Inexigibilidade das astreintes após extinção sem mérito e impossibilidade de execução pelos herdeiros
Cinge-se a controvérsia a definir se a multa cominatória conserva sua exigibilidade após a extinção do processo sem resolução de mérito, podendo ser transferida aos herdeiros do autor da ação. A relatora concluiu que se a ação é personalíssima como na hipótese dos autos e sobrevém a morte da parte autora, a consequência inexorável é a extinção do processo sem resolução de mérito nos termos do art. 485, IV e IX, do CPC/2015. Nesse caso, as astreintes fixadas em tutela antecipatória não subsistem, sendo incabível a adição de herdeiros da autora nos autos para cobrar o que não é mais devido. O eventual dano causado pela parte ré decorrente da recalcitrância em cumprir a obrigação no tempo e mora devidos é questão a ser deduzida em ação própria. A ministra reconheceu os embargos de divergência, mas os rejeitou. O ministro Luis Felipe Salomão pediu vista, argumentando que o tema é muito relevante, pois se discute se o direito às astreintes é passível de ser transferível aos herdeiros. Segundo a jurisprudência pacífica, não é possível a execução provisória das astreintes e ela pode ser modificada a qualquer tempo. Porém, não há discussão sobre a natureza jurídica para efeito de transmissão. Pediu vista antecipada o ministro Og Fernandes.
Possibilidade de impugnação dos fundamentos do acórdão rescindendo via recurso especial
Inicialmente, anota-se que no acórdão embargado concluiu-se pelo não cabimento do recurso especial interposto em sede de ação rescisória, com base no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, porque não se limitara aos seus pressupostos de admissibilidade, impugnando, assim, diretamente o mérito do acórdão rescindendo. O aresto paradigma da Corte Especial, diversamente do aresto embargado, considerou que é viável recurso especial interposto contra acórdão proferido em ação rescisória, baseada no art. 485, V, do CPC/1973, que se insurge contra os fundamentos do acórdão rescindendo. O entendimento do acórdão paradigma mostra-se correto, especialmente quando relacionado ao disposto no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973 (atualmente art. 966, V, do CPC de 2015), pois se há alegação de violação a literal disposição de lei no acórdão recorrido, o mérito do recurso especial se confunde com os próprios fundamentos para a propositura da ação rescisória, autorizando o STJ a examinar também o acórdão rescindendo. É de se concluir, portanto, que, em relação a ações rescisórias ajuizadas com base no art. 485, V, do CPC de 1973, o recurso especial poderá ultrapassar os pressupostos da ação e chegar ao exame do seu mérito.
Cabimento de agravo de instrumento contra decisão que define a competência jurisdicional
Na origem, o Tribunal a quo não conheceu do agravo de instrumento, ao entendimento de que "não é cabível o manejo de agravo de instrumento contra decisão que declina competência, uma vez que não prevista esta hipótese no rol taxativo do art. 1.015 do Código de Processo Civil". Por seu turno, no julgamento do recurso especial, a Segunda Turma consignou, in verbis: "4. A interpretação do art. 1.015 do CPC/2015 deve ser, em regra, restritiva, não sendo possível o alargamento das hipóteses para contemplar situações não previstas taxativamente na lista estabelecida para o cabimento do Agravo de Instrumento; 5. As decisões relativas à competência, temática discutida nos presentes autos, estão fora do rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, não se enquadrando nas hipóteses dos incisos II e XIII. [...]". Ao revés, no acórdão paradigma, ficou consignado que "A decisão que define a competência relativa ou absoluta é semelhante à decisão interlocutória que versa sobre rejeição da alegação de convenção de arbitragem, prevista no art. 1.015, III, do CPC/2015 (porquanto visa afastar o juízo incompetente para a causa) e, como tal, merece tratamento isonômico a autorizar o cabimento do agravo de instrumento." (AgInt nos EDcl no REsp 1.731.330/CE, Rel. Ministro Lázaro Guimarães - Desembargador Convocado do TRF da 5.ª Região, Quarta Turma, DJe 27/08/2018). Como se vê, há patente dissidência entre as teses jurídicas adotadas no acórdão embargado e no paradigma, acerca da possibilidade em se recorrer de decisão que define competência por meio de agravo de instrumento. A propósito, a controvérsia foi objeto de julgamento desta Corte, sob o Rito dos Repetitivos, que adotou entendimento contrário ao esposado no acórdão embargado: "Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação." (REsp 1.704.520/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 19/12/2018). Por fim, conclui-se ser cabível a interposição de agravo de instrumento para impugnar decisão que define a competência.
