Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 23 de fev. de 2017
Explore conteúdo relacionado para aprofundar seus estudos
A matéria referente à forma de cálculo do Valor Adicionado Fiscal (VAF) não ostenta natureza constitucional. Com essa orientação, o Tribunal, por maioria, negou provimento a embargos de divergência opostos contra acórdão da Segunda Turma nos quais se sustentava divergência em relação ao acórdão proferido pela Primeira Turma no RE 136.189/SP (DJU de 22.5.1992). Nos termos do voto condutor do acórdão paradigma, o ponto essencial à regência da repartição de receitas entre Estados-Membros e Municípios — alçados os últimos, no federalismo brasileiro, ao “status” de entidade política autônoma, a concretização dos caracteres essenciais da definição do “valor adicionado” seria um problema nacional: se a própria Constituição não lhe delegou o deslinde — como o fazia explicitamente o art. 23, § 8º, até a EC 17/1980, e o faz hoje, explicitamente, o art. 161, I, do texto de 1988 —, seria na Constituição mesma que se haveria de buscar, até onde por possível, a densificação do conceito necessário. O Tribunal, preliminarmente e também por maioria, conheceu dos embargos de divergência por reputar preenchidos todos os pressupostos processuais. Asseverou haver controvérsia entre os órgãos fracionários do STF em relação à índole constitucional ou infraconstitucional da forma de cálculo do VAF do ICM, sob a vigência da EC 1/1969, após a promulgação da EC 17/1980, para fins de seguimento de recurso extraordinário. Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que não conheciam dos embargos. Quanto ao mérito, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin que, ao se referir ao acórdão paradigma, entendeu que o fato de a matéria ser de abrangência nacional não implica dizer que, por isso, também é necessariamente constitucional. Asseverou que, no caso, verifica-se apenas que o poder constituinte derivado decidiu excluir da esfera da política ordinária uma decisão fundamental para o federalismo fiscal, isto é, os critérios de partilha das receitas do ICM pertencentes ao Estado por meio da constitucionalização desses critérios. No entanto, estaria claro que não se extrairia um conceito de VAF do que positivado na Constituição, sendo necessária a concretização normativa do Poder Público nos âmbitos legislativo e administrativo para regular a vontade do constituinte. Acrescentou que o VAF é um critério econômico contábil que se pauta simplificadamente na diferença entre notas fiscais de venda e notas fiscais de compra na espacialidade do município. Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator) e Roberto Barroso, que davam parcial provimento ao recurso.
A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido. A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido. Com base nessa orientação, o Tribunal deu provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia a não aplicação da imunidade tributária constante do art. 150, VI, “c”, da CF relativamente ao ICMS incidente na aquisição de insumos, medicamentos e serviços adquiridos por entidade de assistência social na qualidade de consumidora (contribuinte de fato). Na espécie, o Tribunal de origem afastou a exigência do recolhimento do ICMS nas operações de aquisição, por entidade de assistência social (na qualidade de consumidor final), de medicamentos, máquinas e equipamentos necessários à execução de suas finalidades filantrópicas, ante a configuração da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF. Para o recorrente, a aquisição de insumos e produtos no mercado interno na qualidade de contribuinte de fato não estaria albergada pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI e § 4º, da CF. Sustentava, ainda, que a relevância das atividades prestadas pelas entidades de assistência social não poderia conferir aos fornecedores particulares, não abrangidos pela regra imunizante, a não incidência do ICMS na venda de mercadorias e serviços. O Colegiado rememorou que prevalece no STF o entendimento de que a imunidade tributária subjetiva se aplica a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não àqueles na condição de simples contribuinte de fato, bem como de que é irrelevante, para a verificação da incidência ou não da imunidade constitucional, a discussão acerca da repercussão econômica do tributo envolvido. Ressaltou, também, que a jurisprudência do STF vem se posicionando pela impossibilidade de se estender ao particular vendedor (contribuinte de direito) a imunidade tributária subjetiva que detém o adquirente de mercadoria (contribuinte de fato). Assim, o beneficiário da imunidade tributária subjetiva na posição de simples contribuinte de fato, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias, caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não se qualifica como tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual. Destacou a impossibilidade de, no contexto do exercício das atividades econômicas, ter-se certeza da efetiva transferência do encargo financeiro dos tributos, em razão de o lucro não ser tabelado. Ademais, quanto à regra contida no art. 150, § 5º, da CF (“§ 5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”), asseverou não haver transformação dos contribuintes finais em contribuintes de direito dos impostos incidentes sobre mercadorias e serviços que repercutem economicamente, mas sim existir o reconhecimento de que “o consumidor ou usuário não é contribuinte, tanto assim que precisa ser informado a respeito dos tributos que oneram mercadorias e serviços”. Pontuou, igualmente, que a temática da repercussão econômica tributária está na área de formação dos preços e que, apenas com substancioso estudo dos fatores e das circunstâncias (como condições de tempo, lugar e conjectura econômica), seria possível verificar, num juízo de relativa previsibilidade, a provável repercussão econômica do tributo. Ponderou, dessa forma, ser desaconselhável considerar a denominada repercussão econômica do tributo para verificar a existência ou não da imunidade tributária. Essa orientação, a propósito, alinha-se aos precedentes da Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, “c”, da CF aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprio. Com efeito, essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento da imunidade. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia, portanto. Asseverou, por fim, que a tese firmada não prejudica o entendimento adotado, em sede de recursos repetitivos, pelo STJ no julgamento do REsp 1.299.303/SC (DJE de 14.8.2012), no sentido de que o consumidor de energia elétrica tem legitimidade para propor ação declaratória com pedido de repetição de indébito a fim de afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre demanda contratada e não utilizada. Essa situação, além de peculiar, está inserida no contexto da concessão de serviço público e tem regime jurídico próprio.
