Supremo Tribunal Federal • 9 julgados • 03 de abr. de 2008
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O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 3º do art. 57, bem como do art. 58, da Constituição do Estado de Goiás, que dispõem sobre a composição e a competência da Justiça Militar daquela unidade federativa. Entendeu-se que os dispositivos impugnados ofendem o art. 125, § 3º, da CF, que atribui à lei ordinária, cuja iniciativa é reservada ao Tribunal de Justiça local, a criação da Justiça Militar estadual.
O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado de Minas Gerais para dar interpretação conforme a Constituição Federal à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição estadual, com a redação dada pela EC 26/97 (“Art. 62 - Compete privativamente à Assembléia Legislativa: ... XXIII - aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha: ... d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos Presidentes e Diretores do Sistema Financeiro Estadual;”), para restringir sua aplicação às autarquias e fundações públicas, excluídas as empresas estatais. Considerou-se que, embora as sociedades de economia mista e as empresas públicas prestadoras de serviço público não estejam alcançadas pelo disposto no art. 173 e seus parágrafos, da CF, a intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento de suas diretorias afronta o princípio da harmonia e interdependência entre os poderes. O Min. Marco Aurélio julgou parcialmente procedente o pedido, em maior extensão, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “dos Presidentes das entidades de administração pública indireta”, contida na referida alínea, ao fundamento de que, por não estarem os presidentes das autarquias e fundações públicas submetidos à aprovação do Senado Federal (CF, art. 52, III), não se poderia placitar, tendo em conta o princípio da simetria, essa mesma submissão à Assembléia do Estado, consideradas a autarquia ou a fundação pública estaduais.
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão da Presidência da Corte que, ante a inobservância do que disposto no art. 543-A, § 2º, do CPC, que exige a apresentação de preliminar sobre a repercussão geral da matéria constitucional suscitada, não conhecera de recurso extraordinário (RISTF, artigos 13, V, c, e 327). Considerou-se que, na linha da orientação firmada no julgamento do AI 664567 QO/RS (DJU de 6.9.2007), todo recurso extraordinário, interposto de decisão cuja intimação ocorreu após a publicação da Emenda Regimental 21 (DJU de 3.5.2007), deve apresentar preliminar formal e fundamentada da repercussão geral das questões constitucionais nele discutidas. Asseverou-se, ademais, que nem o fato de o tema discutido no recurso extraordinário ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade pendente de julgamento no Plenário, nem o de terem sido sobrestados outros recursos extraordinários até o julgamento desse processo de controle concentrado, afastariam essa exigência legal, não havendo se falar em demonstração implícita de repercussão geral.
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que advogado, denunciado por suposta obtenção fraudulenta de benefícios junto ao INSS (CP, artigos 71, § 3º; 299 e 304), pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos crimes imputados, bem como a reunião de mais de 500 processos em curso contra ele — v. Informativo 495. Em votação majoritária, deferiu-se parcialmente a ordem para determinar que os processos instaurados contra o paciente sejam submetidos ao mesmo juízo prevento. Asseverou-se que, relativamente à reunião dos feitos com base nas conexões subjetiva e probatória, se o juiz natural da causa reputara não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, não caberia ao STF, em habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador para afirmar o contrário. Além disso, enfatizou-se que, desde que submetidos ao mesmo juízo, o magistrado pode utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe a regra contida no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”). Observou-se, no entanto, que embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em um único processo, eles devem ser submetidos à competência do mesmo juízo prevento. De outro lado, quanto à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, entendeu-se que a multiplicidade de ações penais não constituiria, por si só, obstáculo ao exercício dessa garantia, não podendo o vício em questão ser invocado em situações abstratas. Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que deferiam o writ em maior extensão para fulminar os processos em curso e assentar que apenas um deveria merecer a seqüência cabível. O Min. Carlos Britto reajustou o voto proferido em 19.2.2008.
