Supremo Tribunal Federal • 10 julgados • 01 de mar. de 2012
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Por reputar ausente omissão, contradição ou obscuridade, o Plenário rejeitou embargos de declaração opostos de decisão que rejeitara os primeiros embargos — opostos de recebimento de denúncia —, porque protelatórios, mas concedeu, de ofício, habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do embargante, com fundamento na prescrição da pretensão punitiva. A defesa sustentava a ocorrência da aludida causa de extinção da punibilidade, haja vista que o denunciado completara setenta anos de idade após o recebimento da inicial acusatória, o que reduziria o prazo prescricional à metade, nos termos do art. 115 do CP. Considerou-se transcorridos mais de dez anos entre a data do fato e o recebimento da exordial, de maneira que sequer a aplicação da pena máxima de cinco anos, cominada ao crime de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A), imputado ao parlamentar denunciado, impediria a extinção da punibilidade pela prescrição. Frisou-se que, na concreta situação dos autos, o acusado teria direito à redução do prazo prescricional pela metade, de forma que, tendo em conta a referida pena máxima, a prescrição de doze anos (CP, art. 109, III) operar-se-ia em seis. Assim, constatou-se, nos termos da antiga redação do art.110, § 2º, do CP, a ocorrência da prescrição retroativa. Aduziu-se que a jurisprudência da Corte rejeitaria a possibilidade de reconhecimento da prescrição retroativa antecipada (“prescrição em perspectiva”). Consignou-se que o repúdio do STF à prescrição em perspectiva teria base na possibilidade de aditamento à denúncia e de descoberta de novos fatos aptos a alterar a capitulação jurídica da conduta. Por outro lado, anotou-se que, no caso, o órgão acusatório não sinalizara, em nenhum momento, essa hipótese. Ao contrário, opinara pelo reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Precedente citado:AP 379 QO/PB (DJU de 25.8.2006).
CP, art. 312; RISTF, art. 21, XV, "c". Por não vislumbrar manifesta falta de justa causa, o Plenário, em votação majoritária, proveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Dias Toffoli, que determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator, instaurado contra deputado federal pela suposta prática de crime de peculato (CP, art. 312). No caso, o inquérito visava apurar a contratação de assessor técnico adjunto — cargo de natureza especial —, que efetivamente trabalharia como piloto particular do parlamentar fora das dependências da Casa Legislativa. Para tanto, o Ministério Público Federal requeria a realização de diligências concernentes na oitiva de testemunhas e na expedição de ofício à Presidência da Câmara dos Deputados a fim de que informasse se, no período em que contratado o assessor, seria possível incluir, dentre as suas atribuições, atividades externas ao gabinete como a de piloto de avião. Em resposta, o órgão legislativo noticiara que no gabinete parlamentar existiria cargo em comissão de secretário parlamentar, cuja atribuição incluiria a de condução de veículos do deputado, bem assim que no gabinete de líder de partido haveria cargo em comissão de natureza especial que, no intervalo perquirido, poderia ser exercido fora daquele recinto. Diante disso, o parquet pugnara pelo prosseguimento das investigações, com a inquirição das testemunhas indicadas. Ocorre que o relator arquivara, de ofício, o presente feito por reputar atípica a conduta [RISTF: “Art. 21. São atribuições do relator: ... XV – determinar a instauração de inquérito a pedido do Procurador-Geral da República, da autoridade policial ou do ofendido, bem como o seu arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República, ou quando verificar: ... c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime”]. Assentou-se a necessidade de prosseguimento do inquérito. Destacou-se juízo de possibilidade suficiente para o transcurso desse, tendo em conta não ser possível afirmar a evidente atipicidade dos fatos descritos. Reiterou-se orientação jurisprudencial da Corte no sentido da excepcionalidade do trancamento de inquérito, situação inocorrente na espécie. Além disso, concluiu-se que se deveria anuir com o trâmite do processo, sob pena de se afirmar que se um assessor parlamentar fosse formalmente designado e prestasse serviço noutro local