Limites à intervenção federal diante do descumprimento de ordem judicial de desocupação
A intervenção federal é medida de natureza excepcional, por limitar a autonomia do ente federado, com vistas a restabelecer o equilíbrio federativo, cujas hipóteses de cabimento encontram-se previstas taxativamente no art. 34 da Constituição Federal. A finalidade da intervenção consiste em resguardar a estrutura estabelecida na Constituição Federal, sobretudo quando se estiver diante de atos atentatórios praticados pelos entes federados. No caso, os documentos acostados evidenciam que o não cumprimento da ordem de desocupação não tem o condão de autorizar intervenção, medida excepcional, porque as circunstâncias dos fatos e justificativas apresentadas pelo ente estatal, no sentido de que viabilizar a desocupação mediante atuação estratégica de vários órgãos, aliada à necessidade de reassentamento das famílias em outro local, devem ser sopesadas com o direito dos requerentes. A excepcionalidade e a gravidade que circundam a intervenção federal, bem como a complexidade que emana do cumprimento da ordem de desocupação, sobrepõem-se ao interesse particular dos proprietários do imóvel. Não há como reconhecer tenha o ente estatal se mantido inerte, em afronta à decisão judicial, não havendo que se falar em recusa ilícita, a ponto de justificar a intervenção, porquanto a situação fática comprovada nos autos revela questão de cunho social e coletivo, desbordando da esfera individual dos requisitantes. A análise do pedido de intervenção federal perpassa inevitavelmente pela aplicação das normas constitucionais, encontrando solução imediata no princípio da proporcionalidade, e, em seguida, na tomada de novas medidas administrativas e, se for o caso, judiciais frente à realidade atual da área. Tal conclusão afigura-se ainda mais consentânea à hipótese, ao constatar-se que remanesce aos requerentes o direito à reparação, que pode ser exercido por meio de ação de indenização.
Cômputo do período de tratamento médico no limite trienal da internação socioeducativa
Cinge-se a questão a saber se durante o cumprimento de medida socioeducativa, caso seja determinada a submissão do adolescente a tratamento psiquiátrico (na forma do art. 64 da Lei n. 12.594/2012), o período de cuidado médico deve ser computado no prazo máximo de 3 anos da medida de internação, previsto no art. 121, § 3º, do ECA, ou, ao revés, a medida socioeducativa e o tratamento médico podem durar por prazo indeterminado. Como é de conhecimento geral, o ECA instituiu um regime disciplinar próprio ao adolescente em conflito com a Lei, pautado na tutela de seu melhor interesse e visando mais à reeducação do jovem do que, propriamente, a sua punição. Não obstante, é evidente que a imposição de qualquer das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA traz, em algum nível, gravame à posição jurídica do adolescente; é justamente por isso que se fala em uma natureza aflitiva na medida socioeducativa. Essa realidade fática impõe, dessarte, elevado grau de cuidado no manejo do instrumental jurídico do art. 112 do ECA e a observância de garantias básicas do adolescente em sua implementação. Vale ressaltar que nenhuma decisão judicial sobre o tema pode desconsiderar o referencial hermenêutico humanizador construído com a edição da Lei n. 12.594/2012, cujo art. 35 elenca os princípios gerais atinentes à execução das medidas socioeducativas. Logo, a correta aplicação do art. 64, § 4º, da Lei n. 12.594/2012, demanda um olhar atento aos princípios do SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, com destaque àqueles previstos nos incisos I, V, VII e VIII do sobredito art. 35. Assim, na execução de medida socioeducativa, ao adolescente não pode ser submetida a condição mais gravosa do que a aplicável a um adulto que tenha praticado a mesma conduta ilícita. A questão é que, no caso do art. 183 da LEP, este STJ entende que o prazo de cumprimento da medida não pode ultrapassar o tempo remanescente da pena imposta na sentença. Em outras palavras, considerando que a medida de segurança imposta ao apenado adulto que desenvolve transtorno mental no curso da execução, com espeque no art. 183 da LEP, tem sua duração limitada ao tempo remanescente da pena privativa de liberdade, não é possível impor regramento mais severo aos adolescentes. Tal compreensão alinha-se ao teor da Súmula 527/STJ, segundo a qual "o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado". Para a medida de internação, esse limite máximo é de 3 anos, previsto no art. 121, § 3º, do ECA. No mesmo sentido, o próprio princípio da não discriminação, previsto no inciso VIII do art. 35 da Lei do SINASE, proíbe que condições pessoais de saúde do adolescente impliquem agravamento na execução da medida socioeducativa, em estrita conformidade com o que preconiza o art. 14 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A correlação entre os arts. 35, VIII, e 64, § 4º, da Lei n. 12.594/2012, a propósito, é evidente e já foi detectada por nossa doutrina jurídica, para quem a situação de saúde do adolescente, por mais grave que seja, não autoriza a supressão de seus direitos individuais - como aquele previsto no art. 121, § 3º, do ECA. Desse modo, o período de tratamento deve ser computado no prazo de 3 anos, imposto pelo art. 121, § 3º, do ECA, como limite máximo à medida socioeducativa de internação, com a aplicação analógica do art. 183 da LEP, com a interpretação que lhe dá este Tribunal Superior, e da Súmula 527/STJ.
