Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 21 de out. de 2004
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O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, relator, em ação cautelar preparatória de ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra ex-deputado federal, afastou o arresto de bens do ex-parlamentar, determinado, em 24.10.1994, pelo Juízo da 18ª Vara Federal da 1ª Região, onde o feito tramitara, sobrestando a ação até o julgamento da ADI 2797/DF, em que se discute a constitucionalidade da Lei 10.628/2002, que introduziu os §§1º e 2º do art. 84 do CPP. Na espécie, o Juízo a quo, na apreciação do pedido de liminar da referida ação cautelar, concluíra, com base em elementos probatórios colhidos em Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, pela existência de indícios razoáveis de participação do ex-deputado na prática de atos de improbidade administrativa, consistentes no desvio de verbas públicas ocorrido no período em que o ex-parlamentar integrara a Comissão Mista do Orçamento, e determinara o “seqüestro” de seus bens para assegurar ressarcimento do erário decorrente de eventual condenação. Salientou-se, inicialmente, o longo decurso de tempo sem o desfecho tanto da cautelar quanto da ação de improbidade já ajuizada (Petição 3114/DF), sobrestada para aguardar o julgamento da referida ADI, e o caráter precário e efêmero da medida constritiva. Ressaltou-se, também, a questão concernente à saúde e à idade do requerido — que sofre de doença grave e é octogenário — dependente de tratamento especializado às suas expensas, considerada a situação de falência da saúde pública. Concluiu-se, dessa forma, que a causa de pedir do parquet, qual seja, o ressarcimento do patrimônio público com base em meras suposições da participação do requerido nos fatos mencionados, não justificava a manutenção da liminar deferida. Vencido o Min. Joaquim Barbosa que mantinha a liminar por considerar temerária a liberação dos bens, tendo em vista a possibilidade de se inviabilizar o ressarcimento do erário. (CPP: “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o.”).
O Tribunal, por maioria, rejeitou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em que se imputava a deputado federal e outro a suposta prática do crime de denunciação caluniosa (CP, art. 339: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:”). Na espécie, os acusados, proprietário e funcionário de empresa de televisão, alegando abuso de autoridade, teriam determinado registro de ocorrência policial contra agentes da Polícia Federal em razão de os mesmos terem adentrado as dependências da referida empresa, sem mandado judicial, quando fiscalizavam empresas prestadoras de serviços de segurança. O registro efetivado teria implicado a instauração de inquérito policial contra os agentes de polícia. Entendeu-se aplicável ao caso o inciso I do art. 43 do CPP (“Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;”), já que o fato descrito na inicial não se enquadrava na figura típica do art. 339 do CP, porquanto ausente elemento subjetivo do tipo, qual seja, o conhecimento, pelo denunciante, da inocência daquele a quem imputa fato criminoso. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, relator, Eros Grau e Joaquim Barbosa, que recebiam a denúncia por considerarem presentes elementos que demonstravam a ciência, pelos delatores, da legalidade do procedimento intentado pelos policiais.
A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado à pena de reclusão em regime fechado pela prática de furto simples, consistente na subtração de fita de videogame. Entendeu-se aplicável, à espécie, o princípio da insignificância, tendo em conta que o objeto furtado fora avaliado em R$25,00 (vinte e cinco reais), o que equivaleria, à época do delito, a 18% do valor do salário mínimo então vigente (janeiro/2000), correspondendo, atualmente, a 9,61% do novo salário mínimo em vigor. Asseverou-se, ainda, que o mencionado princípio — que tem o sentido de excluir ou de afastar a tipicidade penal em caráter material — deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal e que, para a sua configuração, é necessária a presença de certos vetores, tais como: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. HC deferido para invalidar a condenação penal imposta ao ora paciente, determinando, em conseqüência, a extinção definitiva do procedimento penal que contra ele foi instaurado e que o mesmo seja colocado em liberdade.