distinto do Congresso Nacional isso não configuraria peculato-desvio, já que os fatos não poderiam ser esclarecidos. Outrossim, ter-se-ia suspeita baseada em elemento justificador da continuidade das diligências, qual seja, a manifestação do parquet, de que poderia ter ocorrido, ou não, o referido crime. À primeira vista, observou-se que as funções ou atribuições do cargo em comento seriam de natureza técnico-burocrática. No tocante à norma regimental que permitiria o arquivamento do processo pelo relator, o Min. Luiz Fux advertiu sobre a possibilidade de o magistrado, em qualquer grau de jurisdição promover esse ato sem a aferição do órgão ministerial. O Min. Joaquim Barbosa entendeu que essa disposição violaria a Lei 8.038/90. Nesse diapasão, manifestou-se o Min. Cezar Peluso, Presidente, ao fundamento de que essa norma não abriria ao relator a possiblidade de arquivar inquérito de ofício. Ademais, esta determinação somente poderia ser acolhida quando o fato narrado, “evidentemente”, não constituísse crime e que esse advérbio significaria que a narração do fato, em si, seria irrelevante do ponto de vista penal ou, então, que, exauridas todas as diligências, nada se teria recolhido em termos de indício para suportar um juízo de tipicidade sobre o fato. Os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio aduziam que o arquivamento dependeria da provocação do titular da futura ação penal. Este acrescentou que o artigo do regimento conteria vocábulos que encerrariam exceção. Vencidos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que desproviam o recurso e salientavam que a discricionariedade do relator para arquivar casos que reputasse manifestamente atípicos estaria sujeita ao controle do colegiado pela via do agravo regimental.
A previsão de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo e obrigatório entre a defensoria pública do Estado de São Paulo e a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB-SP ofende a autonomia funcional, administrativa e financeira daquela. Essa a conclusão do Plenário ao, por maioria, conhecer, em parte, de ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF e julgar o pleito parcialmente procedente, a fim de declarar a ilegitimidade ou não recepção do art. 234, e seus parágrafos, da Lei Complementar paulista 988/2006, assim como assentar a constitucionalidade do art. 109 da Constituição desse mesmo ente federativo, desde que interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de apenas autorizar, sem obrigatoriedade nem exclusividade, a defensoria a celebrar convênio com a OAB-SP. Tratava-se, na espécie, de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 109 da referida Constituição estadual e o art. 234 e parágrafos da LC paulista 988/2006, que tratam da instituição de convênio entre a defensoria pública paulista e a OAB-SP, para a prestação de assistência judiciária a necessitados, a cargo da primeira. De início, rechaçou-se preliminar, suscitada pela OAB-SP e pelo Governador do Estado-membro, de inadequação dos fundamentos do pedido. Asseverou-se que o objeto da ação — saber se a previsão de autêntico “convênio compulsório” transgrediria o art. 134, § 2º, da CF, que estabeleceria a autonomia funcional, administrativa e financeira das defensorias públicas estaduais — estaria claro e bem embasado, a afastar a alegada inépcia da inicial e a eventual ofensa indireta. Em passo seguinte, examinou-se a questão da admissibilidade, em sede de controle concentrado, de cognição de norma cuja pretensa afronta a texto da Constituição dar-se-ia em face de emenda constitucional ulterior. No tópico, assinalou-se que se estaria diante de confronto entre a parte final do art. 109 da Constituição estadual, datada de 1989, e o disposto no art. 134, § 2º, da CF, erigido a princípio constitucional com a EC 45/2004. Consignou-se que, para situações como esta, a via adequada seria a ADPF. Assim, em nome da instrumentalidade, da economia e da celeridade processuais, além da certeza jurídica, conheceu-se da presente demanda como ADPF. Salientou-se não haver óbice para a admissão da fungibilidade entre ambas as ações e destacou-se que a ação direta atenderia aos requisitos exigidos para a propositura daquela. Vencido, na conversão, o Min. Marco Aurélio ao fundamento de sua desnecessidade, uma vez que a solução diria respeito ao condomínio que o aludido art. 109 