Por vislumbrar patente constrangimento ilegal, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, ante a inexistência de previsão legal para a interposição de recurso em sentido estrito (CPP, art. 581), reputara adequada a utilização, pelo Ministério Público estadual, de “reclamação” para impugnar decisão judicial concessiva de prisão domiciliar. Considerou-se que, abstraídas as questões de fundo debatidas no presente recurso, a saber, o teórico cabimento de custódia domiciliar em se tratando de réu ainda não apenado e, na seqüência, o exame da gravidade da doença que acometeria o ora recorrente, a indicar o aconselhamento da medida, o recurso deveria ser acolhido por motivo diverso, por se constatar o descabimento da via recursal eleita pelo parquet em face à decisão do juízo de primeiro grau, consistente no deferimento do direito de prisão domiciliar ao paciente. Ressaltando que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro cassara o aludido benefício mediante a incidência do art. 210 de seu regimento interno [“São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou do Órgão do Ministério Público, as omissões dos Juízes e os despachos irrecorríveis por eles proferidos que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de erro de ofício ou abuso de poder (CODJERJ, art. 219)”], esclareceu-se que o referido dispositivo cuidaria do instituto da “correição parcial”, conceitualmente abordada como meio de impugnação de despachos tumultuários emitidos pelo juiz, o que não se aplicaria à decisão que permitira ao réu o cumprimento da prisão preventiva em domicílio, uma vez que nada indicaria houvesse o magistrado promovido a inversão da ordem processual em desacordo com a lei. No ponto, asseverou-se que se trataria de decisão interlocutória não contemplada nos taxativos permissivos arrolados no art. 581 do CPP, o qual não comporta interpretação extensiva. Aduziu-se que entendimento diverso permitiria ao regimento interno do tribunal a criação de recurso que, além de não contemplado na lei processual penal, com ela se mostraria conflitante, abrindo nova via recursal em face de toda e qualquer manifestação do juízo, mesmo que seu provimento resultasse em prejuízo ao réu. RHC provido para restabelecer o decisório de primeira instância, possibilitando, com isso, a permanência do recorrente em prisão domiciliar, se e enquanto o juízo monocrático reputar cabível a medida.
A Turma, acolhendo proposta suscitada pelo Min. Eros Grau, deliberou remeter ao plenário julgamento de recurso extraordinário, do qual relator, em que se discute se o fornecimento de água e esgoto constitui prestação a ser remunerada mediante o pagamento de taxa ou de tarifa. O Departamento Municipal de Água e Esgotos - DMAE, ora recorrente, sustenta, na espécie, que o mencionado serviço de água seria remunerado pelo pagamento de tarifa, razão pela qual o instituto da prescrição tributária não incidiria sobre o direito de cobrá-la.
A Turma, por maioria, proveu agravo regimental interposto pela União contra decisão proferida pelo Min. Carlos Velloso que, dando provimento a recurso extraordinário do qual relator, assentara a necessidade de autorização judicial na hipótese de quebra de sigilo bancário com base em procedimento administrativo fiscal, sob pena de ofensa ao direito à privacidade (CF, art. 5º, X) — v. Informativo 329. Inicialmente, salientou-se que a controvérsia seria anterior à edição da Lei Complementar 105/2001, que permite às “autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ... examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente” (art. 6º). Asseverou-se que, na espécie, a questão limitar-se-ia à aplicação do art. 8º da Lei 8.021/90, que possibilita a obtenção de dados bancários da agravada, independentemente de autorização judicial (“Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964.”), cuja constitucionalidade ainda não fora apreciada pelo STF, o que tornaria inadequada a aplicação do art. 557, § 1º-A, do CPC. Entendeu-se que, dada a importância do tema, o recurso extraordinário deveria ser analisado pelo Pleno de forma ampla e irrestrita, inclusive possibilitando a sustentação oral das partes. Vencido o Min. Carlos Velloso que mantinha os fundamentos da decisão agravada. Regimental provido para anular a decisão monocrática e remeter o recurso extraordinário para julgamento do Plenário desta Corte.
