Supremo Tribunal Federal • 10 julgados • 17 de dez. de 2004
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O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem em inquérito instaurado contra o Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República no sentido de declarar a incompetência do STF para julgar o feito. Na espécie, o querelado fora denunciado pela suposta prática de crimes contra a honra, previstos na Lei de Imprensa, que teriam ocorrido quando exercia o cargo de Prefeito de Chapecó-SC. Entendeu-se que o Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca, por não ser Ministro de Estado, não possui a prerrogativa de foro estabelecida no parágrafo único do art. 25, da Lei 10.683/2003, com a redação dada pela Lei 10.869/2004, e que a extensão de prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos Ministros de Estado a que alude o §1º do art. 38 da referida Lei repercute somente nas esferas administrativa, financeira e protocolar, mas não na estritamente constitucional. Vencido o Min. Joaquim Barbosa que declarava a competência desta Corte (Lei 10.683/2003: “Art. 25... Parágrafo único. São Ministros de Estado os titulares dos Ministérios, o Chefe da Casa Civil, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o Chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, o Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Chefe da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, o Advogado-Geral da União, o Ministro de Estado do Controle e da Transparência e o Presidente do Banco Central do Brasil ... Art. 38. São criados os cargos de natureza especial de Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, de Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca, de Secretário Especial dos Direitos Humanos e de Secretário Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. § 1o Os cargos referidos no caput terão prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado.”).
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro contra o art. 369 — renumerado como art. 368 pela EC 4/91 — da Constituição fluminense (“Na aplicação, integração e interpretação das leis, decretos e outros atos normativos estaduais, ressalvada a existência de norma estadual específica, observar-se-ão os princípios vigentes quanto às da Constituição e das leis federais.”). Afastou-se, inicialmente, a alegação de prejudicialidade suscitada pela Advocacia-Geral da União em decorrência da renumeração do artigo impugnado, já que promovido o devido aditamento da inicial. Quanto ao mérito, entendeu-se que o dispositivo em questão não inova a ordem jurídica, de modo a usurpar a competência legislativa da União, isto é, não dispõe sobre a interpretação e integração de leis, decretos e outros atos normativos de forma diversa da prevista na Lei de Introdução ao Código Civil, razão por que não afronta nem o pacto federativo nem a independência e harmonia entre os Poderes. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que declaravam a inconstitucionalidade da referida norma.
O Tribunal concedeu medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para suspender, com eficácia ex tunc, o ato Conjunto 1/2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que determina a aplicação de reajuste de 15%, a partir de 1º.11.2004, sobre os estipêndios dos servidores dessas duas Casas Legislativas e do TCU. O Pleno entendeu presentes o fumus boni iuris, porquanto o ato normativo impugnado, por não ser lei, a princípio, viola os incisos X do art. 37, IV do art. 51 e XIII do art. 52, todos da CF, e o periculum in mora, já que o reajuste concedido seria implementado na folha de pagamento de dezembro, onerando os cofres públicos.
O Tribunal julgou procedente, em parte, pedido de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 1º da Lei 9.536/97 que prevê a possibilidade de efetivação de transferência ex officio de estudantes — servidores públicos civis ou militares, ou de seus dependentes — entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino superior, quando requerida em razão de remoção ou transferência de ofício desses servidores que acarrete mudança de seu domicílio. Não obstante considerar consentânea com o texto constitucional a previsão normativa asseguradora do acesso a instituição de ensino na localidade para onde é removido o servidor, entendeu-se que a possibilidade de transferência entre instituições não congêneres permitida pela norma impugnada, especialmente a da particular para a pública, haja vista a envergadura do ensino, a própria gratuidade e a escassez de vagas oferecidas pela última, acabou por conferir privilégio, sem justificativa, a determinado grupo social em detrimento do resto da sociedade, a violar os princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade da Administração Pública, da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola superior (CF, art. 206, I) e a garantia do acesso aos níveis mais elevados do ensino (CF, art. 208, V). Por conseguinte, assentou-se a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.536/97, sem redução do texto, no que se lhe empreste o alcance de permitir a mudança, nele disciplinada, de instituição particular para pública, encerrando a cláusula “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino” a observância da natureza privada ou pública daquela de origem, viabilizada a matrícula na congênere, isto é, dar-se-á a matrícula em instituição privada se assim o for a de origem e em pública se o servidor ou o dependente for egresso de instituição pública.