Legitimidade da mãe para constituir advogado em nome dos filhos menores no inventário
O art. 1.691 do CC/2002 dispõe não poderem os pais "alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz". Sobre a questão, esta Corte já se pronunciou no sentido de que a contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, como ocorre na presente hipótese, configura ato de simples administração e independe de autorização judicial. A propósito: REsp 1.694.350/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 18/10/2018. Na hipótese, a mãe dos menores e únicos herdeiros contratou advogados para defender os interesses de seus filhos menores e pactuou honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados. Assim, embora se reconheça mais prudente, sem dúvida, a prévia obtenção de autorização judicial, tem-se que a atuação da genitora ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos configura exercício do poder familiar, compatível com o conceito de ato de simples administração, que pode prescindir da autorização judicial. Com efeito, estando aberta a sucessão do genitor dos menores, herdeiros legítimos e testamentários do morto, não poderiam os sucessores deixar de comparecer nos autos respectivos. E, para fazê-lo, necessitavam da constituição de patronos judiciais. A constituição válida de advogado para os filhos, passava necessariamente pela pessoa da única legítima representante dos menores, sua genitora. Ademais, não se tem nos autos informação sobre a existência de conflito de interesses entre os filhos menores e a mãe, de modo que é devido presumir-se tenha a genitora exercido o poder familiar no proveito, interesse e proteção de sua prole. Deve-se se considerar, inclusive, a provável hipótese de a genitora dos menores herdeiros e a inventariante, testamenteira e administradora dos bens deixados pelo pai dos menores, não se acreditarem mutuamente, nem se relacionarem bem a pondo de nutrirem confiança recíproca. Em tal contexto, de sentimento antagônico, de mútua desconfiança e insegurança, entre a genitora e a administradora dos bens, havia suficiente motivação a justificar a contratação, pela mãe em favor dos filhos, de advogados que pudessem acompanhar a adequada condução do inventário e a correta administração do espólio dos bens deixados por morte do genitor dos menores, verificando a existência de eventual conflito com os interesses dos herdeiros. Com isso, afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato. Porém, noutro aspecto, não se pode reconhecer, de imediato, a plena validade de todo o conteúdo material da contratação, a ponto de se lhe certificar os atributos de liquidez, certeza e exigibilidade em face dos menores contratantes, antes do exame desses aspectos substanciais pelo órgão ministerial, atuando no interesse dos menores, máxime quando há questionamento acerca do valor do ajuste.