Legitimidade do Ministério Público para mandado de segurança em defesa coletiva e do patrimônio público
Conforme dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal, é função institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". O fato de o citado dispositivo constitucional indicar que o Ministério Público deve promover a Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público, obviamente, não o impossibilita de se utilizar de outros meios para a proteção de interesses e direitos constitucionalmente assegurados, difusos, coletivos, individuais e sociais indisponíveis, especialmente diante do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. A Constituição Federal outorga ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer o direito de ação nos termos de todas a normas, compatíveis com sua finalidade institucional. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 177 do CPC/2015: O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais. O art. 32, inciso I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei n. 8.625/1993, a, seu turno, preconiza expressamente que os membros do órgão ministerial podem impetrar Mandado de Segurança nos Tribunais Locais no exercício de suas atribuições. É evidente que a defesa dos direitos indisponíveis da sociedade, dever institucional do Ministério Público, pode e deve ser plenamente garantida por meio de todos os instrumentos possíveis, abrangendo não apenas as demandas coletivas, a de que são exemplo a Ação de Improbidade, Ação civil pública, como também os remédios constitucionais quando voltados à tutela dos interesses transindividuais e à defesa do patrimônio público material ou imaterial.
Nervosismo do abordado não configura fundada suspeita apta a autorizar busca pessoal
O art. 244 do Código de Processo Penal dispõe que "[a] busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar". Nesse particular, a execução da busca pessoal sem mandado, como medida autônoma, depende da presença de fundada suspeita da posse de objetos que constituam corpo de delito. Para tanto, ressalto que, conforme a doutrina, "não é suficiente, está claro, a mera conjectura ou desconfiança sobre tal posse, mas a suspeita amparada por circunstâncias objetivas que permitam uma grave probabilidade de que sejam encontradas as coisas mencionadas pela lei". Ocorre que, no caso dos autos, a busca pessoal realizada pelos policiais foi justificada apenas com base no fato de que o acusado, que estava em local conhecido como ponto de venda drogas, ao avistar a viatura policial, demonstrou nervosismo. No entanto, a percepção de nervosismo por parte do agente policial - ainda que posteriormente confirmada pela apreensão de objetos ilícitos - é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita, que exige mais do que mera desconfiança por parte dos agentes públicos.
Denúncia por organização criminosa isoladamente não justifica prisão preventiva sem fundamentação concreta
No que concerne à prisão preventiva, é cediço que a segregação cautelar é medida de exceção, devendo estar fundamentada em dados concretos, quando presentes indícios suficientes de autoria e provas de materialidade delitiva e quando demonstrada sua imprescindibilidade, nos termos do art. 312 do CPP. Dado seu caráter excepcional, deve ainda estar evidenciada a insuficiência de outras medidas cautelares, arroladas no art. 319 do CPP. Conquanto os tribunais superiores admitam a prisão preventiva para interrupção da atuação de integrantes de organização criminosa, a mera circunstância de o agente ter sido denunciado pelos delitos descritos na Lei n. 12.850/2013 não justifica a imposição automática da custódia prisional. Com efeito, deve-se avaliar a presença de elementos concretos, previstos no art. 312 do CPP, como o risco de reiteração delituosa ou indícios de que o grupo criminoso continua em atividade, colocando em risco à ordem pública. Assim, diante das peculiaridades de cada caso caso, pode ficar esvaziada a necessidade da custódia cautelar, sendo possível e suficiente a substituição da custódia prisional por outras medidas cautelares para garantia da ordem pública.