endereço em Recife, no qual o oficial de justiça constatara que havia apenas um terreno baldio. Posteriormente, ainda se afirmara que o acusado teria mudado para Jaboatão dos Guararapes, mas, efetuada nova diligência, somente fora encontrada a esposa do acusado, que afirmara que este estaria residindo em São Paulo. Entendeu-se que o acórdão combatido havia de ser mantido, haja vista que as repetidas alegações de “mudança de domicílio” tinham, de fato, o objetivo de camuflar a circunstância de que o réu se encontra foragido, com evidente intuito de se furtar à aplicação da lei penal. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a ordem.