Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 30 de ago. de 2007
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O princípio da irredutibilidade de vencimentos alcança todos os servidores, inclusive os que não mantêm vínculo efetivo com a Administração Pública. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado por ocupante de cargo em comissão no Tribunal Superior Eleitoral - TSE contra decisão do Tribunal de Contas da União - TCU que suprimira de seus vencimentos a parcela denominada “diferença individual”, concernente à gratificação judiciária (Decreto-lei 2.173/84) e à gratificação extraordinária dos servidores da Justiça Eleitoral (Lei 7.759/89), e determinara a devolução dos valores recebidos a esse título. Alegava a impetrante ter direito líquido e certo à referida parcela, porquanto teria sofrido decréscimo pecuniário no montante total de sua remuneração — v. Informativo 442. Tendo em conta que o art. 37, XV, da CF, ao estabelecer a irredutibilidade de subsídios e vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, não distinguiu entre cargos efetivos ou em comissão, concluiu-se que não poderia ter havido decesso na remuneração da impetrante enquanto ela estivesse exercendo o cargo comissionado. Asseverou-se que o servidor ocupante exclusivamente de cargo em comissão que vê, por efeito de lei, o seu estipêndio reduzido, continua a perceber o estipêndio anterior com essa parcela, que foi reduzida, sendo recebida a título de vantagem pessoal nominalmente identificável. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ellen Gracie, Presidente, que indeferiam a ordem. O Min. Eros Grau, relator, reajustou seu voto. Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu pela procedência de pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “no máximo, trinta e cinco”, contida no caput do art. 122 da Constituição do Estado da Bahia, que fixa o número máximo de Desembargadores a compor o tribunal de justiça local — v. Informativo 417. Entendeu-se que a expressão impugnada estaria em conflito com o art. 96, II, a, da CF (“Art. 96. Compete privativamente: ... II - ... aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores”), haja vista que o tribunal de justiça local, por não ter a iniciativa de emenda à constituição, perderia a mencionada iniciativa de projeto de lei, prejudicando a própria prestação jurisdicional. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, relator, Nelson Jobim, Joaquim Barbosa e Celso de Mello, que julgavam o pedido improcedente.
Por entender usurpada a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF, art. 22, I), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.562/2000, do referido Estado-membro, que veda qualquer ato discriminatório ou atentatório contra a mulher no decorrer de processo seletivo para sua admissão ao trabalho, durante a jornada de trabalho ou no momento de sua demissão, elenca tais atos, e sujeita as empresas e seus dirigentes, no caso de descumprimento, a sanções administrativas que prevê. Ressaltou-se, ademais, que a Lei federal 9.799/99, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, expressamente estabeleceu normas de proteção especial ao trabalho da mulher, aplicáveis em todo o território nacional, de modo que a declaração de inconstitucionalidade da norma atacada não deixaria lacuna legal que inviabilizasse a concretização dos direitos das mulheres no âmbito do trabalho.
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do art. 251 da Constituição do Estado do Mato Grosso — que confere ao referido Estado-membro a titularidade do patrimônio científico-cultural referente às formas de expressão, às criações artísticas, culturais e tecnológicas, aos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, espeleológico, paleontológico, arqueológico, ecológico e científico —, e da Lei estadual 7.782/2002, que declara integrante do patrimônio científico-cultural do Estado, os sítios paleontológicos e arqueológicos localizados nos seus Municípios, e condiciona a coleta de fósseis e materiais arqueológicos, bem como sua exploração socioeconômica e transporte, nas áreas por ela tratadas, ao controle exercido por instituto estadual. Entendeu-se que as leis impugnadas ofendem os artigos 20, IX e X; 22, I; 23, III; e 216, V, todos da CF, pois usurpam a competência privativa da União para legislar sobre direito de propriedade, atribuem ao Estado de Mato Grosso a titularidade de bens pertencentes à União e que constituem o patrimônio cultural brasileiro, assim como excluem, dos demais entes da federação, a responsabilidade comum de proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. Precedente citado: ADI 2544/RS (DJU de 17.11.2006).
