Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 26 de abr. de 2021
Explore conteúdo relacionado para aprofundar seus estudos
É inconstitucional norma constitucional estadual pela qual se prevê hipótese de intervenção estadual em municípios não contemplada no art. 35 da Constituição Federal (CF) (1). Por extrapolarem as bases de incidência do mecanismo da intervenção estadual elencadas no art. 35 da CF, são inconstitucionais os incisos IV e V do art. 25 da Constituição do estado do Acre, que possibilitam a intervenção estadual em municípios acreanos quando se verificar, sem justo motivo, impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo estado ou quando forem praticados, na Administração municipal, atos de corrupção devidamente comprovados. Seja federal ou estadual, a intervenção é mecanismo essencial e excepcional para o complexo equilíbrio federativo. Ela consiste em procedimento que somente deve ser adotado nas hipóteses e condições taxativamente estabelecidas na CF, pelo seu papel limitador da atuação dos entes federados. No tocante à intervenção estadual, salienta-se que as disposições do art. 35 da CF consubstanciam preceitos de observância compulsória por parte dos estados-membros. As hipóteses excepcionais — pelas quais permitida a supressão da autonomia municipal e autorizada a intervenção — estão taxativamente nele previstas, sem possibilidade de alteração pelo legislador constituinte estadual, para ampliá-las ou reduzi-las. O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos incisos IV e V do art. 25 da Constituição do estado do Acre (CES/AC) (2).
É inconstitucional norma estadual que estabelece hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, nos termos previstos no art. 24, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal (CF) (1). A dispensa e simplificação de licenciamento ambiental — implementadas por legislação estadual para as atividades de mineração — esvazia o procedimento de licenciamento ambiental estabelecido na legislação nacional. Não é lícito ao legislador estadual dissentir da sistemática definida em normas gerais pela União, dispensando e adotando licenças simplificadas que, de forma inequívoca, tornarão mais frágeis e ineficazes a fiscalização e o controle da Administração Pública sobre empreendimentos e atividades potencialmente danosos ao meio ambiente. O estabelecimento de procedimento de licenciamento ambiental estadual que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado quanto às atividades de mineração afronta, ainda, o caput do art. 225 da CF (2) por não observar o princípio da prevenção, preceito inerente ao dever de proteção imposto ao Poder Público. Com base nesse entendimento o Plenário declarou inconstitucionais os §§ 1º, 2º e 3º do art. 29 da Lei 14.675/2009 do estado de Santa Catarina (3).
É constitucional lei estadual que destine parcela da arrecadação de emolumentos extrajudiciais a fundos dedicados ao financiamento da estrutura do Poder Judiciário ou de órgãos e funções essenciais à Justiça (1). Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acena positivamente para leis estaduais que destacam percentual dos emolumentos cobrados pelos registradores e notários em benefício de órgãos ou fundos públicos. Isso porque a Corte enxerga, na hipótese, puro e simples desconto dos valores devidos ao estado-membro a título de taxa em razão do exercício regular de poder de polícia, e não propriamente uma distribuição automática e linear, em benefício de órgãos estatais, das receitas arrecadadas com a cobrança de emolumentos extrajudiciais. Por se tratar de taxa de poder de polícia, não incide a vedação da vinculação de impostos a qualquer órgão, fundo ou despesa pública, prevista no art. 167, IV, da Constituição Federal (CF) (2). Decorre da própria CF a qualificação da Advocacia Pública como função essencial à Justiça. Dessa forma, atende aos desígnios constitucionais de universalização e aperfeiçoamento da própria jurisdição como atividade básica do Estado o fornecimento de recursos suficientes e adequados ao aparelhamento da Advocacia Pública, cujos membros exercem relevante múnus constitucional de defesa dos interesses titularizados pelas pessoas jurídicas de direito público. No caso, considerada a nota de essencialidade que traduz as atribuições exercidas pela Advocacia Pública, nada justifica a imposição de tratamento desigual e mais restritivo à Procuradoria do estado do Rio de Janeiro, privando-lhe de recursos que, de acordo com jurisprudência pacífica do STF, podem ser reservados, por lei, às instituições que desempenham funções essenciais à Justiça. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o inciso III do artigo 31 da Lei Complementar 111/2006 do estado do Rio de Janeiro que destina ao Fundo Especial da Procuradoria-Geral estadual (FUNPERJ) percentual das receitas arrecadadas com recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Rosa Weber que julgaram o pleito procedente.
“Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de verbas trabalhistas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF) e da eficiência da administração pública (art. 37, ‘caput’, da CF)”. São inconstitucionais atos de constrição do patrimônio de estatal prestadora de serviço público essencial prestado em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. O bloqueio e a penhora dos recursos dessas empresas violam o sistema constitucional de precatórios (1) e os princípios da legalidade orçamentária, da separação dos Poderes e da eficiência administrativa. A Constituição veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa. Trata-se de balizas constitucionais para alocação e utilização de recursos públicos. Por isso, o uso de verbas já alocadas para a execução de finalidades diversas, como a solvência de dívidas trabalhistas, não observa as normas constitucionais concernentes à legalidade orçamentária (CF, art. 167, VI). Ademais, o princípio da legalidade orçamentária está estreitamente vinculado ao princípio da separação dos Poderes (arts. 2º e 60, § 4°, III, da CF). A exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos tem por finalidade resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. É nessa ocasião que se definem as prioridades de atuação da Administração, isto é, que se apontam as políticas e os serviços públicos que deverão ser implementados ou aprimorados no exercício financeiro respectivo. A ordem constitucional rechaça a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública, salvo, excepcionalmente, como fiscalizador. Entende-se, por fim, que, no caso, os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias para o pagamento de indenizações trabalhistas, atuaram como obstáculos ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de projetos sociais do Poder Executivo local, o que caracteriza desrespeito ao princípio da eficiência da Administração Pública (art. 37, caput, da CF). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para (i) suspender decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro; (ii) determinar a sujeição da empresa estatal ao regime constitucional de precatórios; e (iii) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos — e ainda em poder do Judiciário —, para as respectivas contas de que foram retiradas. (1) Precedentes: ADPF 556/RN, relatora Min. Cármen Lúcia (DJe de 17.9.2020) e ADPF 485/AP, relator Min. Roberto Barroso (DJe de 4.2.2021).
É inconstitucional lei municipal que estabeleça limitações à instalação de sistemas transmissores de telecomunicações por afronta à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, nos termos dos arts. 21, XI (1), e 22, IV (2), da Constituição Federal (CF). Isso porque, no conceito de telecomunicação, conforme art. 60 da Lei 9.472/1997 (3), estão incluídos os equipamentos e os meios necessários para transmissão dos sinais eletromagnéticos, tais como as antenas de telefonia celular. Ademais, a competência atribuída aos municípios em matéria de defesa e proteção da saúde não pode se sobrepor ao interesse mais amplo da União no tocante à formulação de uma política de âmbito nacional para o estabelecimento de regras uniformes, em todo o território nacional, com a finalidade de proteger a saúde de toda população brasileira. Desse modo, ainda que a questão envolva matéria relacionada à proteção de saúde, a regulamentação deve ser feita de forma homogênea no território brasileiro de acordo com os valores fixados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os quais são obtidos por meio de embasamento científico com a finalidade de proteger a população em geral e viabilizar a operação dos sistemas de telefonia celulares com limites considerados seguros. Assim, diante do aumento da expansão dos serviços de telefonia móvel no País, da multiplicação na instalação de antenas para possibilitar a execução dos serviços e do fato de não haver estudos conclusivos acerca de malefícios causados à saúde pela emissão de radiação por essas antenas, a necessidade de se garantir a defesa e a proteção da saúde de todos constitui uma das atribuições da União, cujo enfoque há de ser necessariamente nacional. No caso, a norma municipal impugnada prevê que os sistemas transmissores de telefonia não poderão ser instalados em áreas localizadas até 100 metros de residências, praças, parques, jardins, imóveis integrantes do patrimônio histórico cultural, áreas de preservação permanente, áreas verdes ou áreas destinadas à implantação de sistema de lazer. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade do art. 2° da Lei 5.683/2018, do município de Valinhos. (1) CF: “Art. 21. Compete à União: (...) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.” (2) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão.” (3) Lei 9.472/1997: “Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. § 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.”
Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República. A ausência de fixação do valor é forma de esvaziar o mandamento constitucional de combate à pobreza, além de fazer letra morta ao disposto no referido diploma legal. Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República [Constituição Federal (CF), art. 102, I, q]. A falta de norma disciplinadora dá ensejo ao conhecimento do mandado de injunção apenas quanto à implementação do referido benefício assistencial para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Um dos objetivos da República brasileira é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF, art. 3º, III), cuja determinação é repassada a todos os níveis da Federação [CF, art. 23, X (1)], com auxílio da sociedade. Na forma da CF e do ordenamento jurídico, a assistência aos desamparados é direito social básico [CF, art. 6º (2)]. Com a Lei 10.835/2004, adveio uma das formas de concretização do mandamento constitucional. Contudo, não se considera que decorra omissão inconstitucional para as demais hipóteses previstas na lei “não importando sua condição socioeconômica” [art. 1º, caput (3)]. O Estado não pode ser segurador universal e distribuir renda a todos os brasileiros, independentemente de critério socioeconômico. Na CF, não há qualquer determinação de atuação estatal nesse sentido. Constata-se existir proteção insuficiente de combate à pobreza, a recomendar a correção de rumos. Não se desconhece que a Lei 10.836/2004 estabeleceu o Programa Bolsa Família como um conjunto de “ações de transferência de renda com condicionalidade” e que, dentre seus objetivos básicos, está o de “combater a pobreza” (Decreto 5.209/2004, art. 5º, IV). Entretanto, há tutela insuficiente quanto ao combate à pobreza e à extrema pobreza. A respeito, registra-se que os direitos fundamentais também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela. Conforme o Decreto 5.209/2004, caracteriza-se renda familiar mensal em situação de pobreza e de extrema pobreza o valor per capita de até R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais) e de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais), respectivamente (Decreto 5.209/2004). Nas atualizações ao longo do tempo, houve indiretamente diminuição real do valor limite para fins de enquadramento na linha de corte. Milhões de pessoas foram excluídas dele, embora estivessem abaixo da linha da pobreza, segundo critérios socioeconômicos mundiais. Como se não fosse o bastante, houve perda significativa do poder de compra em si dos benefícios — básico e variáveis — concedidos. Diante de distorções verificadas, é caso de fazer-se apelo aos Poderes Legislativo e Executivo a fim de que reformulem os programas sociais de transferência de renda em vigor e atualizem as quantias do Programa Bolsa Família. Presente estado de mora inconstitucional, deve ser fixado o valor da renda básica de cidadania para o estrato da população brasileira em condição de vulnerabilidade socioeconômica — pobreza e extrema pobreza — a ser efetivado, pelo Presidente da República, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (2022). A inércia do Poder Executivo em implementar a renda básica ocasiona efeitos deletérios ao sistema de proteção social instituído pela CF. Não obstante a clareza da determinação legal, passados mais de dezessete anos da promulgação da Lei 10.835/2004, o Programa Renda Básica de Cidadania remanesce desprovido de qualquer regulamentação. Programas sociais de transferência de renda servem, fundamentalmente, para reduzir o fosso de desigualdade. A lacuna deve ser colmatada com o objetivo de atender à camada da população que necessita do auxílio estatal e não possui meios de autossubsistência. A atuação do STF foi voltada à realidade econômica e social, na quadra atual vivenciada e agravada pelas consequências da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No mais, a essencialidade do sistema de proteção social não afasta o dever de consideração das possibilidades materiais e financeiras do Estado. Agrega-se a isso que o diploma legislativo impõe a necessidade de observância das condições econômicas do País e da Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso reconhecer que, em determinados casos, a implementação de políticas públicas unilateralmente pelo Poder Judiciário, em substituição ao crivo político dos representantes eleitos, pode conduzir a um estado de coisas ainda mais inconstitucional que a falta de norma regulamentadora. Evidentemente, eventual concessão da tutela invocada pelo impetrante, mediante fixação arbitrária dos valores da renda básica de cidadania e dos critérios de elegibilidade das primeiras etapas, fatalmente levaria ao desarranjo das contas públicas e, no limite, à desordem do sistema de proteção social brasileiro. Afinal, a fixação de prazo razoável para a elaboração da norma regulamentadora encontra amparo na legislação do mandado de injunção e se revela providência capaz de realizar a vocação constitucional