O recurso ordinário em habeas corpus não precisa estar subscrito por advogado. Com base nesse entendimento, já fixado pelo STF, a Turma deferiu habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal de Juizado Especial que denegara recurso ordinário em habeas corpus, sob alegação de não possuir o subscritor, o próprio paciente, capacidade postulatória. Ressaltou-se, inicialmente, a incongruência de se admitir HC sem a presença de profissional da advocacia e de se exigir que a interposição do recurso contra a decisão que denega o writ seja feita somente por advogado. Considerou-se, também, o que dispõe o item 6 do art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica, subscrito pelo Brasil, que prevê o direito de qualquer pessoa recorrer a juízo ou tribunal para decidir sobre legalidade de prisão. Ordem concedida para que a Turma Recursal processe o RHC.
Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial não ratificados em juízo. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para anular decisão que condenara o paciente pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP. No caso concreto, a condenação se fundara na chamada dos co-réus e no reconhecimento de um deles por vítimas e testemunhas na fase policial. A Turma, considerando que as vítimas ratificaram em juízo apenas o reconhecimento em relação a um dos co-réus, que não o paciente, e que a delação e confissão do paciente ocorridas no inquérito policial foram retratadas no processo penal, entendeu insuficientes os elementos para embasar a condenação. Ressaltou que o valor da confissão deve ser extraído de seu confronto “com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância” (CPP, art. 197), mas que, na decisão condenatória, esse critério fora invertido, ou seja, para restabelecer a validade da confissão extrajudicial, negara-se valor à retratação, ao fundamento de que esta seria incompatível e discordante das demais provas colhidas, especialmente as chamadas dos co-réus na fase policial e o reconhecimento de um deles.
A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que mantivera sentença de primeiro grau e reconhecera a servidora pública, quando de sua aposentadoria, o direito ao recebimento de férias proporcionais e de seu respectivo adicional de um terço (CF, art. 7º, XVII), mediante a aplicação, por analogia, do § 3º do art. 78 da Lei 8.112/90 (“O servidor exonerado do cargo efetivo, ou em comissão, perceberá indenização relativa ao período das férias a que tiver direito e ao incompleto,...”). Sustentava a recorrente que, por ter a recorrida se aposentado antes da vigência das leis que autorizaram a indenização de férias proporcionais, o acórdão, ao deferir-lhe esse direito, negara vigência ao art. 6º da LICC e conferira efeito retroativo ao art. 14 da Lei distrital 159/90, bem como ao art. 78 da Lei 8.112/90, ofendendo, por conseguinte, os artigos 5º, II e XXXVI, e 7º, XVII, da CF. Entendeu-se, com base em precedente do STF, que não havia que se falar em ofensa ao princípio da legalidade nem ao do direito adquirido se a decisão que condenara a Administração Pública ao pagamento de férias proporcionais ao servidor que se aposentara se fundara em aplicação analógica de lei superveniente em perfeita consonância com a CF (art. 40, §4º, 2ª parte — atual §8º). Concluiu-se, ainda, não ter havido violação ao art. 7º, XVII, da CF, já que “se há indenização é porque as férias, completas ou proporcionais, não foram gozadas, é certo que deve ser integral, ou seja, abrangendo também o adicional de 1/3”.
Não ofende a garantia constitucional da intimidade (CF, art. 5º, X) a gravação realizada por ocupante de imóvel residencial que instala, em sua própria vaga de garagem, equipamento de filmagem com o objetivo de identificar autor de danos criminosos provocados em seu automóvel. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra o paciente, oficial do exército, pela suposta prática do crime de dano (CPM, art. 259), sob alegação de que a prova indiciária seria clandestina, já que obtida por meio ilícito, e de inépcia da denúncia, por não restar comprovada a materialidade do delito. Considerou-se válida a prova questionada, uma vez que a gravação realizada, pelo próprio morador na sua vaga de garagem, não fora realizada com o intuito de promover indevida intrusão na esfera privada da vida pessoal de terceiro. Ressaltou-se, ainda, que o paciente não estava sendo vigiado em sua própria residência ou tendo a sua imagem e intimidade devassadas, e que ele próprio é que ingressara em vaga alheia com a intenção dolosa de praticar o crime de dano no veículo que lá estava estacionado. No tocante à inépcia, entendeu-se que a peça acusatória continha elementos mínimos de informação fundados em base empírica idônea, expondo, em sua descrição, fato delituoso que, em tese, se ajusta ao tipo penal mencionado. (CPM: “Art. 259. Destruir, inutilizar, deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia:”).