Supremo Tribunal Federal • 4 julgados • 17 de mar. de 2009
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Tendo em conta que o tema de fundo diria respeito à interpretação do Código de Defesa do Consumidor - CDC, a Turma, em conclusão de julgamento, não conheceu, por maioria, de recurso extraordinário interposto por companhia aérea contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro, o qual mantivera sentença que condenara a recorrente ao pagamento de indenização por dano moral, decorrente de defeito na prestação do serviço — v. Informativos 357, 366 e 371. Entendeu-se que a questão envolveria conflito de aplicação entre normas infraconstitucionais que revelaria apenas ofensa indireta à CF. Vencido o Min. Eros Grau que provia o recurso para afastar a aplicação do CDC, fazendo prevalecer, na espécie, por serem especiais, a Convenção de Varsóvia, os Protocolos de Haia e de Montreal e a Lei 7.565/86.
Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para cassar acórdãos proferidos pelo STJ e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - TJ/RS, a fim de que este decida quanto à possibilidade, ou não, de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, perante as circunstâncias concretas do caso. Na espécie, condenada por infração ao art. 12, caput, da Lei 6.368/76 pleiteava a mencionada substituição, não obstante a vedação expressa trazida pela Lei 11.343/2006, que revogara aquela. Ocorre que o juízo de 1º grau, na forma do art. 44, III, do CP, negara tal substituição, amparado na elevada culpabilidade dos crimes de tráfico de entorpecentes e suas gravíssimas conseqüências, sendo mantida a decisão pelo TJ/RS que, por sua vez, em grau de apelação, ativera-se apenas ao óbice da vedação legal, salientando a orientação firmada pelo Supremo no HC 79567/RJ (DJU de 3.3.2000), no sentido de que o disposto no art. 44 do CP é regra geral, não podendo ser aplicado à Lei 6.368/76, visto tratar-se de lei especial. O STJ, todavia, na esteira do entendimento do juízo monocrático, ponderara sobre as circunstâncias concretas observadas pela sentença, afastando-se da fundamentação externada pela Corte local. Afirmou-se, inicialmente, que a solução do tema desdobrar-se-ia em dois aspectos: o teórico e o concreto. No tocante à impossibilidade teórica da substituição requerida, registrou-se a jurisprudência do STF no sentido de não haver empecilho à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em crime de tráfico de entorpecentes cometidos antes da vigência da Lei 11.343/2006, desde que presentes os requisitos do art. 44 do CP. Em seguida, ressaltou-se que a motivação para o indeferimento da não substituição da pena mereceria detida atenção e que os fundamentos adotados pela sentença condenatória não poderiam ser considerados, já que ela fora de todo substituída pelo acórdão proferido em grau de apelação (CPC, art. 512). Este também não poderia subsistir perante a citada jurisprudência do STF, e tampouco o acórdão do STJ, tendo em conta a inovação in pejus por ele operada, que o maculara, por isso, de nulidade absoluta. Explicou-se, no ponto, que o acórdão do TJ/RS — substituindo a sentença nesse tópico e negando provimento à apelação da defesa — baseara-se apenas na impossibilidade legal teórica da substituição pleiteada, sem alusão alguma aos fundamentos factuais de que, posteriormente, se valera o STJ. Destarte, asseverou-se que o STJ não poderia ter considerado os fundamentos adotados pela sentença condenatória, pela razão óbvia de que esta fora de todo substituída pelo acórdão proferido em grau de apelação. Salientou-se, também, ser mais que consolidada a jurisprudência do STF segundo a qual, quando insuficiência, falta ou erronia da fundamentação constitua causa de nulidade da decisão que decreta prisão preventiva, não as podem suprir informações prestadas em habeas corpus, nem acórdão que o denegue, indefira liminar, ou desproveja recurso da defesa. A razão manifesta seria porque, se o pudessem, estaria caracterizado agravamento da situação jurídico-substancial do réu que recorrera ou impetrara habeas corpus, sendo essa a orientação que conviria ao caso, onde a decisão do STJ, para manter o acórdão da apelação, adicionara-lhe fundamento fático desfavorável ao paciente, piorando, nesse sentido, sua situação na causa. Diante disso, concluiu-se que, como não se manifestara o TJ/RS sobre as circunstâncias do caso, restringindo a fundamentação na vedação teórica, que não existe, terá de se pronunciar, perante a nulidade radical do acórdão do STJ, sobre a coexistência, ou não, dos requisitos previstos no art. 44 do CP, sob pena de supressão de instância. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa, que denegavam a ordem sob o fundamento da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, mesmo no período anterior ao advento da Lei 11.343/2006.
