Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 29 de set. de 2023
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Em decorrência do princípio constitucional tributário da anterioridade anual (CF/1988, art. 62, § 2º c/c o art. 150, III, “b”), a cobrança de aumento da alíquota geral de ICMS de operações internas estadual, quando decorrer da edição de uma medida provisória, somente produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte ao que ocorrer a conversão em lei. Os estados-membros podem editar medidas provisórias desde que essa espécie legislativa esteja prevista na Constituição estadual e seja observado o conjunto básico das regras do processo legislativo da Constituição Federal de 1988 (1). Conforme jurisprudência desta Corte, a estabilização do ato normativo somente ocorre com a conversão da medida provisória em lei, de modo que cumulativas as garantias da anterioridade de exercício e nonagesimal (2). Nesse contexto, no caso de um tributo sujeito duplamente à noventena e à anterioridade de exercício, a lei que institui ou majora a imposição somente será eficaz após decorridos noventa dias da data de sua divulgação em meio oficial e no exercício financeiro seguinte à sua publicação. Na espécie, a lei de conversão da medida provisória foi promulgada apenas em 2023, de modo que a majoração da alíquota de ICMS só poderia produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, converteu a apreciação cautelar em julgamento definitivo de mérito e julgou procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei 4.141/2023 do Estado do Tocantins (4) e impedir a incidência da alíquota geral do ICMS sobre operações internas no patamar majorado de 20% antes de 1º/1/2024. (1) Precedente citado: ADI 425. (2) Precedente citado: ADI 5.282. (3) CF/1988: “Art. 62.¿Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) § 2º¿Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. ¿(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) Art. 150.¿Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III¿- cobrar tributos: (...) b)¿no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993) c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)” (4) Lei 4.141/2003 do Estado do Tocantins: “Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de abril de 2023”.
“Observadas rigorosamente as exigências normativas, não ofende a Constituição a possibilidade de uso de depósitos judiciais para o pagamento de precatórios em atraso, tal como previsto pela EC nº 94/2016.” É constitucional — pois inexistente violação ao princípio da separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º) e aos direitos de propriedade (CF/1988, arts. 5º, “caput”, e 170, II), de acesso à justiça (CF/1988, art. 5º, XXXV), do devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV) e da duração razoável do processo (CF/1988, art. 5º, LXXVII) — dispositivo de emenda constitucional que possibilita o uso eventual de depósitos judiciais com o fim específico de quitar precatórios atrasados. A presunção de constitucionalidade, no caso das emendas constitucionais, é qualificada em virtude do quórum exigido para a sua aprovação, circunstância que reforça a sua legitimidade democrática. Nesse contexto, não há comprovação de eventual vulneração de direitos e garantias fundamentais, bem como inexiste demonstração da insolvabilidade do sistema quanto a um possível risco de que os particulares — nos moldes em que idealizado o fundo garantidor — não levantem os seus depósitos no momento oportuno. Ademais, a gestão das contas vinculadas ao pagamento de precatórios é uma atividade administrativa de competência exclusiva dos respectivos Tribunais, de modo que ao Poder Judiciário cabe a palavra final sobre a titularidade definitiva dos valores depositados (1). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação e revogou a decisão que deferiu em parte a medida cautelar pleiteada, para assentar a constitucionalidade do art. 2º da¿EC 94/2016, na parte em que insere o art. 101, § 2º, I e II, no¿ADCT (2). (1) Precedente citado: ADI 2.855. (2) EC 94/2016: “Art. 2º O¿Ato das Disposições Constitucionais Transitórias¿passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 101 a 105: ‘Art. 101. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, em 25 de março de 2015, estiverem em mora com o pagamento de seus precatórios quitarão até 31 de dezembro de 2020 seus débitos vencidos e os que vencerão dentro desse período, depositando, mensalmente, em conta especial do Tribunal de Justiça local, sob única e exclusiva administração desse, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, em percentual suficiente para a quitação de seus débitos e, ainda que variável, nunca inferior, em cada exercício, à média do comprometimento percentual da receita corrente líquida no período de 2012 a 2014, em conformidade com plano de pagamento a ser anualmente apresentado ao Tribunal de Justiça local. (...) § 2º O débito de precatórios poderá ser pago mediante a utilização de recursos orçamentários próprios e dos seguintes instrumentos: I - até 75% (setenta e cinco por cento) do montante dos depósitos judiciais e dos depósitos administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte; II - até 20% (vinte por cento) dos demais depósitos judiciais da localidade, sob jurisdição do respectivo Tribunal de Justiça, excetuados os destinados à quitação de créditos de natureza alimentícia, mediante instituição de fundo garantidor composto pela parcela restante dos depósitos judiciais, destinando-se: a) no caso do Distrito Federal, 100% (cem por cento) desses recursos ao próprio Distrito Federal; b) no caso dos Estados, 50% (cinquenta por cento) desses recursos ao próprio Estado e 50% (cinquenta por cento) a seus Municípios;”
É constitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre as atividades relativas à hospedagem de qualquer natureza, prevista no subitem 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Os contratos que veiculam hospedagem de qualquer natureza, nos meios dispostos na referida lista, são preponderantemente de serviços. Ademais, o ISS incide sobre as atividades que representam obrigações de fazer e obrigações mistas, que incluem obrigação de dar (1). Não se pode fazer confusão entre a relação negocial de hospedagem e o contrato de locação de bem imóvel, de modo que é indevido excluir da base de cálculo desse tributo municipal a parcela da locação da unidade habitacional, visto que a circulação de serviço prevista contratualmente tem caráter singular e ganha sentido econômico com sua visualização unitária. Assim, dada a prevalência da uniformização da legislação federal, reforça-se o entendimento do STJ de que todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria compõem a base de cálculo do ISS. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação, para assentar a constitucionalidade do subitem 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 (2). (1) Precedentes citados: RE 651.703 (Tema 581 RG); RE 603.136 (Tema 300 RG) e RE 784.439 (Tema 296 RG). (2) Lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003: “9 – Serviços relativos a hospedagem, turismo, viagens e congêneres. 9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço (o valor da alimentação e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto Sobre Serviços).”
“É constitucional o reajuste de proventos e pensões concedidos a servidores públicos federais e seus dependentes não beneficiados pela garantia de paridade de revisão, pelo mesmo índice de reajuste do regime geral de previdência social (RGPS), previsto em normativo do Ministério da Previdência Social, no período anterior à Lei 11.784/2008” Como medida de efetivar o princípio da irredutibilidade dos benefícios no período que precedeu a regulamentação conferida pela Lei 11.784/2008, é aplicável aos servidores públicos federais inativos e seus pensionistas não beneficiados pela garantia de paridade de revisão o mesmo índice do RGPS, nos termos previstos na Orientação Normativa 3/2004 do Ministério da Previdência Social (MPS), cuja edição decorreu de autorização expressa da Lei 9.717/1998 (art. 9º, I). Conforme entendimento firmado por esta Corte (1), os servidores públicos federais inativos, no período em questionamento, fazem jus ao reajuste anual de seus proventos segundo o índice do RGPS, nos termos do art. 40, § 8º, da Constituição Federal de 1988 (2), do art. 15 da Lei 10.887/2004 (3) e do art. 65 da Orientação Normativa 3/2004 do MPS (4). Na espécie, durante o intervalo compreendido entre o fim do instituto da paridade (EC 41/2003) e a publicação da Lei 11.784/2008, o MPS editou a Orientação Normativa 3/2004 justamente com a finalidade de preencher a lacuna normativa sobre o índice aplicável aos reajustes dos benefícios de aposentadoria e pensões do serviço público federal (5). Referido ato normativo decorreu de delegação expressamente autorizada pela Lei 9.717/1998 e sem qualquer contradição com a Lei 10.887/2004. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.224 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. (1) Precedente citado: MS 25.871. (2) CF/1988: “Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (...) § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.” (3) Lei 10.887/2004: “Art. 15. Os proventos de aposentadoria e as pensões de que tratam os arts. 1º e 2º desta Lei serão reajustados, a partir de janeiro de 2008, na mesma data e índice em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social, ressalvados os beneficiados pela garantia de paridade de revisão de proventos de aposentadoria e pensões de acordo com a legislação vigente. (Redação dada pela Lei 11.784/2008) (Vide ADI 4.582)” (4) Orientação Normativa 3/2004 do Ministério da Previdência Social: “Art. 65. Os benefícios de aposentadoria e pensão, de que tratam os art. 47,48, 49, 50, 51, 54 e 55 serão reajustados para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do RGPS, de acordo com a variação do índice definido em lei pelo ente federativo. Parágrafo único. Na ausência de definição do índice de reajustamento pelo ente, os benefícios serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do RGPS.” (5) Precedentes citados: ARE 716.269 AgR; RE 1.130.297 AgR e RE 630.469 AgR.