instituiria na prestação de serviços aos necessitados, tendo em conta o que previsto inicialmente na Constituição, em sua redação primitiva. Na sequência, aduziu-se que, embora se cuidasse de medida cautelar (Lei 9.868/99, art. 10), o STF poderia julgar a causa, desde logo, em termos definitivos, porquanto o feito estaria devidamente aparelhado, haja vista que todos os intervenientes ter-se-iam manifestado exaustivamente, a exemplo da AGU e do Ministério Público. No mérito, registrou-se que a previsão constante do art. 234 da lei complementar adversada imporia, de maneira inequívoca, a obrigatoriedade de a defensoria pública firmar convênio, em termos de exclusividade, com a OAB-SP, a descaracterizar tanto o conceito dogmático de convênio, quanto a noção de autonomia funcional e administrativa. Observou-se que o art. 14, § 2º, da LC 98/99 autorizaria esse acordo com entidade que desempenhasse as funções de defensoria, quando esta ainda não existisse na unidade da federação. Ademais, enfatizou-se que o Estado de São Paulo não poderia, sob o pálio de convênios firmados para responder a situações temporárias, furtar-se ao dever jurídico-constitucional de institucionalização plena e de respeito absoluto à autonomia da defensoria pública. Relativamente ao art. 109 da Constituição paulista, atribuiu-se-lhe interpretação conforme para afirmar que seu texto enunciaria apenas mera autorização ou possibilidade de celebração de convênios com a OAB-SP, sem cunho de necessidade, nem exclusividade, de modo a ficar garantida à defensoria pública, em consonância com sua autonomia administrativa e funcional, a livre definição dos seus eventuais critérios administrativos-funcionais de atuação. Frisou-se, por fim, que a regra primordial para a prestação de serviços jurídicos pela Administração Pública, enquanto atividade estatal permanente, seria o concurso público, a constituir situação excepcional e temporária a prestação de assistência jurídica à população carente por não defensores públicos. A Min. Rosa Weber ressaltou que os motivos para a existência da autonomia das defensorias públicas estaduais decorreria da importância do papel social por elas desempenhado, o qual só seria efetivamente cumprido quando sua atuação concreta fosse suficientemente eficaz para que fizesse parte fundamental de um objetivo maior, a saber, o da busca de uma sociedade livre, justa e solidária. Na mesma linha, entendeu que o mandamento constitucional seria mais bem desempenhado ao se permitir à defensoria escolher entre a locação material e pessoal próprios ou a realização de convênios a partir de necessidades específicas. O Min. Luiz Fux manifestou preocupação quanto ao fato de que setenta por cento do orçamento da defensoria pública de São Paulo seria gasto com o convênio. O Min. Dias Toffoli, por sua vez, acrescentou que a instituição não seria arredia ao estabelecimento de convênios e muito menos pretenderia monopólio em sua atuação. Requeria, ao revés, o legítimo exercício das competências a ela atribuídas pela Constituição. Nesse diapasão, vislumbrou a possibilidade de atuação de advocacia pro bono e de assessoria jurídica pelos municípios. A Min. Cármen Lúcia também explicitou que a solução proposta pelo relator enfatizaria a conquista da autonomia das defensorias públicas estaduais. O Min. Ricardo Lewandowski realçou que os preceitos impugnados imporiam despesa de natureza aleatória ao Estado, sob a justificativa de um conceito indeterminado de necessidade de prestação de serviço público. O Min. Ayres Britto esclareceu que a interpretação conforme significaria a viabilidade de recurso a outros organismos com capacidade postulatória, não exclusivamente à OAB, em caráter tão supletivo quanto transitório e excepcional, e sempre a critério das próprias defensorias públicas no uso de sua autonomia funcional e administrativa. O Min. Gilmar Mendes repelia, de idêntica maneira, a ideia de monopólio, entretanto, enaltecia que a defensoria pública teria papel central, como órgão de coordenação desse tipo de atividade. Vencido o Min. Marco Aurélio, que acolhia a procedência do pedido como ação direta de inconstitucionalidade. Observava que, da mesma forma que o Estado-membro não poderia impor convênio, a defensoria não poderia despir-se da incumbência constitucional de prestar diretamente a assistência e fazê-lo mediante arregimentação de advogados.