A Segunda Turma denegou a ordem em "habeas corpus" em que se pretendia o reconhecimento da ilegalidade de ação penal e de interceptações telefônicas iniciadas a partir de denúncias anônimas. No caso, o Ministério Público estadual, após receber diversas denúncias anônimas de prática de crimes e seus possíveis autores, procedeu a investigações preliminares, com a oitiva informal de testemunhas. Diante da verossimilhança das alegações, instaurou procedimento de investigação no qual foi requerida quebra do sigilo telefônico dos envolvidos. Por essa razão, o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de associação criminosa e corrupção ativa (duas vezes), previstos nos arts. 288 e 333 do CP, e de fraude à licitação (cinco vezes), previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993. Os impetrantes sustentavam que, por terem sido iniciadas a partir de denúncias anônimas — sem a comprovação da realização de diligências preliminares nos autos —, as investigações preliminares (portaria e procedimento investigativo criminal) e o procedimento relativo às interceptações telefônicas deveriam ser declarados nulos. Alegavam, ainda, que as interceptações telefônicas não teriam atendido às regras e condições estabelecidas pela Lei 9.296/1996. A Turma rememorou entendimento do STF no sentido de que a denúncia anônima é válida, quando as investigações se valem de outras diligências para apurar a “delatio criminis”. Asseverou que a necessidade das interceptações telefônicas foi devidamente demonstrada pelo juiz natural da causa, bem como que havia indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, conforme exigido pelo art. 2º da Lei 9.296/1996. Quanto às prorrogações das interceptações telefônicas, ponderou que a Corte tem admitido a razoável dilação dessas medidas, desde que respeitado o prazo de quinze dias entre cada uma das diligências, o que não caracteriza desrespeito ao art. 5º da Lei 9.296/1996. Ressaltou, por fim, que o indeferimento de diligências pelo magistrado de primeiro grau não configura cerceamento de defesa. Afinal, o art. 400, § 1º, do CPP (§ 1º “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”) prevê a possibilidade de o juiz indeferir provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, sem que isso implique nulidade da respectiva ação penal. Sustentou que a discussão sobre o acerto ou desacerto dessa decisão exigiria exame aprofundado dos fatos e provas da causa, o que não se mostra viável em “habeas corpus”, que não admite dilação probatória.
A Primeira Turma declarou prejudicada a impetração de “habeas corpus” no qual se buscavam o conhecimento de apelação interposta perante tribunal de justiça e a revogação de prisão preventiva a fim de que o paciente — condenado pelo tribunal do júri — pudesse aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade. No caso, sobreveio o julgamento da apelação da defesa com a redução da pena privativa de liberdade e a expedição de nova ordem prisional, por conta da exequibilidade de penas após condenação em segundo grau. A Turma entendeu que acarreta prejuízo da impetração o superveniente julgamento do mérito de “habeas corpus” pelo STJ, a determinar o conhecimento da apelação, assim como a mudança no título prisional. Além disso, consignou que a ordem não poderia ser concedida de ofício porquanto a jurisprudência do STF é no sentido da exequibilidade da pena depois das decisões de segunda instância. Vencido, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que concedia a ordem de ofício por entender existir ofensa ao princípio constitucional da não culpabilidade.