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 6.835/2001, de iniciativa parlamentar, que autoriza a inclusão dos nomes de inadimplentes com a Fazenda do Estado em bancos de proteção de crédito e no CADIN. Entendeu-se, tendo em conta o princípio da simetria, que a lei impugnada usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para deflagrar projeto de lei que disponha sobre organização administrativa (CF, art. 61, § 1º, b), bem como para exercer a direção superior da administração estadual (CF, art. 84, VI, a), porquanto cria nova atribuição a órgão integrante do Poder Executivo estadual.
Aplicando o Enunciado da Súmula Vinculante nº 2 do STF (“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do Decreto fluminense 25.723/99, que dispõe sobre a exploração do serviço de loterias de bingo pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro - LOTERJ e dá outras providências. O Min. Marco Aurélio, relator, fez ressalva quanto ao seu entendimento sobre a matéria, reportando-se ao voto que proferira no julgamento da ADI 2847/DF (DJU de 25.8.2004).
Tendo em conta as peculiaridades do caso, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem em extradição, ajuizada pelo Governo dos Estados Unidos da América, no sentido de determinar-se o relaxamento da prisão do extraditando, bem como a remessa dos autos ao Ministério Público Federal, para coleta de parecer e julgamento definitivo do pedido. Na espécie, o extraditando encontrava-se preso, para fins de extradição, por aproximadamente 15 meses em virtude da insuficiência da documentação anexada ao pedido, não obstante as diversas diligências visando a sua complementação, as quais não foram atendidas pelo Estado requerente. Entendeu-se que o preceito da Lei 6.815/80 — que estabelece a permanência da prisão do extraditando até a apreciação final do pedido — não poderia ser levado às últimas conseqüências, merecendo interpretação consentânea com o arcabouço normativo constitucional, com a premissa de que, sendo a prisão preventiva exceção, ela deve ter limite temporal. Nesse sentido, aduziu-se que a boa reputação do extraditando no território nacional, o fato de aqui residir há mais de 40 anos e a circunstância de não haver ingressado no Brasil para fugir à persecução criminal em outro país deveriam ser considerados para sopesar-se a razoabilidade da prisão preventiva. Assim, reconhecido o excesso de prazo da custódia do extraditando, por culpa do Governo requerente, ordenou-se a expedição do alvará de soltura em seu favor, a ser cumprido com as seguintes cautelas: a) o depósito do passaporte do extraditando no STF; b) a advertência ao extraditando, na presença dos profissionais da advocacia que o assistem, da impossibilidade de, sem autorização desta Corte, deixar o Estado de São Paulo, o domicílio que tem no referido Estado; c) a obrigação de atender aos chamamentos judiciais, embora, na hipótese, já tenha havido a instrução do processo em termos de apresentação de defesa e interrogatório; d) o registro da valia deste ato, no que o Poder Judiciário credita-lhe confiança a ponto de mantê-lo em liberdade ante o pedido de extradição. Vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello que, na linha da orientação firmada pela Corte, indeferiam liminarmente o pedido, porquanto não atendidas as várias solicitações do STF para que a deficiência da instrução fosse sanada.
Por entender presentes indícios de autoria e materialidade, o Tribunal recebeu, em parte, denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra 40 pessoas acusadas da suposta prática dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato, corrupção passiva e ativa (CP, artigos 288, 299, 312, 317 e 333, respectivamente), lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V, VI e VII), gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas (Lei 7.492/86, artigos 4º, 22 e parágrafo único), todos ligados ao esquema denominado “Mensalão”. Inicialmente, o Tribunal resolveu questões de ordem apresentadas pela Presidente, Min. Ellen Gracie, a fim de garantir o bom andamento dos trabalhos, no sentido de: a) nomear um defensor substituto a um dos acusados, verificada a ausência de comparecimento de advogado constituído, para o só efeito de representação no ato de apreciação da denúncia, com base na regra inscrita no art. 261, segundo a qual nenhum acusado será processado ou julgado sem defensor, e na prerrogativa do art. 265, ambos do CPP; b) indeferir o pedido de adiamento da sessão formulado por um dos causídicos, ante a falta de razoabilidade; c) indeferir, da mesma forma, o requerimento formulado pelo Procurador-Geral da República de alargar o prazo para sustentação oral; d) conceder prazo em dobro, para sustentação oral, a defensor de dois acusados, estendendo