Este julgado integra o
Informativo STF nº 572
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
Ao salientar a singularidade e a complexidade do caso, o Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a agravo regimental interposto por espólio e outros contra decisão que suspendera a execução de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para autorizar a liberação, via precatório, dos valores devidos aos agravantes em total não superior ao montante a ser fixado pelo juízo de primeiro grau, a título de parte incontroversa da causa, computando-se, para tal fim, os valores já pagos, e determinar ao juízo de primeiro grau a imediata realização de perícia judicial, caso seja necessária ao cumprimento do disposto no item anterior. Na espécie, a União fora condenada, em primeira instância, a entregar 200.000 pinheiros adultos ou a pagar indenização pelo valor equivalente em favor dos agravantes. Contra essa sentença, interpusera recursos, desprovidos, e ajuizara ação rescisória, julgada improcedente. Posteriormente, ela e o Ministério Público Federal ingressaram com ação civil pública em defesa do patrimônio público, tendo obtido a concessão de tutela antecipada para obstar qualquer pagamento e/ou levantamento de qualquer valor. O TRF da 4ª Região, ao julgar o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, dera parcial provimento ao recurso, para que os agravantes pudessem levantar apenas 50% dos valores do precatório suspenso, ficando o restante atrelado ao julgamento da ação civil pública. Sustentava a União, na suspensão de liminar, a ocorrência de grave lesão à ordem jurídica, administrativa e à economia pública, pelos seguintes motivos: a) o acórdão em apreço ocasionaria prejuízo irreparável e de grave monta aos cofres públicos, em face da liberação de vultosas quantias a pretexto de se saldar uma obrigação inexistente ou ineficaz; b) a existência de vícios que macularam o processo de origem; c) o equívoco dos critérios utilizados no acórdão guerreado e a ausência de elementos que demonstrassem os limites e a própria existência do débito imputado à União; d) a inoponibilidade da coisa julgada ante a ausência de eficácia da sentença proferida no juízo de origem por não haver observado o reexame necessário; e) a manifesta ilegitimidade para a causa dos autores da ação de conhecimento, a existência de erros no laudo pericial e a ofensa aos princípios constitucionais da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade; f) a dificuldade de reversão das importâncias aos cofres públicos, uma vez realizado qualquer pagamento; g) a ordem judicial atacada, da forma como proferida, violaria a ordem jurídica, tida esta como integrante da ordem pública, pois imporia à autoridade administrativa federal uma conduta contrária à lei. Salientou-se, inicialmente, que a decisão agravada apontaria como fundamento central a temeridade de se levantar qualquer valor antes do término do processo principal da ação civil pública. Explicou-se, entretanto, que a ação civil pública em comento não corresponderia a um processo principal, e sim estaria impedindo o pagamento decorrente do título judicial transitado em julgado já atacado sem êxito por meio de ação rescisória. Aduziu-se que se estaria diante efetivamente de uma proposta de reabertura de toda a discussão judicial já acobertada pelos efeitos da coisa julgada, os quais restaram íntegros mesmo após seu combate por meio da ação rescisória. Não obstante reconhecendo a louvável intenção de proteção ao erário pela União Federal e pelo Ministério Público Federal, considerou-se não ser possível perder de vista que a ação civil pública em discussão ganharia feição de ação rescisória. Asseverou-se, ademais, que a suspensão do acórdão do TRF da 4ª Região no presente momento poderia eventualmente evidenciar a ocorrência de dano inverso, e que a constatação desse possível dano inverso à segurança jurídica decorreria da suspensão de qualquer pagamento aos autores que teriam a seu favor os efeitos da presunção regular de anterior processo de conhecimento transitado em julgado. Registrou-se, entretanto, que, em 26.11.2009, fora prolatada sentença nos autos da citada ação civil pública, no sentido da parcial procedência da pretensão deduzida, entendendo o juízo que, no que se refere ao quantum debeatur, deveria ser relativizada a coisa julgada para a realização de nova perícia, a fim de analisar e afastar