Crime sexual contra vulnerável e titularidade da ação penal

STF
815
Direito Processual Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 815

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário, por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus” impetrado com base na suposta ilegitimidade do Ministério Público para intentar ação penal pública contra o paciente, denunciado pela alegada prática, em 2007, do crime de atentado violento ao pudor com violência presumida (CP, art. 214, c/c o art. 224, “a”, na redação originária). No caso, o representante da vítima apresentara requerimento perante a autoridade policial (CP, art. 225, na antiga redação) e ajuizara queixa-crime. Posteriormente, o Ministério Público manifestara-se pela rejeição da queixa por ilegitimidade da parte e oferecera denúncia. A queixa-crime fora, então, rejeitada, e a parte fora admitida como assistente da acusação. Prevaleceu o voto do Ministro Roberto Barroso, no que acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Entendeu que a controvérsia acerca da recepção do art. 225 do CP pela atual ordem constitucional não poderia levar à eventual desproteção da vítima. Em outras palavras, não se poderia, num primeiro momento, declarar a inviabilidade de ação penal privada e, posteriormente, a impossibilidade de ação penal pública, para deixar o bem jurídico violado sem tutela. Assim, necessário interpretar esse dispositivo à luz do art. 227 da CF (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”). Dessa forma, interpretar o art. 225 do CP de modo a não entender cabível qualquer tipo de sanção em face da conduta perpetrada implicaria negar aplicação ao art. 227 da CF. Necessário, portanto, excepcionar a aplicabilidade da redação antiga do art. 225 do CP para a situação dos autos, tendo em conta a relevância do aludido dispositivo constitucional. O Ministro Luiz Fux ressaltou que eventual juízo de não recepção do art. 225 do CP poderia implicar insegurança jurídica, tendo em conta diversos casos já julgados de acordo com essa norma. Ademais, em relação a possível decadência do direito de ação em hipóteses semelhantes, seria possível concluir que o menor, ao adquirir a maioridade, poderia propor ação penal no que se refere a bem jurídico que lhe dissesse respeito. O Ministro Dias Toffoli salientou que o tema seria delicado por envolver relações e dramas familiares, e que não caberia ao Estado invadir essa problemática. O Ministro Gilmar Mendes frisou o princípio da proteção insuficiente para afirmar que a decisão da Corte não poderia implicar esvaziamento da tutela do bem jurídico no caso concreto.
Por sua vez, os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber também denegaram a ordem, mas o fizeram com fulcro na não recepção, pela Constituição, do art. 225 do CP, na redação anterior à Lei 12.015/2009, na parte em que estabelecia ser privada a ação penal quando o crime fosse cometido contra criança ou adolescente. O Ministro Edson Fachin apontou que o dispositivo viola o art. 227 da CF. Condicionar o exercício do poder punitivo estatal em crimes graves à iniciativa dos representantes legais de crianças ou adolescentes não cumpriria com o ditame de assegurar a essas pessoas, com prioridade, o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade. Ademais, a regra nova do preceito penal em comento não retroagiria, uma vez que prevalecia o disposto no art. 100 do CP, desde a entrada em vigor da Constituição. Portanto, a ação penal, na hipótese, sempre seria pública. Além disso, assentou que o princípio da retroatividade de norma penal mais benéfica aplica-se às leis penais, e não a entendimentos jurisprudenciais. Seria possível, contudo, que certo posicionamento tivesse efeitos retroativos apenas se dissesse respeito à tipicidade ou não de determinada conduta, mas, no caso, se cuidaria da legitimidade ativa para exercício da ação penal. Ainda que essa legitimidade pudesse influir na punibilidade, não se poderia sustentar que alguém tem o direito subjetivo de não ser punido porque, no momento em que praticado o fato, entendia-se que a titularidade da ação penal pertencia a outrem, de acordo com a orientação jurisprudencial dominante à época. Vencidos os Ministros Teori Zavascki (relator), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski (Presidente), que concediam parcialmente a ordem para reconhecer a ilegitimidade ativa do Ministério Público, com o consequente arquivamento dos autos.

Informações Gerais

Número do Processo

123971

Tribunal

STF

Data de Julgamento

25/02/2016