ADI e arrecadação de direitos autorais - 3

STF
845
Direito Civil
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 845

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário, por maioria, julgou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade propostas em face da Lei 12.853/2013, que alterou ou introduziu dispositivos na Lei 9.610/1998, ao reconfigurar a gestão coletiva de direitos autorais. 

Na espécie, questionava-se a constitucionalidade da norma ante os princípios e as regras constitucionais concernentes ao exercício de direitos privados e à liberdade de associação — v. Informativo 823. 

O Tribunal assentou que a Constituição garante o direito exclusivo do autor à utilização, à publicação ou à reprodução de suas obras (CF/1988, art. 5º, XXVII). Entretanto, a proteção da propriedade intelectual, sobretudo dos direitos autorais, teria suas particularidades. Em primeiro lugar, a titularidade de determinada obra seria, em geral, compartilhada pelos diversos indivíduos que participaram da sua criação. Em segundo lugar, a ausência de suporte físico para delimitar o domínio intelectual criaria dificuldades de monitoramento da utilização da obra, principalmente na sua execução pública. Essas duas particularidades tornariam o mercado de obras intelectuais refém de elevados custos de transação. 

Em linhas gerais, a gestão coletiva de direitos autorais compreende o exercício e a defesa das prerrogativas legais inerentes à criação intelectual por intermédio de associações formadas por titulares desses direitos. Esse modelo de gestão reduziria as dificuldades operacionais geradas tanto pela cotitularidade das obras quanto pelos custos de monitoramento de sua execução. A gestão coletiva de direitos autorais envolveria um “trade-off” socialmente relevante. Esse conflito de escolha diria respeito, por um lado, à viabilização da própria existência do mercado, ao reduzir os custos de transação decorrentes da cotitularidade e da imaterialidade da propriedade intelectual, e, por outro, à delegação de poder de mercado aos titulares de direito, em especial às entidades de gestão coletiva, ao induzir a precificação conjunta das obras intelectuais.

O escopo da norma ora questionada teria sido: a) transparência, ao criar obrigações claras para a gestão coletiva; b) eficiência econômica e técnica, ao permitir que artistas tenham o direito a serem informados sobre seus direitos e créditos; c) modernização, ao reorganizar a gestão coletiva e racionalizar a estrutura das associações que a compõem; d) regulação, ao manter a existência de um único escritório central subordinado ao Ministério da Justiça; e e) fiscalização, ao responsabilizar o Ministério da Justiça pela fiscalização da gestão coletiva. 

A Corte anotou que a maior transparência da gestão coletiva de direitos autorais, na forma proposta pela norma impugnada, consubstanciaria finalidade legítima segundo a ordem constitucional, na medida em que buscaria eliminar o viés rentista do sistema anterior. Com isso, promoveria, de forma imediata, os interesses tanto de titulares de direitos autorais quanto de usuários e, de forma mediata, bens jurídicos socialmente relevantes ligados à propriedade intelectual como a educação e o entretenimento, o acesso à cultura e à informação.

Além disso, a distinção legal entre os titulares originários e os derivados de obras intelectuais para fins de participação na gestão coletiva de direitos autorais estaria situada na margem de conformação do legislador ordinário para disciplinar a matéria. 

O Plenário ressaltou também que as regras impugnadas não impactariam os direitos patrimoniais dos titulares derivados. No entanto, considerou justificável a existência de regras voltadas a minimizar a assimetria de poder econômico entre as editoras musicais e os autores individuais, os verdadeiros criadores intelectuais. 

Ademais, a exigência de habilitação prévia das associações de gestão coletiva em órgão da administração pública federal para a cobrança de direitos autorais configuraria típico exercício do poder de polícia preventivo voltado a aferir o cumprimento das obrigações legais exigíveis, desde o nascedouro da entidade.
Quanto às regras para a negociação de preços e formas de licenciamento de direitos autorais, bem como a destinação de créditos e valores não identificados, o Tribunal frisou não ter havido tabelamento de preços. A Lei 12.853/2013 teria se limitado a fixar parâmetros genéricos (razoabilidade, boa-fé e usos do local de utilização das obras) para o licenciamento de direitos autorais. Tudo isso no intuito de corrigir as distorções provocadas pelo poder de mercado das associações gestoras, sem retirar dos próprios autores e titulares a prerrogativa de estabelecer o preço de suas obras. 

O Tribunal registou que o licenciamento pelo formato global (“blanket license”) ainda permaneceria válido, desde que não fosse mais o único tipo de contrato disponível. Nesse ponto, destacou que a autoridade antitruste brasileira reconhecera o abuso de poder dominante do Escritório Central de Arrecadação (ECAD) e das associações a ele vinculadas em razão do oferecimento da licença cobertor (“blanket license”) como modalidade única de licenciamento de direitos autorais. 

Asseverou que a norma questionada buscaria prevenir a prática de fraudes e evitar a ocorrência de ambiguidades quanto à participação individual em obras com títulos similares. 

Reputou válida a possibilidade de retificação das informações constantes do cadastro pelo Ministério da Cultura, o que evitaria a prematura judicialização de eventuais embates. Além disso, a solução de controvérsias, no âmbito administrativo, por órgão especializado permitiria o enfrentamento das questões a partir de perspectiva técnica, sem ameaçar o acesso de qualquer interessado ao Poder Judiciário. 

A nova sistemática para fixação da taxa de administração e destinação de recursos para o aproveitamento coletivo dos associados procuraria reconduzir as entidades de gestão coletiva ao seu papel instrumental. Assim, a possibilidade de serem criadas novas entidades coletivas imporia pressão competitiva sobre as associações já estabelecidas, que tenderiam a ser mais eficientes e a oferecer serviço de qualidade e com maior retorno financeiro para seus associados. 

O Plenário concluiu que, em hermenêutica constitucional, seria necessário cuidado para que a interpretação ampliativa de princípios considerados fundamentais não se convolasse em veto judicial absoluto à atuação do legislador, que também é intérprete legítimo da Lei Maior. Garantias gerais como liberdade de iniciativa, propriedade privada e liberdade de associação não seriam, por si, incompatíveis com a presença de regulação estatal.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgava procedentes os pedidos formulados. Pontuava que a Lei 12.853/2013 maltrataria a autonomia individual, praticamente transformaria, em que pese a manutenção da nomenclatura, associação em autarquia. Implicaria interferência normativa e prática em entidade que se quer livre da ingerência do Estado.

Informações Gerais

Número do Processo

5065

Tribunal

STF

Data de Julgamento

27/10/2016