os indevidos excessos de execução. Ou seja, reputando procedente o pedido de relativização da coisa julgada, verificara erro material na decisão transitada em julgado, no que concerne à adoção de laudo imprestável. Determinara, assim, que fosse suprimida, para corrigi-lo, a parte liquidatória contida na decisão, mantendo a sentença nos demais aspectos não impugnados na inicial, para fins de refazimento ou retificação da liquidação, conforme a situação e os parâmetros verdadeiramente existentes ao tempo do laudo original, fixando-se, assim, nova indenização segundo o valor real. Asseverara, ainda, que o valor real da indenização e do excesso seria apurado mediante perícia judicial a ser realizada após o trânsito em julgado dessa decisão. Enfatizou-se que a decisão agravada teria como fundamento central a temeridade de se levantar qualquer valor antes do término do processo principal da ação civil pública, o qual continuaria, de certa forma, válido em face da sentença meritória da ação civil pública que concluíra provisoriamente pelo excesso indevido a título de quantum debeatur. Observou-se, no entanto, que a sentença seria peremptória para a manutenção dos efeitos da coisa julgada em relação à condenação da União em todos os termos da decisão judicial transitada em julgada à exceção da definição da quantia devida. Aduziu-se que isso apontaria para a perplexidade jurídica de imposição de uma moratória judicial indefinida para pagamento de qualquer valor devido aos agravantes, fato que ensejara o TRF da 4ª Região a determinar a liberação de metade do valor suspenso a título de valor incontroverso. Afirmou-se que, se tal fórmula não parecia ser adequada neste momento, diante da prolação da sentença mencionada, poder-se-ia pensar numa fórmula alternativa a resguardar todos os interesses jurídicos envolvidos. Ressaltou-se que, ao se cogitar, por exemplo, sobre a incidência anual de juros moratórios a serem pagos pela União sobre o montante devido, seja em relação aos cálculos de outubro de 2002, seja em relação a um valor menor, apurar-se-ia também um valor excessivo a crescer ininterruptamente até o trânsito em julgado da ação civil pública. Além disso, somando a esse montante a atualização monetária também devida, seria possível vislumbrar a potencialidade do dano inverso à economia pública, em que o erário acumula dívida exorbitante por ano para aguardar o trânsito em julgado de uma ação civil pública que certamente tramitará até as instâncias extraordinárias, sem contar a possibilidade de pleito rescisório posterior. Assim, diante do atual quadro fático e jurídico dos limites do sistema de contracautela, entendeu-se que não subsistiria razão para a manutenção da suspensão do acórdão do TRF da 4ª Região ante a superveniência da ação civil pública e a constatação da potencialidade da ocorrência de dano inverso, caso não pago qualquer valor devido aos agravantes, em termos de economia pública e de segurança jurídica. Reputou-se como solução adequada ao caso a determinação ao juízo de primeiro grau de fixação de parte incontroversa, que não pode mais ser a mesma adotada pela decisão do TRF da 4ª Região, a qual poderá ser liberada pela via do precatório como forma de atender aos interesses jurídicos envolvidos. Ademais, dada a relevância da causa e da potencialidade lesiva aos cofres públicos pela demora no deslinde da demanda, recomendou-se a celeridade no julgamento desta questão pelas instâncias ordinárias, juízo do primeiro grau e TRF da 4ª Região, observando-se o princípio da eficiência e a determinação constitucional de razoável duração do processo, para reduzir ao máximo os efeitos deletérios ao erário – juros de mora e atualização monetária – e aos agravantes, em decorrência do trâmite oneroso do processo principal. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que davam provimento integral ao recurso, para restabelecer o acórdão do TRF da 4ª Região — salientando a excepcionalidade das medidas de contracautela autorizadas pela legislação comum e asseverando, ademais, ser inadmissível a rediscussão, em ação civil pública, de coisa soberanamente julgada —, e a Min. Ellen Gracie, que mantinha a decisão agravada, por considerar não ser possível liberar nenhuma quantia antes da realização da perícia determinada, ou seja, antes do conhecimento do quanto devido.
Informações Gerais
Número do Processo
172
Tribunal
STF
Data de Julgamento
18/12/2009