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado em favor de juiz federal denunciado com terceiros, com base em investigações procedidas na denominada “Operação Anaconda”, pela suposta prática do crime de formação de quadrilha (CP, art. 288). Sustentava-se, na espécie, o trancamento da ação penal sob as seguintes alegações: a) ocorrência de violação das normas de processo; b) ausência de justa causa para a propositura da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, bem como da inexistência de participação em quadrilha e da não descrição da elementar “estabilidade”; c) existência de omissões na denúncia e d) constrangimento ilegal ocasionado pelo acórdão do STJ que recebera a denúncia — v. Informativo 373. Por maioria, deferiu-se o habeas corpus, por se reconhecer a inépcia da denúncia oferecida contra o ora paciente, determinando-se, em conseqüência, quanto a ele, a extinção do processo penal em que oferecida. Considerou-se a denúncia vaga e indeterminada, a afrontar a proteção judicial efetiva e o princípio da dignidade humana. Ressaltou-se que, se não fosse a discussão que tramita em outro processo, não se teria menção alguma com relação à participação do paciente. Vencido o Min. Joaquim Barbosa, relator, que indeferia o writ. Retificou seu voto a Min. Ellen Gracie.
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado em favor de magistrado, denunciado, com base em investigações procedidas na denominada “Operação Anaconda”, pela suposta prática dos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299) e interceptação telefônica ilegal (Lei 9.296/96, art. 10). Sustentava a impetração a atipicidade das condutas imputadas ao paciente e a nulidade das interceptações telefônicas que deram sustentação à denúncia, haja vista o excesso de prazo em sua renovação — v. Informativos 367 e 373. Por inépcia da denúncia, a Turma deferiu o writ, para afastar o crime de falsidade ideológica, extinguindo, quanto a este, o processo penal instaurado contra o paciente, tendo em conta não restar especificado o fato juridicamente relevante, resultante da suposta falsidade. No que se refere ao exame da aptidão formal da denúncia quanto ao delito de interceptação telefônica, a Turma, por maioria, deferiu o habeas corpus, para, também quanto a esse crime, extinguir a ação penal, por considerá-la inepta, uma vez que não fora demonstrada, na descrição dos fatos, a configuração dos elementos do tipo, a caracterizar quaisquer condutas, seja na forma tentada, seja na consumada, do art. 10 da Lei 9.296/96, limitando-se a peça acusatória a transcrever as conversas telefônicas, sem a observância dos requisitos à persecução penal. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ellen Gracie, que o denegavam.
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática, em concurso material, dos crimes de porte ilegal de arma e de disparo de arma de fogo em local habitado (Lei 9.437/97, art. 10, caput e §1º, III, respectivamente), a dois anos de detenção e ao pagamento de multa, sendo a pena privativa de liberdade fixada em regime inicial fechado, ao fundamento de ser incompatível a sua substituição, já que o paciente encontrava-se preso provisoriamente por outro fato — v. Informativo 372. Deferiu-se o writ para determinar que a pena privativa de liberdade seja cumprida em regime aberto, haja vista o fato de o juiz haver reconhecido os bons antecedentes do paciente e as circunstâncias judiciais favoráveis, e, de oficio, anulou-se a sentença para afastar a condenação por disparo de arma de fogo, reduzindo-se, em conseqüência, a pena para um ano de detenção e pagamento de multa, substituindo-a por pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública. Entendeu-se que a sentença seria nula no capítulo em que condenara o paciente no tipo previsto no art. 10, §1º, III, da citada Lei, porquanto caracterizaria provimento judicial ultra petita, dado que a denúncia descrevera o disparo de arma de fogo como mero acidente, ou seja, fruto de movimento corpóreo involuntário e indesejado pelo paciente e que, não havendo previsão expressa no ordenamento jurídico de modalidade culposa, a conduta do acusado seria atípica. Asseverou-se, ainda, que, em se tratando de mutatio libelli, o disposto no art. 384 do CPP deveria ter sido observado, embora o feito estivesse sob a competência de juizado especial criminal, por força do que estabelece o art. 92 da Lei 9.099/95 (“Aplicam-se, subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.”). Salientou-se, por fim, a inaplicabilidade da suspensão condicional da pena, na espécie, por ser mais prejudicial ao réu, tendo em conta o período mínimo de prova ser de dois anos (CP, art. 77, caput). O Min. Carlos Britto, relator, retificou seu voto e aderiu aos fundamentos do voto do Min. Cezar Peluso.