Com base nos fundamentos expendidos na apreciação da ADI 4140/GO (DJe de 20.9.2011), o Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg-BR, para suspender, com efeitos ex nunc, a eficácia da vigência dos artigos 1º, 2º, 6º, cabeça, 7º e 9º a 14 da Resolução 7/2011, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. O ato normativo trata da fixação de critérios objetivos para desmembramento, desdobramento, extinção, acumulação, desacumulação, anexação, desanexação e modificação de áreas territoriais dos serviços notariais e de registro da referida unidade federativa. Ressaltou-se a importância da matéria e a relevância das respectivas serventias para a preservação da segurança de grande número de relações jurídicas naquele Estado-membro. Registrou-se a necessidade de evitar possível discussão futura, na Corte local, sobre a nulidade de inúmeros negócios jurídicos, em decorrência da falta de elemento essencial a sua formalidade: a prática por serventia regularmente instituída por lei. Apontou-se que a resolução conferiria a órgão pleno de tribunal competência para extinguir, desmembrar, acumular e anexar limites territoriais e definir atribuições das serventias. Ato contínuo, relembrou-se entendimento do STF segundo o qual seria preciso lei em sentido formal e material de iniciativa do Poder Judiciário para tanto. Explicitou-se que, conforme precedente do Supremo, o conjunto de competências públicas compreendido pelas serventias notariais e de registro revelaria verdadeira investidura de poder estatal, porquanto criaria instituições capazes de influenciar esferas jurídicas alheias e impor deveres e obrigações a particulares. Em seguida, salientou-se que — na busca do interesse público de preservação de autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos — as unidades de competência dos mencionados serviços teriam o poder de submeter terceiros a atos de imperatividade, colocando-os em situação de subordinação. Asseverou-se que seria dessa característica, típica dos órgãos da Administração Pública, que decorreria a imprescindibilidade de lei para extinguir, criar ou acumular serventias extrajudiciais. Assim, descaberia ao Poder Judiciário — ao atuar em seara tipicamente administrativa de fiscalização e gerenciamento da atividade — dilatar ou restringir unidades de competências públicas notariais ou registrais, ainda que delegadas a particulares. Aduziu-se à análise da ADI 2415/SP (DJe de 9.2.2012) como razão complementar para se conceder a medida acauteladora. Naquela ocasião, o Supremo, ante o transcurso do tempo entre a edição da norma e o exame definitivo dela, declarara improcedente a ação direta, ao adotar a tese da inconstitucionalidade gradativa. Na sequência, assinalou-se a necessidade de evitar-se que a dilação temporal pudesse implicar insegurança jurídica, apta a levar este Colegiado ao mesmo caminho. Dessumiu-se que impenderia preservar a força normativa e a rigidez do texto constitucional. Por fim, entreviu-se a existência do vício formal. A Min. Rosa Weber destacou possível o controle de constitucionalidade de decisões administrativas de tribunais, desde que presentes os caráteres normativo e autônomo. Acentuou que os serviços auxiliares seriam os relacionados com as finalidades institucionais daqueles órgãos. Desse modo, não aplicáveis os artigos 96, I, b, e 99, caput, da CF, às serventias, inseridas na organização judiciária (CF, artigos 96, II, d, e 125, § 1º).
A 2ª Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus no qual pretendida a anulação de ação penal em trâmite na justiça castrense por, supostamente, estar o recorrente sendo processado pelos mesmos fatos também na justiça comum, a implicar litispendência. No caso, o paciente fora denunciado como incurso no art. 326 do CPM (“Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo ou função e que deva permanecer em segrêdo, ou facilitar-lhe a revelação, em prejuízo da administração militar”) perante auditoria militar estadual e no art. 37 da Lei 11.343/2006 (“Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei”) perante vara criminal da justiça comum. Consignou-se que, embora o fato fosse único, as imputações seriam distintas e estariam bem delineadas, a permitir a submissão do paciente tanto à justiça estadual quanto à justiça militar. Além disso, asseverou-se que as referidas infrações penais tipificadas na legislação extravagante e no CPM revestir-se-iam de autonomia e tutelariam bens jurídicos diversos, quais sejam, a saúde pública e a ordem administrativa militar, respectivamente. Assim, concluiu-se pelo afastamento da assertiva de litispendência.