do writ e de preservar as bases da democracia representativa. Com a determinação do prazo estabelecido, objetiva-se preservar o exercício fiscal em andamento. Na espécie, trata-se de ação constitucional em que requerida a colmatação de omissão administrativa do Poder Executivo federal em implementar renda básica de cidadania instituída pela Lei 10.835/2004, consistente, em suma, no pagamento de benefício de igual valor a todos brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos, independentemente da condição socioeconômica. Dentre outros pedidos, foi postulado o deferimento da renda básica ao autor, adotando-se como valor o montante de, ao menos, um salário mínimo mensal ou, subsidiariamente, meio salário, enquanto não suprida a lacuna. O Plenário, por maioria, concedeu parcialmente a ordem em mandado de injunção, para: (i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016 (4), implemente, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022), a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 (5) para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza — renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente — Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o Plano Plurianual, além de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual de 2022; e (ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do Programa Bolsa Família (Lei 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei 10.835/2004, unificando-os, se possível. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
A afetação de feitos a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal é atribuição discricionária do relator (1). Com efeito, essa afetação é possível por força do que dispõem os arts. 21, I, e 22, ambos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), pronunciamento que, a teor do art. 305 do RISTF, afigura-se irrecorrível. Pela afetação, o julgamento do feito é submetido à deliberação do Tribunal Pleno, ao qual a Constituição Federal (CF) atribui legitimidade à prestação jurisdicional sobre quaisquer causas inseridas na competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Especificamente no que concerne ao habeas corpus, tal proceder também é autorizado a partir da inteligência dos arts. 6º, II, c e 21, XI, do RISTF (2). O Ministério Público Federal, quando atua perante o STF, por intermédio da Procuradoria-Geral da República, mesmo na qualidade de “custos legis”, detém legitimidade para a interposição de agravo regimental contra decisões monocráticas proferidas pelos ministros relatores. Nos termos do caput do art. 127 da CF (3), incumbe ao Ministério Público, como instituição permanente e essencial à jurisdição, a defesa da ordem jurídica, encontrando-se na legislação infraconstitucional, interpretada de forma sistemática, os fundamentos de sua legitimidade recursal. Com efeito, o art. 179, II, do Código de Processo Civil (CPC) (4), aplicável à hipótese pela norma integrativa que se extrai do art. 3º do Código de Processo Penal (CPP) (5), estabelece que o Ministério Público, quando intervém nos autos na qualidade de fiscal da ordem jurídica, “poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”. Ademais, essa legitimidade é reforçada no art. 996 do mesmo diploma legal (6). Não obstante o art. 317 do RISTF (7) faça alusão às partes, a interpretação restritiva não encontra amparo em inúmeros precedentes do Corte (8), nos quais, em sede de habeas corpus, o Ministério Público foi considerado parte legítima à interposição de agravo regimental contra decisões monocráticas. No âmbito da “Operação Lava Jato”, a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba é restrita aos crimes praticados de forma direta em detrimento apenas da Petrobras S/A. Nesse sentido tem se firmado a jurisprudência do STF (9). Na hipótese, restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com precedentes do Plenário e da Segunda Turma do STF, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional. O caso, portanto, não se amolda ao que se tem decidido, majoritariamente, no âmbito do Plenário e da Segunda Turma, a partir de 2015, a respeito da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, delimitada exclusivamente aos ilícitos praticados em detrimento da Petrobras S/A. As mesmas circunstâncias fáticas, ou seja, a ausência de condutas praticadas de forma direta em detrimento da Petrobras S/A, são encontradas nas demais ações penais deflagradas em desfavor do paciente perante a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, tornando-se imperiosa a extensão da ordem concedida, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP (10). A superveniência de circunstâncias fáticas aptas a alterar a competência da autoridade judicial, até então desconhecidas, autoriza a preservação dos atos praticados por juízo aparentemente competente em razão do quadro fático subjacente no momento em que requerida a prestação jurisdicional. No caso, no entanto, à época do ajuizamento da denúncia, datada