Plenitude de defesa no Tribunal do Júri e controle judicial da pertinência da prova
A Constituição prescreve a plenitude de defesa como postulado fundamental do Tribunal do Júri, nos termos de seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea a. E não há dúvida de que o direito à prova é instrumento para o exercício adequado daquele princípio. Todavia, o direito à produção de provas não é absoluto. Ao magistrado é conferida discricionariedade para indeferir, em decisão fundamentada, as provas que reputar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes. A discricionariedade judicial é balizada pela avaliação dos critérios da objetividade e da pertinência da prova. No caso em análise, nada obstante a prova pretendida ter sido, inicialmente, deferida pelo magistrado de primeiro grau, a renovação da perícia no celular da vítima por meio do software da Cellebrite não denota pertinência e objetividade para o deferimento. A perícia foi devidamente realizada no telefone do acusado. Não parece lógico, portanto, o pedido de exame no celular da vítima para apuração de comunicação com o paciente. Isso porque, necessariamente, qualquer interlocução entre acusado e vítima, mesmo apagada, estaria registrada nos dois aparelhos. Ademais, não há fundamento constitucional ou legal para que se promova investigação inespecífica no celular da vítima, uma vez que não é papel do Estado procurar provas que se supõe que possam existir sem qualquer delimitação, especialmente, envolvendo cooperação com outros Estados da Federação. A prova deve se destinar a um objetivo certo e delimitado, sob pena, inclusive, de violação da garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, Constituição da República). Logo, não se pode deferir investigação de conversas da vítima com terceiros com base em mera suposição da existência de informações relevantes. Tal provimento constituiria, por certo, providência especulativa, visto que inexistente qualquer outro elemento de prova, ainda que indiciário, que indique sua pertinência. Frise-se que o critério judicial para o deferimento de provas é mecanismo que visa assegurar a tutela dos direitos e garantias individuais daqueles que são submetidos à jurisdição. Assim, o magistrado deve atenção aos limites constitucionais na produção da prova, de modo que tem o dever de evitar provas impertinentes e que se mostrem meramente especulativas.
Dedutibilidade de contribuição extraordinária à previdência complementar na base de cálculo do IRPF
Da dicção dos arts. 19 e 21 da Lei Complementar n. 109/2001, extrai-se que todas as contribuições destinadas à constituição de reservas, sejam elas classificadas como contribuição normal ou extraordinária, têm como objetivo final o pagamento dos benefícios de caráter previdenciário. Assim, é inviável concluir que os valores vertidos pelo participante, em razão da constatação de que as reservas financeiras do fundo estão deficitárias e devem ser recompostas, possam ter função outra se não a garantia de que o benefício acordado será devidamente adimplido. Nesse sentido, os arts. 8º, II, e, da Lei n. 9.250/1995 e 11 da Lei n. 9.532/1999, explicitam regras para dedução das contribuições feitas aos planos de previdência privada da base de cálculo do imposto de renda, as quais são consideradas despesas dedutíveis até o limite de 12% do total dos rendimentos computados da base de incidência do referido tributo. De fato, esses dispositivos não trazem qualquer diferenciação entre as espécies de contribuições pagas pelos participantes ao plano de previdência privada - normais ou extraordinárias. A única exigência legal é de que essas sejam "destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social", redação bastante similar àquela adotada no caput do art. 19 da Lei Complementar n. 109/2001. Não é demais reiterar que as contribuições pagas pelo participante para custear déficit do plano de previdência privada também servem para garantir o cumprimento do objetivo principal almejado por quem adere ao plano, ou seja, de manter o recebimento dos benefícios acordados, na forma como estipulado à época da inscrição. Assim, as contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos.
Direito da Defensoria Pública a honorários sucumbenciais contra quaisquer entes públicos
O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.108.013/RJ, submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC/1973, firmou tese, descrita no Tema Repetitivo n. 129, reconhecendo à Defensoria Pública o direito ao recebimento dos honorários advocatícios quando a atuação se dá contra ente federativo diverso do qual é parte integrante. Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal, no RE 1.140.005/RJ, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral da tese sobre a possibilidade de os entes federativos pagarem honorários advocatícios às Defensorias Públicas que os integram, correspondente ao Tema 1002/STF, sob o argumento de que "as Emendas Constitucionais n. 74/2013 e n. 80/2014, que asseguraram autonomia administrativa às Defensorias Públicas, representaram alteração relevante do quadro normativo, o que justifica a rediscussão da questão". Nesse panorama, o STF deu provimento ao recurso extraordinário em discussão para condenar a União ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública da União, nos termos do art. 85 do CPC, fixando-se as teses de que "1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra; 2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição". Com efeito, constata-se que o Supremo Tribunal, por unanimidade, ao considerar a autonomia administrativa, funcional e financeira atribuída à Defensoria Pública, concluiu pela ausência de subordinação ao poder executivo, e consequente superação do argumento de confusão patrimonial. Portanto, é assegurado o pagamento de honorários sucumbenciais à instituição, quando represente a parte vencedora, independentemente do ente público litigante.