idêntico tratamento aos demais denunciados; e) indeferir requerimento formulado por defensor de um acusado relativamente à ordem do julgamento, haja vista que o procedimento sugerido ocasionaria mais tumulto processual e delonga, não encontrando, ademais, amparo legal. No que se refere à penúltima questão de ordem, o Min. Marco Aurélio divergiu para votar no sentido da observância do prazo simples, considerando o fato de ter-se, na espécie, denúncia formalizada contra acusados com defensor único. O Tribunal, por maioria, ainda superou o reparo feito pelo Min. Marco Aurélio em questão de procedimento, o qual, tendo em conta a notícia de que um dos envolvidos não apresentara defesa prévia, entendia que, assim como se procedera quanto à sustentação oral, deveria ter havido, naquele caso, designação dativa, para não ficar o acusado indefeso no procedimento. O Tribunal, da mesma forma, afastou todas preliminares levantadas pelos advogados dos denunciados referentes à: a) incompetência do Supremo para julgar acusados sem prerrogativa de foro perante esta Corte, por estar preclusa a matéria, uma vez que já decidida anteriormente em questão de ordem; b) precipitação no oferecimento da denúncia, em violação ao devido processo legal, porquanto a decisão sobre o momento de oferecê-la seria de alçada única do autor da ação penal; c) não apresentação do relatório policial, por se tratar de peça dispensável; d) nulidade das decisões proferidas na 1ª instância, pois, quando da atuação do magistrado de 1º grau, no sentido da quebra do sigilo bancário e fiscal, não havia indício da participação de nenhum agente político ou autoridade detentora da prerrogativa de foro nos fatos que foram objeto da investigação policial; e) ilicitude de provas existentes nos autos, já que todas legalmente colhidas. No que tange à preliminar autonomamente suscitada de ilicitude da prova do Banco Central do Brasil - BACEN de relatórios bancários por requisição exclusiva do Procurador-Geral da República, independentemente de ordem judicial, manifestaram-se pela ilicitude dessa prova os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie. Considerou-se, todavia, esta preliminar prejudicada, na medida em que os referidos documentos não foram obtidos exclusivamente por aquela fonte, mas por formas regulares de que¬bra de sigilo, ou seja, através da CPMI dos Correios e por decisão judicial do Min. Nelson Jobim, então Presidente do STF e, posteriormente, do próprio relator. No mérito, o Tribunal, na parte em que recebeu a denúncia feita contra dois dos acusados quanto à suposta prática do crime de evasão de divisas, esclareceu não ser possível a aplicação do princípio da consunção, suscitado pela defesa, que afirmava que o crime de manter depósitos no exterior fora perpetrado como meio para a consecução do delito de sonegação fiscal (Lei 8.137/90). Entendeu-se que não teriam sido atendidos os requisitos necessários à aplicação desse princípio — as normas incriminadoras devem tutelar o mesmo bem jurídico e o crime-meio deve ser menos gravoso do que o crime-fim —, tendo em vista que a Lei 7.492/86 protege a política cambial brasileira, enquanto a Lei 8.137/90 tutela a política fiscal, e o crime de evasão de divisas é mais grave que o delito de sonegação fiscal. Afastou-se, também, a alegação de que, ainda que os fatos pudessem constituir crime contra a ordem tributária, teria ocorrido a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, em razão do recolhimento dos impostos pelo denunciado. Considerou-se que a denúncia não imputara aos denunciados o crime de sonegação fiscal e que a mencionada extinção de punibilidade não poderia ser estendida ao crime de evasão de divisas. Por fim, não se acolheu o argumento de que não haveria incidência do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, porque a conta existente no exterior para movimentação das divisas não pertenceria a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil. Asseverou-se que a conta, em princípio criada para o cometimento do delito, seria titularizada por pessoa jurídica de propriedade do denunciado, verdadeiro beneficiário dos valores depositados, residente e domiciliado no território nacional. O Tribunal, na parte em que rejeitou a denúncia, relativamente a um dos acusados, quanto ao crime de falsidade ideológica — que decorreria da circunstância de ter ele se utilizado, supostamente, de expediente fraudulento, fazendo constar sua exclusão do quadro de sócios de empresa, e nele incluir sua esposa, a qual seria, na verdade, sua “testa-de-ferro” —, concluiu que a denúncia não teria descrito em que consistiria o dolo específico da conduta do denunciado, ou seja, não demonstrara de que modo ele pretendia prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.