A 1ª Turma, por maioria, desproveu recursos ordinários em mandados de segurança nos quais alegado direito líquido e certo de que não fosse iniciado procedimento de revisão de ato que concedera anistia política, com as consequentes reparações econômicas. Na espécie, o STJ denegara o writ preventivo lá impetrado sob fundamento de que o ato coator — portaria interministerial que deflagrara a criação de grupo de trabalho para realização de estudos preliminares acerca de anistiados — não teria atingido qualquer direito individual. Sustentava-se decadência do reexame da concessão de anistia, porquanto este se submeteria à fluência do prazo decadencial de cinco anos. De início, entendeu-se que a portaria impugnada não teria anulado a anistia concedida, tampouco suspendido o seu pagamento, visto que apenas permitiria a instauração de procedimento preliminar de revisão para apurar eventuais ilegalidades. Nesse contexto, salientou-se o poder-dever da Administração Pública de rever seus atos, nos termos do Enunciado 473 da Súmula do STF (“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”). Em seguida, anotou-se que o art. 54 da Lei 9.784/99 não estabeleceria o prazo decadencial de cinco anos para que a Administração revisse seus atos, mas sim para a anulação de atos administrativos dos quais decorressem efeitos favoráveis para os destinatários, salvo comprovada má-fé. Ademais, sublinhou-se que, condicionada à prática de outros atos administrativos, a portaria em questão não se prestaria a produzir lesão ou justo receio que obstasse sua consecução. Esclareceu-se que, no caso, não caberia analisar se teria havido a decadência, uma vez que esta poderia ser afastada diante da má-fé do administrado, elemento a ser apurado em procedimento anulatório, respeitados o contraditório e a ampla defesa. O Min. Luiz Fux acrescentou que se o mandado de segurança fosse provido como preventivo, engessaria a Administração Pública da sua autotutela. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, ao assentar a adequação da via eleita, provia o recurso para que o STJ prosseguisse na apreciação dos mandados de segurança como preventivos, ante eventual lesão já perpetrada ou ameaça a esta.
A 2ª Turma, ao reconhecer, na espécie, o caráter preponderante da confissão espontânea, concedeu habeas corpus para determinar ao juízo processante que redimensionasse a pena imposta ao paciente. No caso, discutia-se se esse ato caracterizaria circunstância atenuante relacionada à personalidade do agente e, portanto, preponderante nos termos do art. 67 do CP (“No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”). Inicialmente, acentuou-se que a Constituição (art. 5º, LXIII) asseguraria aos presos o direito ao silêncio e que o Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, 2, g) institucionalizaria o princípio da não autoincriminação — nemo denetur se detegere. Nesse contexto, o chamado réu confesso assumiria postura incomum, ao afastar-se do instinto do autoacobertamento para colaborar com a elucidação dos fatos, do que resultaria a prevalência de sua confissão. Em seguida, enfatizou-se que, na concreta situação dos autos, a confissão do paciente contribuíra efetivamente para sua condenação e afastara as chances de reconhecimento da tese da defesa técnica no sentido da não consumação do crime. Asseverou-se que o instituto da confissão espontânea seria sanção do tipo premial e que se assumiria com o paciente postura de lealdade. Destacou-se o caráter individual, personalístico dos direitos subjetivos constitucionais em matéria criminal e, como o indivíduo seria uma realidade única, afirmou-se que todo o instituto de direito penal que se lhe aplicasse, deveria exibir o timbre da personalização, notadamente na dosimetria da pena.
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que requerido o trancamento de ação penal ou a anulação do feito desde a remessa dos autos ao juízo comum. No caso, o paciente fora denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 346 do CP (“Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de tercerio por determinação judicial ou convenção”), porquanto teria, com corréus, sem prévia ordem judicial de busca e apreensão, tirado coisa própria que se achava em poder da vítima por contrato de prestação de serviços firmado entre empresas. De início, atestou-se que a figura prevista no art. 346 do CP seria espécie peculiar de exercício arbitrário das próprias razões (CP: “Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”), caracterizada pelo fato de o objeto material estar em poder de terceiro por determinação judicial ou prévia convenção. Asseverou-se que, em ambos os dispositivos, o bem jurídico tutelado seria a administração da justiça, e não o patrimônio, o que rechaçaria a tese de inconstitucionalidade de prisão civil por dívida. Em seguida, refutou-se a assertiva de inexistência de convenção válida entre o paciente e a vítima, a tornar atípica a conduta imputada, visto que o contrato de prestação de serviços realizado entre as empresas contara com a representação destes. Assim, o ato praticado subsumir-se-ia, ao menos hipoteticamente, ao tipo previsto no art. 346 do CP. Outrossim, aduziu-se que, embora a retomada do bem tivesse sido autorizada por juízo cível, a medida judicial teria ocorrido em data posterior à consumação do delito.Por fim, salientou-se que a remessa dos autos, do juizado especial criminal para o juízo comum, não constituiria ilegalidade ou ofensa aos postulados do juiz natural e do devido processo legal, ante a dificuldade em se localizar o autor do fato para ser citado (Lei 9.099/95, art. 66).
