Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 03 de nov. de 2011
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Por reputar observado o princípio da reserva de lei para a fixação do salário mínimo (CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”), o Plenário, em votação majoritária, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Partido Popular Socialista - PPS, pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e pelo Democratas - DEM, contra o art. 3º da Lei 12.382/2011 (“Art. 3º Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2º serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei. Parágrafo único. O decreto do Poder Executivo a que se refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo, correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário a um duzentos e vinte avos do valor mensal”). Ressaltou-se que a lei em questão conteria a definição legal e formal do salário mínimo, a fixação do seu montante em 2011 (art. 1º) e a forma de sua valorização, no sentido de sua quantificação para períodos subseqüentes (até 2015). Aduziu-se que esse diploma não esgotara a sua preceituação e adotara critérios objetivos para valer no intervalo de 2012 a 2015, segundo índices estipulados pelo Congresso Nacional (variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste). Registrou-se, também, que o legislador determinara que, na ausência de divulgação do INPC referente a um ou mais meses compreendidos no período do cálculo até o último dia útil imediatamente anterior à vigência do reajuste, os índices seriam estimados pelo Poder Executivo quanto aos meses não disponíveis (art. 2º, § 2º). No ponto, destacou-se que essa avaliação não seria arbitrária, mas, ao revés, conforme os parâmetros definidos. Assinalou-se que, se sobrevier a situação prevista no § 2º do art. 2º da Lei 12.382/2011, os “índices estimados permanecerão válidos para os fins desta Lei, sem qualquer revisão, sendo os eventuais resíduos compensados no reajuste subseqüente, sem retroatividade” (art. 2º, § 3º). Considerou-se que, ao assim estatuir, o legislador retirara do Presidente da República qualquer discricionariedade relativa à fórmula para apuração do quantum a ser adotado, bem como no que concerne à possibilidade de revisão ou de compensação de supostos resíduos. Salientou-se, ainda, que o legislador estatuíra que o valor a prevalecer no lapso de 2012 a 2015 seria aquele determinado no art. 1º da lei em apreço mais o reajustamento conforme índice firmado nos §§ 1º e 2º do art. 2º, prevendo aumento real a ser conferido nos moldes dos índices definidos nos §§ 4º e 5º do mesmo preceito. Diante desse contexto, rejeitou-se o argumento de que a lei conteria delegação para que o Presidente da República fixasse o valor do salário mínimo. Reiterou-se que haveria mera aplicação aritmética, nos termos legalmente previstos, dos índices, fórmulas e periodicidade fixados pelo Congresso Nacional, a serem expostos por decreto presidencial, que não inovaria a ordem jurídica, sob pena de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e controle pela via legislativa ou judicial. Dessa forma, frisou-se que a lei impusera ao Chefe do Poder Executivo apenas a divulgação do montante do salário mínimo, obtido pelo valor reajustado e aumentado consoante os índices fixados pelo Congresso Nacional na própria lei adversada. Advertiu-se que, ainda que se retirasse do mundo jurídico a referência ao modo de se decretar a divulgação do quanto a vigorar como salário mínimo no interregno estipulado — mediante incidência dos índices dispostos no art. 2º da Lei 12.382/2011 —, isso não implicaria mudança na fixação de seu valor, que continuaria a ser o mesmo. Ademais, mencionou-se que o Congresso Nacional poderia revogar a lei quando entendesse conveniente e oportuno, sem interferência do Poder Executivo. O Min. Luiz Fux acrescentou que a espécie caracterizaria o fenômeno da deslegalização. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes, tendo em conta os postulados da reserva legal e do Parlamento, manifestou ressalvas acerca da possibilidade de se projetar para a legislatura seguinte (2015) esse modelo adotado pela lei em foco, haja vista o receio de essa decisão servir de estímulo para deixar o Congresso inativo. O Min. Celso de Mello aludiu que uma legislatura não pautaria a superveniente e realçou que a vinculação entre o que denominou “princípio da unidade de legislatura” e o tema pertinente à modificação do padrão de reajuste previsto no art. 3º da lei impugnada mereceria mais debate. Ademais, robusteceu a assertiva de que o decreto presidencial não constituiria situações novas, encontrando-se estritamente vinculado aos padrões estabelecidos pelo próprio legislador. Vencidos os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio, que julgavam o pleito procedente ao