Lei 14.550/2023 preserva natureza cautelar penal das medidas protetivas e institui fase pré-cautelar
A Lei n. 14.550/2023 incluiu três novos parágrafos ao art. 19 da Lei n. 11.340/2006, relativamente à disciplina das medidas protetivas de urgência. A alteração legislativa veio a reforçar que a concessão da medida protetiva, ou seja, o ato inicial, urgente e imediato de se deferir a medida para tutelar a vida e a integridade física e psíquica da vítima, prescinde de qualquer formalidade e repele qualquer obstáculo que possa causar morosidade ou embaraço à efetividade da proteção pretendida. Assim, não se deve perquirir, neste primeiro momento, se há perfeita compatibilidade entre a conduta narrada pela vítima como praticada pelo agressor e alguma figura típica penal. Tampouco se deve exigir o registro de boletim de ocorrência, e menos ainda a existência de inquérito ou de ação cível ou penal. O que se busca é a celeridade da tutela estatal e, com ela, a efetividade da medida protetiva, que cumpre sua finalidade ao impedir a concretização da ameaça, a continuidade da prática ou o agravamento do ato lesivo contra a mulher. Nesse cenário, as medidas protetivas deferidas nos termos do § 5º do art. 19 da Lei n. 11.340/2006 devem ser consideradas como pré-cautelares, pois precedem a uma cautelar propriamente dita, e tem como objetivo a paralisação imediata do ato lesivo praticado ou em vias de ser praticado pelo agressor. Enquanto pré-cautelares, as medidas protetivas podem ser concedidas em caráter de urgência, de forma autônoma e independente de qualquer procedimento, podendo até mesmo ser deferidas pelo próprio delegado ou pelo policial, na hipótese do art. 12-C da Lei n. 11.340/2006. As medidas protetivas de urgência não perdem a natureza cautelar, mesmo depois da Lei n. 14.450/2023, mas apenas ganham uma fase pré-cautelar, à luz do art. 19, § 5º, da Lei n. 11.340/2006. Após o momento inicial de cessação do risco imediato, as medidas seguem o procedimento cautelar tal como antes. Ademais, estão mantidos os aspectos das medidas protetivas de urgência que denotam a sua natureza penal (incisos I, II e III do art. 22): o envolvimento de valores fundamentais da vítima (vida, integridade física, psicológica e mental) e do suposto autor (liberdade de ir e vir); a possibilidade de decretação de prisão em caso de renitência no descumprimento das medidas protetivas pelo agressor; o paralelismo existente entre as medidas protetivas da Lei Maria da Penha e as medidas cautelares penais alternativas à prisão previstas no art. 319, II e III, do CPP. No caso em análise, as medidas deferidas referem-se à proibição de aproximação da ofendida e das testemunhas e proibição de estabelecer contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, previstas no art. 22, II e III, da Lei Maria da Penha, todas de cunho penal, de modo que o recurso de apelação defensivo deve ser revisado sob o prisma do Direito Processual Penal. Portanto, mantém-se a orientação há muito firmada nesta Corte - e reiterada no julgamento do REsp 2.009.402/GO - no sentido de que as medidas protetivas de urgência previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei n. 11.340/2006 são medidas cautelares de natureza criminal, devendo a elas ser aplicado o procedimento previsto no CPP, com aplicação apenas subsidiária do CPC.
Dedutibilidade do ágio no IRPJ e CSLL em reorganizações societárias
A controvérsia principal dos autos consiste em saber se agiu bem o Fisco ao promover a glosa de despesa de ágio amortizado pela recorrida com fundamento nos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, sob o argumento de não ser possível a dedução do ágio decorrente de operações internas (entre sociedades empresárias dependentes) e mediante o emprego de "empresa-veículo". Ágio, segundo a legislação aplicável na época dos fatos narrados na inicial, consistiria na escrituração da diferença (para mais) entre o custo de aquisição do investimento (compra de participação societária) e o valor do patrimônio líquido na época da aquisição (art. 20 do Decreto-Lei n. 1.598/1977). Em regra, apenas quando há a alienação, liquidação, extinção ou baixa do investimento é que o ágio a elas vinculado pode ser deduzido fiscalmente como custo, para fins de apuração de ganho ou perda de capital. A exceção à regra da indedutibilidade do ágio está inserida nos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, os quais passaram a admitir a dedução quando a participação societária é extinta em razão de incorporação, fusão ou cisão de sociedades empresárias. A exposição de motivos da Medida Provisória n. 1.602/1997 (convertida na Lei n. 9.532/1997) visou limitar a dedução do ágio às hipóteses em que fossem acarretados efeitos econômico-tributários que o justificassem. O Código Tributário Nacional autoriza que a autoridade administrativa promova o lançamento de ofício quando "se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação" (art. 149, VII) e também contém norma geral antielisiva (art. 116, parágrafo único), a qual poderia, em última análise, até mesmo justificar a requalificação de negócios jurídicos ilícitos/dissimulados, embora prevaleça a orientação de que a "plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer os procedimentos a serem seguidos" (STF, ADI 2446, rel. Min. Carmen Lúcia). Embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o "propósito negocial" das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre "partes dependentes" (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via "empresa-veículo"; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico. Do ponto de vista lógico-jurídico, as premissas nas quais assentadas o Fisco não resultam automaticamente na conclusão de que o "ágio interno" ou o ágio resultado de operação com o emprego de "empresa-veículo" impediria a dedução do instituto em exame da base de cálculo do lucro real, especialmente porque, até 2014, a legislação era silente nesse sentido. Quando desejou excluir, de plano, o ágio interno, o legislador o fez expressamente (com a inclusão do art. 22 da Lei n. 12.973/2014), a evidenciar que, anteriormente, não havia vedação. Se a preocupação da autoridade administrativa é quanto à existência de relações exclusivamente artificiais (ex: absolutamente simuladas), compete ao Fisco, caso a caso, demonstrar a artificialidade das operações, mas jamais pressupor que a existência de ágio entre partes dependentes ou com o emprego de empresa-veículo já seria por si só, abusiva.