Também por excesso de prazo, a Turma, resolvendo questão de ordem, deferiu liminar em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12), para permitir que o paciente aguarde o julgamento de seu recurso de apelação em regime de prisão domiciliar, se por outro motivo não estiver preso. Na espécie, restaria um mês para o cumprimento integral da pena de três anos imposta ao paciente, preso em flagrante, cuja apelação fora interposta e ainda não remetida ao órgão de segunda instância competente para apreciar o caso. Salientou-se, inicialmente, que seria prematuro o julgamento do mérito da impetração, porquanto não houvera manifestação da Procuradoria-Geral da República nos autos. Ponderou-se, no entanto, que o réu se encontrava na iminência de cumprir, definitivamente, em sede de prisão cautelar, a integralidade da sanção que a ele fora imposta, sem que lhe tivesse sido oportunizada a revisão de sua reprimenda em sede de apelação. Asseverou-se a existência de pronunciamento do Ministério Público no sentido da absolvição do réu, o que tornaria temerária a sua custódia cautelar. Por fim, ressaltou-se que se o paciente estivesse em fase de execução da reprimenda, já estaria usufruindo do regime aberto de cumprimento de pena, não obstante tratar-se de crime hediondo, tendo em conta o posicionamento da Corte no sentido de conferir liminar enquanto pendente o julgamento do HC 82959/SP em que se discute a constitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Determinou-se que seja oficiado o Presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, transmitindo-lhe cópia da decisão, e ordenando-lhe o julgamento imediato da apelação interposta e a remessa, ao STF, da cópia do respectivo acórdão. Precedentes citados: HC 84122 QO/SP (DJU de 27.8.2004); HC 84734 MC/SP (DJU de 24.11.2004) e AC 504/SP (DJU de 24.11.2004).
A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que entendera não ser obrigatória a intimação do paciente e de seu advogado da decisão deferitória de pedido de desaforamento formulado pelo juízo, e, ainda, que a inobservância dessa formalidade não implicaria ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Asseverou-se que, embora o regimento interno do tribunal de justiça local adotasse para o julgamento de representação de desaforamento o rito do habeas corpus, dispensando a sua publicação em pauta, de igual modo não se poderia concluir no sentido de que apenas o paciente, e não seu defensor, como ocorrera na espécie, devesse ter sido intimado para responder à representação, de cujo envio ao Tribunal o advogado sequer fora notificado. Writ deferido para cassar o acórdão do tribunal de justiça, a fim de que, após a prévia notificação do advogado do paciente para responder à representação, outro seja proferido conforme entender de direito.
A Turma, por maioria, indeferiu pedido de habeas corpus impetrado em favor de condenado, por roubo qualificado, a cumprimento de pena inicialmente no regime fechado. O impetrante alegava que a condenação se dera com fundamento apenas na gravidade em abstrato do delito, sem que houvesse motivação concreta para a imposição do regime fechado. Entendeu-se que, ao deferir o writ, ocorreria abrandamento excessivo no cumprimento da pena, a estimular no criminoso, que faz do crime de roubo um meio habitual de vida, o sentimento de impunidade. Ademais, ressaltou-se que o paciente fará jus à progressão de regime com o cumprimento de 1/6 da pena, o que equivaleria, no caso concreto, a aproximadamente 10 meses em regime fechado, haja vista que lhe fora aplicada a pena de 5 anos e 4 meses. Vencido o Min. Joaquim Barbosa, relator, que, por considerar inexistente qualquer outro fundamento para embasar o regime mais severo, aplicava os Enunciados das Súmulas 718 (“A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”) e 719 (“A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”) do STF.