Juros moratórios em cheque não apresentado incidem desde o primeiro ato de cobrança
Cinge-se a controvérsia sobre o termo inicial dos juros moratórios para a cobrança de cheque prescrito não apresentado para pagamento junto ao banco sacado. Esta Corte, no julgamento do Recurso Repetitivo 1.556.834/SP sedimentou o seguinte entendimento: "Em qualquer ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, a correção monetária incide a partir da data de emissão estampada na cártula, e os juros de mora a contar da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou câmara de compensação." (REsp 1556834/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 10/08/2016). Assim, consoante se extrai do referido julgado, o termo inicial dos juros de mora depende da apresentação da cártula à instituição financeira sacada, o que vai ao encontro do disposto no art. 52, inciso II, da Lei n. 7.357/1985, que dispõe sobre o cheque e dá outras providências. Na hipótese analisada, contudo, não houve apresentação do cheque ao banco sacado, ou tampouco a adoção de qualquer providência no sentido da cobrança da dívida. A apresentação não constitui requisito intrínseco para que se possa cobrar do emitente a dívida inserta na cártula, porém, nos termos da lei de regência, se efetivada a apresentação para pagamento ao banco sacado, os juros moratórios tem incidência a partir da referida data nos termos do artigo 52, inciso II da Lei n. 7357/1985. O ponto nodal é se quando não realizado tal procedimento - apresentação - os encargos moratórios incidentes ficariam protraídos para termo futuro ou retroagiriam para a data do vencimento da dívída ou da assinatura do título. O valor estampado na cártula constitui dívida líquida e com vencimento certo, o que, em princípio poderia atrair a aplicação do artigo 397 do Código Civil de 2002, antigo 960 do diploma civilista revogado, considerando-se em mora o devedor desde o vencimento. Tal compreensão, em princípio, e sem que se fizesse o devido distinguishing, viria ao encontro do entendimento sedimentado no âmbito da Corte Especial segundo o qual a circunstância da dívida ter sido cobrada por meio de ação monitória não interfere na data de início da fluência dos juros de mora, a qual recairia no dia do vencimento, conforme estabelecido pela relação de direito material. Entretanto, é imprescindível mencionar que essa assertiva, contrasta com o disposto no art. 52, inciso II, da Lei n. 7357/1985 - regra especial atinente ao título de crédito ora objeto de análise - e não observa o instituto duty to mitigate the loss. Com efeito, a inércia do credor jamais pode ser premiada, motivo pelo qual o termo inicial dos juros de mora deve levar em conta um ato concreto do interessado tendente a satisfazer o seu crédito. Como já referido, a Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985) possui regra expressa que disciplina os juros relacionados com a cobrança de crédito estampado neste título. Segundo o referido texto legal, os juros de mora devem ser contados desde a data da primeira apresentação do cheque pelo portador à instituição financeira, conforme previsto no art. 52, inciso II. Por força do disposto no normativo acima mencionado, a obrigação decorrente do cheque, a despeito de ser uma forma de pagamento à vista, ganha os contornos da mora ex persona, em virtude de ser um título cuja relação cambiária é tripartite - emitente (sacador): aquele que dá a ordem de pagamento; sacado: aquele que recebe a ordem de pagamento (o banco) e beneficiário (tomador, portador): é o favorecido da ordem de pagamento, ou seja, aquele que tem o direito de receber o valor escrito no cheque, não bastando para a configuração da mora o decurso do prazo estampado para o vencimento do título, por constituir ordem para que terceiro (banco sacado) realize o pagamento da quantia na cártula, ou seja, demanda, por este motivo, uma atuação comissiva do credor. A Corte Especial, em recentíssimo pronunciamento (EAREsp 502.132/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe 03/08/2021), procurou elucidar a questão envolvendo a mora do devedor, oportunidade na qual concluiu que "não é o meio judicial de cobrança da dívida que define o termo inicial dos juros moratórios nas relações contratuais, mas sim a natureza da obrigação ou a determinação legal de que haja interpelação judicial ou extrajudicial para a formal constituição do devedor em mora". Acrescentou, ainda, "que a mora do devedor pode se configurar de distintas formas, de acordo com a natureza da relação jurídico-material estabelecida entre as partes ou conforme exigência legal". Nesse contexto, em consonância ao entendimento firmado no Recurso Repetitivo 1.556.834/SP, no novo pronunciamento da Corte Especial (EAREsp 502.132/RS), com base no regramento especial da Lei n. 7.357/1985, a melhor interpretação a ser dada quando o cheque não for apresentado à instituição financeira sacada para a respectiva compensação, é aquela que reconhece o termo inicial dos juros de mora a partir do primeiro ato do credor no sentido de satisfazer o seu crédito, o que pode se dar pela apresentação, protesto, notificação extrajudicial, ou, como no caso concreto, pela citação (art. 219 do CPC/73 correspondente ao art. 240 do CPC/15).