É constitucional norma estadual que, independentemente da obrigação de reparar o dano, condicione a exploração de recursos minerais ao pagamento de indenização monetária pelos danos causados ao meio ambiente. Contudo, viola o texto constitucional o estabelecimento de fato gerador dessa indenização que se confunda com o da compensação financeira (CF/1988, art. 20, § 1º), o de taxas relativas ao poder de polícia (1) ou com o de qualquer outra espécie tributária. As diferentes formas de tutela para alcançar a proteção e a reparação integrais do meio ambiente podem ser cumuladas, de modo que o explorador de recursos minerais não se sujeita exclusivamente à recuperação in natura da degradação ambiental, mas também à indenização monetária. Os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador impõem que os recursos direcionados à reparação do dano (CF/1988, art. 225, §§ 2º e 3º) sejam verificados em cada caso e estipulados de maneira proporcional aos impactos ambientais causados pelo empreendimento, em regular processo administrativo e com direito ao contraditório e à ampla defesa (2) (3). Nesse contexto, diante da necessidade de uma correlação entre as atividades profiláticas adotadas pelo estado e a cobrança instituída, deve ser afastada, como propõe a norma estadual impugnada, a possibilidade de instituir fato gerador ou percentual pré-estabelecidos e universais. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu em parte da ação e, nessa extensão, a julgou parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 38 da Lei 5.887/1995, acrescidos pelo art. 2º da Lei 6.986/2007, ambas do Estado do Pará (4). (1) Precedentes citados: ADI 4.785; ADI 4.786 e ADI 4.787. (2) CF/1988: “Art. 20. São bens da União: (...) § 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito¿Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo¿ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de¿outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar¿territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 102, de 2019)¿(Produção de efeito) (...) Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (3) Precedente citado: ADI 3.378. (4) Lei 5.887/1995 do Estado do Pará (na redação dada pela Lei paraense 6.986/2007): “Art. 38. A lavra de recursos minerais, sob qualquer regime de exploração e aproveitamento, sempre respeitada a legislação federal pertinente e os demais atos e normas específicos de atribuição da União, dependerá de: I - prévio licenciamento do órgão ambiental competente; II - indenização monetária pelos danos causados ao meio ambiente, independentemente da obrigação de reparo do dano. § 1º Constitui fato gerador da indenização monetária pelos danos causados ao meio ambiente, a saída de produto mineral das áreas da jazida, mina, salina ou de outros depósitos minerais de onde provém e se equipara à saída, o consumo ou a utilização da substância mineral, em processo de industrialização realizado dentro das áreas da jazida, mina, salina ou de outros depósitos minerais, suas áreas limítrofes ou ainda em qualquer estabelecimento. § 2º A indenização monetária pelos danos causados ao meio ambiente prevista no inciso II deste artigo, será calculada sobre o total das receitas resultantes da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial, excluídos os tributos incidentes. § 3º O percentual da indenização prevista no inciso II deste artigo, de acordo com as classes de substâncias minerais será de: I - bauxita, manganês, ouro e ferro: 3% (três por cento); II - pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonatos e metais nobres: 0,2% (dois décimos por cento); III - areia, pedra, barro, seixo e demais materiais básicos de construção civil, incluindo aterros: 0,5 (cinco décimos por cento); IV - demais substâncias minerais: 2% (dois por cento). § 4º A indenização monetária pelos danos causados ao meio ambiente prevista no inciso II deste artigo, será lançada mensalmente pelo devedor em documento próprio, que conterá a descrição da operação que lhe deu origem, o produto a que se referir o respectivo cálculo, em parcelas destacadas, e discriminação dos tributos incidentes, se houver, de forma a tornar possível sua correta identificação. (...)”
“I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.” O reconhecimento do direito às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas não se sujeita ao marco temporal da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) nem à presença de conflito físico ou controvérsia judicial existentes nessa mesma data. Em mudança de posicionamento jurisprudencial, esta Corte concluiu pela inaplicabilidade da teoria do fato indígena e pela prevalência da teoria do indigenato, segundo a qual a posse dos indígenas sobre as terras configura um direito próprio dos povos originários e cuja tradicionalidade da ocupação deve ser considerada conforme os parâmetros expressamente previstos no texto constitucional (CF/1988, art. 231, §§ 1º e 2º). Se houver ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à data de promulgação da Constituição Federal de 1988, são assegurados aos não índios o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias (CF/1988, art. 231, § 6º). Porém, na hipótese de inexistir quaisquer dessas situações, consideram-se válidos e eficazes os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena. Neste caso, o particular tem direito a ser previamente indenizado pela União ao valor correspondente às benfeitorias necessárias e úteis, ou, quando inviável o seu reassentamento, ao valor da terra nua (1). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para anular o acórdão recorrido e reformar a sentença de primeiro grau, julgando, por conseguinte, improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial. (1) CF/1988: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ‘ad referendum’ do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.”