A Turma deferiu, em parte, habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de Ministro do STJ que mantivera a pronúncia do paciente pela suposta prática de aborto provocado sem o consentimento da gestante. Na espécie, o paciente atendera, durante 2 vezes na mesma noite, grávida de 9 meses que se dirigira à instituição hospitalar em que ele se encontrava de plantão, queixando-se de dores do parto. Após examiná-la, o paciente constatara falso trabalho de parto e recomendara o regresso da gestante a sua casa. Ao amanhecer, esta retornara ao hospital, sendo novamente recebida pelo paciente, que a encaminhara para a realização de parto cesariano. Tendo em conta que o paciente havia encerrado seu turno, a cirurgia fora feita por outro médico que assumira o plantão, o qual retirara o feto, que já estava sem vida, em decorrência de sofrimento fetal. O Ministério Público estadual oferecera, então, denúncia contra o paciente, sustentando que a sua conduta omissiva teria sido determinante para a morte fetal, haja vista a demora na realização do parto. Concluída a instrução, o paciente fora impronunciado, ante a ausência de indícios suficientes de prática de conduta dolosa. Essa decisão, contudo, fora reformada pela Corte estadual que, ao prover recurso da acusação, concluíra que a dúvida acerca da culpabilidade do agente militaria contra ele (princípio in dubio pro societate), sendo a pronúncia mantida pelo STJ, o que ensejara o presente habeas corpus. Inicialmente, salientou-se que o legislador, atento ao fato de o tribunal do júri ser um foro de natureza política, sem compromisso com a técnica jurídica, estabeleceu, no Código de Processo Penal, rito bifásico para que a essa instância só sejam remetidos aqueles casos em que haja fortes indícios da prática de crime doloso contra a vida. Dessa forma, o princípio in dubio pro societate deve ser interpretado com reservas e, para que exista pronúncia, é necessária a existência de indícios de que a conduta do acusado foi dolosa, para que se fixe a competência do aludido tribunal. Na situação dos autos, aduziu-se que o acervo probatório seria insuficiente para se chegar a conclusões convincentes sobre a autoria, haja vista que não realizados exames essenciais à elucidação da causa mortis do feto. Ademais, os depoimentos indicariam que a gestante tivera gravidez normal; que o feto fora auscultado, pelo paciente, por 2 oportunidades naquela noite, ostentando boa saúde; que não haveria indicativos de trabalho de parto até o princípio da manhã seguinte; que pareceres técnicos teriam informado ser raro ocorrer sofrimento fetal quando a gravidez transcorre normalmente, além de outros temas que só poderiam ser apreciados pelo juízo competente. Do exposto, entendeu-se que não houvera dolo na conduta do paciente, porquanto ele não se mostrara indiferente, atendendo a gestante e acreditando que aquelas ocasiões em que procurado não seriam as mais adequadas à realização do parto. Assim, se agira com negligência ou até mesmo com imperícia, não se poderia concluir que quisesse produzir o resultado morte ou que a ele se mostrasse indiferente, o que afastaria cogitar-se de dolo eventual. No ponto, asseverou-se que, ainda que se reconhecesse a existência de indícios de autoria, estes revelariam, no máximo, a prática de delito culposo, o que implicaria o afastamento da competência do tribunal do júri, já que o crime de aborto não admite tal modalidade. Ordem concedida para afastar o cometimento do crime de aborto e determinar o encaminhamento dos autos ao juiz de primeiro grau a fim de decidir como entender adequado.
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia, sob a alegação de ofensa à coisa julgada, o trancamento de ação penal instaurada contra dois pacientes, autor material e partícipe, denunciados pela prática de homicídio qualificado. Em decorrência de desmembramento do processo, o denunciado por participação fora julgado antes do acusado como autor material do delito, tendo sido absolvido pelo Conselho de Sentença, que acatara a tese de negativa de participação. O denunciado como autor material, após o trânsito em julgado dessa decisão, retratara-se, no júri, da versão até então sustentada, passando a negar a autoria do crime, imputando esta ao outro co-réu, o que, reconhecido pelo Conselho de Sentença, implicara sua absolvição, decisão também transitada em julgado. Posteriormente, o Ministério Público, denunciando-os pelo mesmo fato, invertera as acusações de autoria e participação — v. Informativos 369 e 383. Repeliu-se a alegação de ocorrência da coisa julgada a impedir outra instauração penal com a inversão de acusações, porquanto a nova imputação, distinta da primeira, não teria sido apreciada pelo Conselho de Sentença, que se limitara a absolver os acusados somente da conduta que lhes fora inicialmente atribuída. Salientou-se que a defesa em Plenário deve se ater às teses já sustentadas até o momento da formação da culpa, e que, deixando de assim proceder — invocando teoria inédita que diga respeito a uma nova conduta por parte do réu, diversa da constante da pronúncia, mas ainda de competência do Júri —, assume o risco de se submeter a nova acusação. Asseverou-se que, dessa forma, de uma só vez, garante-se o exercício da plena defesa do acusado e se impede surpresa para a acusação com ofensa ao contraditório. Vencido o Min. Eros Grau que deferia, em parte, o writ para tornar nula a decisão que recebera a segunda denúncia contra o acusado, por considerar que a nova pretensão punitiva instaurada pelo Ministério Público, em relação ao mesmo fato, violaria frontalmente a conclusão anterior do Júri.