Infidelidade Partidária e Vacância de Mandato

STF
482
Direito Constitucional
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 482

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Tribunal julgou, em conjunto, três mandados de segurança impetrados pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, pelo Partido Popular Socialista - PPS e pelo Partido Democratas - DEM (antigo Partido da Frente Liberal - PFL), em face de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que indeferira requerimento por eles formulado — no sentido de declarar a vacância dos mandatos exercidos por Deputados Federais que se desfiliaram dessas agremiações partidárias —, sob o fundamento de não figurar a hipótese de mudança de filiação partidária entre aquelas expressamente previstas no § 1º do art. 239 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (“Art. 239. A declaração de renúncia do Deputado ao mandato deve ser dirigida por escrito à Mesa, e independe de aprovação da Câmara, mas somente se tornará efetiva e irretratável depois de lida no expediente e publicada no Diário da Câmara dos Deputados. § 1º Considera-se também haver  renunciado: I - o Deputado que não prestar compromisso no prazo estabelecido neste Regimento; II - o Suplente que, convocado, não se apresentar para entrar em exercício no prazo regimental.”). Relativamente ao mandado de segurança impetrado pelo PSDB, de relatoria do Min. Celso de Mello, o Tribunal, por maioria, indeferiu o writ. Na espécie, a impetração mandamental fora motivada pela resposta dada pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE à Consulta 1.398/DF na qual reconhecera que os partidos políticos e as coligações partidárias têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, se, não ocorrendo razão legítima que o justifique, registrar-se ou o cancelamento de filiação partidária ou a transferência para legenda diversa, do candidato eleito por outro partido. Entendeu-se correta a tese acolhida pelo TSE. Inicialmente, expôs-se sobre a essencialidade dos partidos políticos no processo de poder e na conformação do regime democrático, a importância do postulado da fidelidade partidária, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, o caráter eminentemente partidário do sistema proporcional e as relações de recíproca dependência entre o eleitor, o partido político e o representante eleito. Afirmando que o caráter partidário das vagas é extraído, diretamente, da norma constitucional que prevê o sistema proporcional (CF, art. 45, caput: “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.”), e que, nesse sistema, a vinculação entre candidato e partido político prolonga-se depois da eleição, considerou-se que o ato de infidelidade, seja ao partido político, seja ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa, quando não precedido de uma justa razão, uma inadmissível ofensa ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas não apenas causam surpresa ao próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem, privando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas, mas acabam por acarretar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, em fraude à vontade popular e afronta ao próprio sistema eleitoral proporcional, a tolher, em razão da súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política. Asseverou-se que o direito reclamado pelos partidos políticos afetados pela infidelidade partidária não surgiria da resposta que o TSE dera à Consulta 1.398/DF, mas representaria emanação direta da própria Constituição que a esse direito conferiu realidade e deu suporte legitimador, notadamente em face dos fundamentos e dos princípios estruturantes em que se apóia o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, I, II e V). Ressaltou-se não se tratar de imposição, ao parlamentar infiel, de sanção de perda de mandato, por mudança de partido, a qual não configuraria ato ilícito, não incidindo, por isso, o art. 55 da CF, mas de reconhecimento de inexistência de direito subjetivo autônomo ou de expectativa de direito autônomo à manutenção pessoal do cargo, como efeito sistêmico-normativo da realização histórica da hipótese de desfiliação ou transferência injustificada, entendida como ato culposo incompatível com a função representativa do ideário político em cujo nome o parlamentar foi eleito. Aduziu-se que, em face de situações excepcionais aptas a legitimar o voluntário desligamento partidário — a mudança significativa de orientação programática do partido e a comprovada perseguição política —, haver-se-á de assegurar, ao parlamentar, o direito de resguardar a titularidade do mandato legislativo, exercendo, quando a iniciativa não for da própria agremiação partidária, a prerrogativa de fazer instaurar, perante o órgão competente da Justiça Eleitoral, procedimento no qual, em observância ao princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV), seja a ele possível demonstrar a ocorrência dessas justificadoras de sua desfiliação partidária. Afastou-se a alegação de que o Supremo estaria usurpando atribuições do Congresso Nacional, por competir a ele, guardião da Constituição, interpretá-la e, de seu texto, extrair a máxima eficácia possível. De igual modo, rejeitou-se a assertiva de que o prevalecimento da tese consagrada pelo TSE desconstituiria todos os atos administrativos e legislativos para cuja formação concorreram parlamentares infiéis, tendo em conta a possibilidade da adoção da teoria do agente estatal de fato. Diante da mudança substancial da jurisprudência da Corte acerca do tema, que vinha sendo no sentido da inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados, e atento ao princípio da segurança jurídica, reputou-se necessário estabelecer um marco temporal a delimitar o início da eficácia do pronunciamento da matéria em exame. No ponto, fixou-se a data em que o TSE apreciara a Consulta 1.398/DF, ou seja, 27.3.2007, ao fundamento de que, a partir desse momento, tornara-se veemente a possibilidade de revisão jurisprudencial, especialmente por ter intervindo, com votos concorrentes, naquele procedimento, três Ministros do Supremo. No caso concreto, entretanto, verificou-se que todos os parlamentares desligaram-se do partido de origem, pelo qual se elegeram, e migraram para outras agremiações partidárias, em datas anteriores à apreciação daquela consulta. Os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa indeferiram a ordem por fundamentos diversos. O Min. Eros Grau considerou haver dúvida razoável a comprometer a liquidez e certeza do direito alegado pelo impetrante, haja vista que os parlamentares teriam informado que deixaram os quadros do partido por mudança do ideário da agremiação e de perseguições políticas internas, cuja apuração demandaria adequada instrução probatória, incabível na via eleita. Aduziu, ademais, não encontrar, na Constituição Federal, tendo em conta o disposto no seu art. 55, seus incisos e §§ 2º e 3º, preceito do qual se pudesse extrair a afirmação da competência do Presidente da Câmara dos Deputados para declarar a vacância e convocar os suplentes, sem prévia manifestação do Plenário ou da Mesa dessa Casa Legislativa, e após o pleno exercício, pelos parlamentares, de ampla defesa, aos quais, ainda que não se aplicassem aqueles dispositivos, acudiria o previsto no art. 5º, LV, da CF. Ressaltou, ainda, que a Constituição não prescreve a perda de mandato ao parlamentar que solicite cancelamento de filiação partidária ou, eleito por uma legenda, transfira-se para outra. No ponto, esclareceu que a Emenda Constitucional 1/69 estabelecia o princípio da fidelidade partidária, o qual veio a ser suprimido pela Emenda Constitucional 25/85, não o tendo adotado a vigente Constituição, que, no rol taxativo de causas de perda de mandato elencadas no seu art. 55, não inseriu a desfiliação partidária. Concluiu que a criação de hipótese de perda de mandato parlamentar pelo Judiciário, fazendo as vezes de Poder Constituinte derivado, afrontaria os valores fundamentais do Estado de Direito. O Min. Ricardo Lewandowski levou em conta as peculiaridades do caso, e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, bem como do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Confirmando a assertiva de que a EC 25/85 suprimira a sanção de perda de mandato por infidelidade partidária, aduziu que a mudança de partidos, no caso, ocorrera de forma coerente com a jurisprudência até então firmada pela Corte, e alertou sobre os sérios problemas que poderiam advir da adoção do entendimento do TSE retroativamente. Também entendeu não haver direito líquido e certo, diante da necessidade de dilação probatória, com observância do devido processo legal, acerca dos motivos da desfiliação. O Min. Joaquim Barbosa, de início, asseverou, tendo em vista o disposto no art. 45 da CF, que o titular derradeiro do poder é o povo, em nome do qual agem os representantes, razão por que afirmou ter dificuldade em admitir, como decidira o TSE, que a fonte de legitimidade de todo o poder estivesse nos partidos, pois isso levaria ao alijamento do eleitor do processo de manifestação de sua vontade soberana. No mais, manifestou-se no mesmo sentido dos votos divergentes quanto à ausência de direito líquido e certo e de previsão constitucional da sanção de perda de mandato, frisando, por fim, a impossibilidade de retroação da decisão ante o princípio da segurança jurídica. Vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que concediam a ordem tal como requerida, estabelecendo, como marco temporal para aplicação do princípio da fidelidade partidária, a atual legislatura, iniciada em fevereiro de 2007.

Informações Gerais

Número do Processo

26604

Tribunal

STF

Data de Julgamento

04/10/2007