A impossibilidade de realização ampla do contraditório e do direito de defesa do paciente, com todos os meios a ela inerentes, é causa inconteste de nulidade absoluta. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para que novo julgamento seja realizado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Sumaré, com a possibilidade de leitura dos documentos cuja juntada, formulada pela defesa nos três dias anteriores à sessão de julgamento, restara denegada pelo magistrado. No caso, o pleito de juntada de novos documentos fora deduzido em 15.4.2002, sendo que a aludida sessão perante o tribunal do júri estava designada para 18.4.2002. Ocorre que o juízo de primeiro grau reputara não atendido o prazo do art. 475 do CPP (“Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de três dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo.”). Considerou-se ilegal esse indeferimento. Asseverou-se que, conforme demonstrado nos autos, a defesa apresentara os documentos três dias antes da data designada para o julgamento e que, dessa forma, bastava dar ciência, naquele mesmo dia, à acusação e a sua assistência, de que a defesa realizaria sua leitura, ainda que tal ciência se desse por simples despacho nos autos ou que se determinasse que os advogados do réu providenciassem a mencionada comunicação. Aduziu-se que, na espécie, o ato questionado não fora praticado em error in procedendo, mas sim em error in judicando, uma vez que se impedira a juntada de documentos para a leitura em plenário, com base em intempestividade que não ocorrera. Assim, caracterizado o alegado cerceamento à defesa do paciente, principalmente no que tange a sua participação na formação da prova. Ademais, enfatizou-se que não importaria o efeito que a leitura desses documentos causaria nos jurados durante a sessão de julgamento. A defesa tinha, independentemente da relevância do seu conteúdo, o direito de ler aqueles documentos em plenário e, portanto, tentar influenciar na decisão final dos jurados. Concluiu-se que ofende o interesse público uma decisão proferida sem que todas as provas existentes sejam submetidas ao conhecimento do órgão julgador.
Por não vislumbrar direito líquido e certo, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ que julgara procedente pedido formulado pela Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco - AMEPE, em procedimento de controle administrativo, e determinara a anulação do ato que estendera, aos impetrantes — candidatos de concurso destinado ao preenchimento de vagas do cargo de juiz substituto daquela unidade federada —, o arredondamento de notas concedido a duas candidatas. Esclareceu-se, inicialmente, que o TJPE, em writ lá impetrado, concedera a ordem para excluir do edital do concurso item que vedava a revisão das provas dos candidatos. Em decorrência disso, fora constituída Comissão Revisora do Concurso, a qual concluíra pela revisão das notas das provas de apenas duas candidatas, majorando-as para a nota mínima exigida no edital. Ocorre que, posteriormente, o Pleno do TJPE resolvera, com base no princípio da isonomia, estender o arredondamento de notas a todos os candidatos que impetraram esse writ, mas que não haviam tido sucesso na revisão. Considerou-se que o fato de a decisão impugnada ter sido proferida após a determinação judicial que garantira o direito dos candidatos à revisão das provas não afastaria sua natureza administrativa, razão pela qual o CNJ teria agido no âmbito de sua competência definida no art. 103-B, II, § 4º, da CF. Asseverou-se, no ponto, que o TJPE não examinara, no mandado de segurança lá impetrado, a questão relativa ao arredondamento de notas, limitando-se a excluir a vedação à revisão de provas. Repeliu-se, ademais, a alegação de ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, ao fundamento de que os impetrantes teriam tido oportunidade de se manifestar sobre o ato administrativo examinado, apresentando suas informações, e que caberia ao CNJ, diante da imprescindibilidade dos documentos novos juntados para a solução da causa, decidir pela necessidade ou não de manifestação ulterior dos interessados. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a ordem para anular o processo administrativo, por considerar não ter sido observado o devido processo legal, pois os impetrantes não teriam tido vista para se manifestar sobre os documentos novos juntados aos autos, os quais serviram ao convencimento dos conselheiros.