Inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”

STF
1105
Direito Constitucional
Direito Penal
Direito Processual Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1105

Comentário Damásio

Resumo

É inconstitucional — por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), da proteção à vida (CF/1988, art. 5º, “caput”) e da igualdade de gênero (CF/1988, art. 5º, I) — o uso da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres, seja no curso do processo penal (fase pré-processual ou processual), seja no âmbito de julgamento no Tribunal do Júri.

Conteúdo Completo

É inconstitucional — por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), da proteção à vida (CF/1988, art. 5º, “caput”) e da igualdade de gênero (CF/1988, art. 5º, I) — o uso da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres, seja no curso do processo penal (fase pré-processual ou processual), seja no âmbito de julgamento no Tribunal do Júri.

A técnica jurídica não reconhece essa tese como uma das hipóteses excludentes de ilicitude (CP/1940, arts. 23, II, e 25), eis que o ordenamento jurídico prevê que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal (CP/1940, art. 28, I). 

No Tribunal do Júri, a referida tese é usualmente suscitada, dada a prevalência da plenitude da defesa (CF/1988, art. 5º, XXXVIII), a qual admite a apresentação de argumentos extrajurídicos. Todavia, a “legítima defesa da honra” configura recurso argumentativo odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no País.  

Logo, independentemente de ser invocado como argumento não jurídico inerente à plenitude da defesa, o uso da referida tese induz à nulidade do respectivo ato e do julgamento, porque representa prática destituída de técnica e incompatível com os objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I e IV), além de ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida. 

Nesse contexto, a ordem constitucional vigente impõe ao Estado não somente a obrigação de criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, mas o dever de não ser conivente e de não estimular tais comportamentos (CF/1988, art. 226, § 8º). 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a arguição para: (i) firmar o entendimento de que a tese da “legítima defesa da honra” é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero; (ii) conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 23, II, e 25, caput e parágrafo único, ambos do Código Penal (1), e ao art. 65 do Código de Processo Penal (2), de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de “legítima defesa da honra” (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento; (iv) diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade, na hipótese de a defesa ter-se utilizado da tese com esta finalidade; e (v) conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal (3), para entender que não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da “legítima defesa da honra”. 
 
(1) CP/1940: “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: ¿(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (...) II - em legítima defesa; ¿¿(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (...) Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. ¿(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” 

(2) CPP/1941: “Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.” 

(3) CPP/1941: “Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: ¿(Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) (...) III – se o acusado deve ser absolvido; ¿(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (...) § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: ¿(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) O jurado absolve o acusado?”

Legislação Aplicável

CF/1988: art. 1º, III; art. 3º, I e IV; art. 5º, “caput”, I, XXXVIII; e art. 226, § 8º.
CP/1940: art. 23, II; art. 25; e art. 28, I.
CPP/1941: art. 65; art. 483, III, § 2º.

Informações Gerais

Número do Processo

779

Tribunal

STF

Data de Julgamento

01/08/2023