de 14.9.2016, já era do conhecimento do Ministério Público Federal, bem como do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, que os fatos denunciados não diziam respeito a delitos praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras S/A, sendo certo que o primeiro precedente a reduzir a competência daquele juízo foi proferido em 23.9.2015 (Inq 4.130 QO), motivo pelo qual a “teoria do juízo aparente” não se aplica à hipótese. Nada obstante a Procuradoria-Geral da República pugne pela aplicação ao caso da norma extraída do art. 64, § 4º, do CPC (11), é certo que o Direito Processual Penal vem dotado de regra própria que estabelece a sanção de nulidade aos atos decisórios praticados por juízo incompetente, nos termos do art. 567 do CPP (12), em plena vigência no ordenamento jurídico pátrio. Trata-se de agravos regimentais interpostos contra decisão monocrática do relator de habeas corpus que: a) assentou a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba e anulou os atos decisórios praticados nas ações penais ali julgadas contra o ex-Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva; e b) afetou os referidos recursos ao Plenário. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, negou provimento ao agravo regimental em agravo regimental em habeas corpus, relativo à afetação, pelo relator, do julgamento dos recursos interpostos ao Plenário. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. O Plenário, também, por maioria, em complemento ao julgamento da sessão do dia 15.4.2021, negou provimento ao agravo regimental em habeas corpus, concernente à competência do juízo, para assentar a competência da Justiça Federal do Distrito Federal para julgamento das ações penais. Vencidos, parcialmente, os ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, que entendiam ser competente a Justiça Federal de São Paulo, e, integralmente, os ministros Nunes Marques, Marco Aurélio e Luiz Fux (Presidente), que davam provimento ao recurso. (1) Precedentes citados: HC 143.333/PR, relator Min. Edson Fachin (DJe de 21.3.2019); Ext 1.574 ED/DF, relatora Min. Cármen Lúcia (DJe de 21.11.2019). (2) RISTF: “Art. 6º Também compete ao Plenário: (...) II - julgar: (...) c) os habeas corpus remetidos ao seu julgamento pelo Relator; (...) Art. 21. São atribuições do Relator: (...) XI - remeter habeas corpus ou recurso de habeas corpus ao julgamento do Plenário;” (3) CF: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (4) CPC: “Art. 179. Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público: (...) II - poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer.” (5) CPP: “Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.” (6) CPC: “Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.” (7) RISTF: “Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte.” (8) Precedentes citados: HC 195.367 AgR/SP, relatora Min. Cármen Lúcia (DJe de 26.2.2021); HC 192.532 AgR/GO, relator Min. Gilmar Mendes (DJe de 2.3.2021); HC 195.681 AgR/SP, relator Min. Ricardo Lewandowski (DJe de 3.3.2021); RHC 145.417 AgR/SP, relator Min. Dias Toffoli (DJe de 30.7.2020); HC 190.851 AgR/SP , relator Min. Edson Fachin (DJe de 24.2.2021); HC 193.398 AgR/RS, relator Min. Alexandre de Moraes (DJe de 12.1.2021); RHC 170.533 AgR/MS , relatora Min. Rosa Weber (DJe de 7.12.2020); HC 183.620 AgR/MG, relator Min. Roberto Barroso (DJe de 26.8.2020); RHC 124.137 AgR/BA, relator Min. Luiz Fux (DJe de 1.6.2016). (9) Precedentes citados: Inq 4.130 QO/PR, relatora Min. Cármen Lúcia (DJe de 3.2.2016); Inq 4.327 AgR-Segundo/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 5.3.2018); Inq 4.483 AgR-Segundo/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 5.3.2018); Pet 7.790 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 23.11.2018); Pet 7.792 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 23.11.2018); Inq 3.989 AgR-Terceiro/DF (DJe de 4.10.2018); Pet 8.144 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 1.8.2019); Pet 6.780 AgR-Quarto-ED/DF, relator Min., Edson Fachin, redator do acórdão Min. Dias Toffoli (DJe de 20.6.2018); Pet 6.664 AgR-AgR/DF, relator Min., Edson Fachin, redator do acórdão Min. Dias Toffoli (DJe de 4.12.2018); Pet 6.820 AgR-ED/DF, relator Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Ricardo Lewandowski (DJe de 26.3.2018); Inq 4.435 AgR-Quarto/DF, relator Min. Marco Aurélio (DJe de 21.8.2019); Inq 4.428 QO/DF, relator Min. Gilmar Mendes (DJe de 12.8.2018); Pet 7.832 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 28.3.2019); Pet 8.054 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 27.9.2019); Pet 8.090 AgR/DF, relator Min. Edson Fachin (DJe de 11.12.2020). (10) CPP: “Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.(...) § 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.” (11) CPC: “Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação. (...) § 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.” (12) CPP: “Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.”