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual se reiterava a alegação de nulidade de acórdão, em virtude de: a) ausência de intimação de advogado do paciente, ora impetrante, da pauta de julgamento de apelação e de seu resultado e b) não participação de revisor original na sessão de julgamento de recurso criminal — v. Informativo 625. Inicialmente, observou-se que o tema relativo à falta de intimação do causídico não fora examinado pelo STJ, por se tratar de pedido idêntico ao de outro writ lá impetrado. Realçou-se que o impetrante não seria o único defensor do paciente na ação penal instaurada; que os defensores teriam sido intimados da sessão de julgamento do recurso criminal; e que o endereço profissional indicado pelo impetrante e pelo advogado substabelecido no juízo processante seria o mesmo. Consignou-se a ausência de manifestação pela defesa, tanto na ação penal quanto na apelação, no sentido de que as publicações fossem realizadas em nome exclusivo do advogado subscritor deste habeas. No ponto, assinalou-se que o advogado sequer peticionara para comunicar que o defensor substabelecido na ação penal não mais comporia a equipe de defesa. Asseverou-se não haver qualquer nulidade processual relacionada à intimação da pauta de julgamento de apelação efetuada em nome do mencionado substabelecido “e outro”. Ressaltou-se entendimento do Supremo segundo o qual, havendo mais de um advogado regularmente constituído, sem nenhuma ressalva ao recebimento de intimação, bastaria, para sua validade, que a publicação fosse feita em nome de um deles. No tocante à não participação de revisor original, não se vislumbrou qualquer ilegalidade referente ao ato que, nos termos do regimento interno, determinara a substituição do revisor, que se encontrava em férias, pela juíza federal convocada. Salientou-se que a magistrada não só demonstrara haver efetivamente revisado o caso concreto, como, inclusive, proferira voto que se tornara o condutor do acórdão, reduzindo o quantum da pena do condenado. Entendeu-se que o fato de a juíza integrar a turma julgadora como revisora não seria capaz de acarretar, por si só, a nulidade do processo, sem a demonstração de efetivo prejuízo para a defesa, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief, adotado pelo art. 563 do CPP. Relembrou-se jurisprudência desta Corte no sentido de que a prova do prejuízo, a teor desse dispositivo, seria essencial à alegação de nulidade, fosse ela relativa ou absoluta, além de precedente desta Turma no qual se declarara que, não comprovada a configuração de prejuízo, não haveria que se falar em cerceamento de defesa (Enunciado 523 da Súmula do STF), quando juiz federal integrasse o órgão colegiado como revisor. Concluiu-se não estar demonstrado o efetivo prejuízo suportado pelo paciente em virtude da substituição de revisor pela juíza federal convocada. Vencido o Min. Celso de Mello, que concedia a ordem por considerar que uma situação específica como a dos autos frustraria a plenitude do direito de defesa e, com isso, comprometeria a proteção judicial efetiva.
Em conclusão, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus no qual denunciado pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido pleiteava o trancamento de ação penal — v. Informativos 601 e 612. Entendeu-se que, após a entrada em vigor da Lei 10.826/2003, a hipótese seria de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importaria o resultado concreto da ação. Aduziu-se que a referida lei, além de tipificar o simples porte de munição, não exigiria para a configuração do crime sob análise que a arma estivesse municiada, de acordo com que se extrairia da redação do art. 14 daquele diploma legal. Avaliou-se, ainda, que o trancamento de ação penal seria medida reservada a situações excepcionais, como a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, inocorrentes na espécie. Para evitar supressão de instância, não se conheceu da alegação, não apreciada pelo STJ nem pelo tribunal estadual, de que o paciente fora autorizado, por presidente da Corte estadual, a portar arma, a qual só não estaria registrada em seu nome porque, à época dos fatos, ainda vigoraria o prazo legal para o devido registro. Não obstante, explicitou-se que esse prazo, espécie de vacatio legis indireta, teria sido destinado aos proprietários e possuidores de arma de fogo (Lei 10.826/2003, art. 12), e não àqueles acusados de porte ilegal (art. 14) . Vencido o Min. Celso de Mello, que concedia a ordem por entender destituída de tipicidade penal a conduta imputada ao paciente.