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu parcial provimento ao recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretendia a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, assim como a exclusão do concurso formal impróprio reconhecido quanto aos crimes de latrocínio. No caso, o recorrente foi condenado a 42 anos de reclusão pela prática das condutas previstas nos arts. 148 (sequestro e cárcere privado); 157, § 3º, segunda parte (latrocínio), por duas vezes; e 211 (ocultação de cadáver) do Código Penal (CP). Reconheceu-se, ainda, o concurso formal impróprio com relação aos crimes de latrocínio, considerada a existência de duas vítimas fatais. A defesa pretendia a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, ante a ausência de provas de que o recorrente teria concorrido para a morte das vítimas, bem como em razão da participação de menor importância na prática delituosa. Pedia, também, a exclusão do concurso formal de crimes, por entender ter havido apenas um latrocínio, não obstante a pluralidade de mortes. Requeria, por fim, o reconhecimento do direito à progressão ao regime semiaberto — v. Informativo 846. Quanto à desclassificação pretendida, o Colegiado consignou que o juízo sentenciante, em harmonia com o ordenamento jurídico, julgou ter o recorrente contribuído ativamente para a realização do delito, em unidade de desígnios e mediante divisão de tarefas, com pleno domínio do fato. Além disso, o agente assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava em crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de arma de fogo. Para a Turma, aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância. No tocante ao reconhecimento de crime único, a Turma ponderou ser o latrocínio delito complexo, cuja unidade não se altera em razão da existência de mais de uma vítima fatal. Acrescentou, por fim, que a pluralidade de vítimas é insuficiente para configurar o concurso de crimes, uma vez que, na espécie, o crime fim arquitetado foi o de roubo (CP, art. 157, § 3º), e não o de duplo latrocínio. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, que negavam provimento ao recurso, por entenderem que, diante da ocorrência de duas mortes, estaria configurado o concurso formal de crimes.
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo regimental em que se pretendia o estorno total dos créditos do ICMS gerados na entrada de insumos tributados, na hipótese de o contribuinte exercer a opção pela tributação com redução da base de cálculo na saída das mercadorias. No caso, norma estadual instituiu regime tributário opcional a empresas transportadoras contribuintes do ICMS. Com isso, ficava facultada ao contribuinte a manutenção do regime normal de crédito e débito do imposto ou a apuração do débito com o benefício da redução da base de cálculo, vedada, nesta hipótese, a utilização de quaisquer créditos relativos a entradas tributadas. O Colegiado entendeu que, havendo a opção pelo regime ordinário ou por regime mais favorável de tributação e estabelecendo a lei um regramento específico para o regime mais favorável, a adesão a ele não gera o direito ao creditamento se a lei o excluir. Assim, o contribuinte deve optar por um dos regimes. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que negava provimento ao recurso por entender que a legislação em debate violaria o princípio da não cumulatividade, pois deveria resguardar o aproveitamento dos créditos na proporção da redução da base de cálculo.
A Segunda Turma, por maioria, não conheceu de ação originária em que se discutia o direito de magistrado gozar de licença-prêmio e determinou a devolução dos autos ao juízo de origem. No caso, foi ajuizada ação, com base na simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, para reconhecer a percepção de licença-prêmio por tempo de serviço pelo período de três meses a cada quinquênio ininterrupto de exercício, contado da data de ingresso do autor na magistratura. O autor alegava ter direito à percepção de licença-prêmio garantida aos membros do Ministério Público da União (MPU), prevista no art. 222 da Lei Complementar 75/1993, a partir da edição da Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu na Constituição Federal o § 4º do art. 129, por meio do qual o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a simetria entre os dois agentes políticos. Inicialmente, a ação foi proposta perante juizado especial federal, que declinou de sua competência para o Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que a matéria atingia interesse privativo da magistratura, não abarcando interesse direto de outros servidores. A Turma assentou a incompetência do STF para apreciar o feito, ante a inexistência de interesse da totalidade da magistratura nacional. O órgão fracionado afirmou que a pretensão vertida nos autos não se mostra exclusiva da categoria, haja vista o direito à fruição de licença-prêmio por tempo de serviço interessar não apenas ao autor, mas também a outros agentes políticos e servidores públicos. Afinal, o benefício pode estar previsto em estatuto jurídico do agente ou do servidor. Na hipótese dos autos, por exemplo, integra o estatuto do MPU e de outras carreiras do serviço público federal. Vencido o ministro Gilmar Mendes (relator), que conhecia da ação e julgava improcedente o pedido. O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator quanto ao conhecimento. Para o relator, a tese alegada na inicial interessa exclusivamente aos magistrados, já que nenhuma outra categoria de agente público “lato sensu” (agente político, servidor ou empregado público), exceto a magistratura, poderia ajuizar demanda requerendo simetria com o MPU. Declarava prescritas as parcelas porventura devidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da demanda. Para que houvesse a interrupção da prescrição, seria necessário o reconhecimento indene de dúvidas pelo devedor (Código Civil, art. 202, VI), o que não se verificou no caso. Quanto ao mérito, consignava inexistir respaldo legal. Além disso, o rol de direitos e vantagens disposto no art. 69 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) seria taxativo. Portanto, não seria possível a extensão aos magistrados de vantagens previstas em legislação de outra carreira.