fundamento de que a fixação do salário mínimo deveria ser feita por lei em sentido formal e material. Este enfatizava que os parâmetros determinados na lei e projetados no tempo — não se podendo cogitar de outros aspectos que estariam a direcionar a modificação desse quantitativo vital à sobrevivência do trabalhador e ao bem-estar mínimo da própria família — ocasionariam automaticidade, engessamento incompatível com a mobilidade encerrada no art. 7º, IV, da CF, bem como transferência a outro Poder do que a Constituição outorgara ao Congresso Nacional. Aquele afirmava que, ao se agregar ao salário mínimo vigente aumento ou reajuste, estabelecer-se-ia um novo salário e o precedente morreria, de maneira que passaria a vigorar um outro salário mínimo, o qual não poderia ser estatuído pelo Presidente da República, em sub-rogação da competência exclusiva do Congresso de quantificar, de monetarizar o salário mínimo, atualizando-o anualmente. Por fim, não se conheceu, majoritariamente, de proposta suscitada pelo Min. Cezar Peluso, Presidente, no sentido do exame, independentemente de impugnação dos requerentes, da constitucionalidade do art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei 12.382/2011. Asseverou-se, à luz do princípio da demanda, que o objeto central da presente ação cingir-se-ia tão-somente ao art. 3º da lei. Esclareceu-se que tanto a Advocacia-Geral da União quanto a Procuradoria-Geral da República não teriam se pronunciado sobre os preceitos referidos. Os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello assentaram a constitucionalidade da norma, caso superado o requisito de cognoscibilidade. Vencidos o suscitante e os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio por entenderem que o Supremo não estaria adstrito aos limites expostos na petição inicial, notadamente quando o pedido maior — declaração de inconstitucionalidade da atuação do Executivo na hipótese de omissão da publicação dos dados (art. 2º, § 2º) — englobaria o menor — fixação por estimativa (art. 3º).
Ante a singularidade do quadro fático, o Plenário julgou improcedente reclamação ajuizada, por desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em face de decisão administrativa que realizara sufrágio para cargos diretivos daquela Corte em 2009. Alegavam afronta ao que decidido pelo Supremo na ADI 3566/DF (DJe de 15.6.2007), no sentido de serem inconstitucionais os artigos 5º e 62 do Regimento Interno da Corte gaúcha, normas que disporiam sobre o universo dos magistrados elegíveis para seus órgãos de direção de forma incompatível com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman (Lei Complementar federal 35/79, art. 102: “Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antigüidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição”). Reputou-se ser a situação factual diversa, visto que os candidatos não seriam os mesmos para os cargos em disputa. Ademais, o tribunal observara, relativamente à eleição de cada cargo, os desembargadores mais antigos, excluídos os inelegíveis e os que recusaram a candidatura. No ponto, asseverou-se que, independentemente da intenção, ao separar o sufrágio dos cargos e desse modo apurá-lo, ter-se-ia obedecido ao que disposto na lei orgânica. Realçou-se que, em razão da ausência de outros candidatos, desaparecera o problema concernente à antiguidade dos juízes elegíveis, porquanto esta apenas se colocava em relação àqueles que se apresentaram como concorrentes. Em virtude da contextura da espécie, entendeu-se válida a eleição. Concluiu-se inexistir o descumprimento da Loman e a ofensa à autoridade do que decidido no paradigma aventado. O Min. Luiz Fux, relator, observou que, em dezembro deste ano, realizar-se-ão novas eleições no mencionado Tribunal. Assim, sublinhou a primazia da lei orgânica em cotejo com regimentos internos. Lembrou orientação do STF segundo a qual o regramento relativo à escolha dos cargos diretivos dos tribunais brasileiros, por tratar de tema eminentemente institucional, situa-se como matéria própria ao Estatuto da Magistratura, dependendo, portanto, para uma nova regulamentação, da edição de lei complementar federal, nos termos do que dispõe a Constituição. Por fim, enfatizou que somente os magistrados mais antigos seriam elegíveis aos cargos diretivos.
Ao confirmar o que manifestado na apreciação da medida cautelar, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade do art. 62 da Constituição do Estado de São Paulo, na redação dada pela EC 7/99, do mesmo ente federado (“O Presidente e o 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça e o Corregedor Geral da Justiça comporão o Conselho Superior da Magistratura e serão eleitos a cada biênio, dentre os integrantes do órgão especial, pelos Desembargadores, Juízes dos Tribunais de Alçada e Juízes vitalícios”). Dessa forma, reputou-se que o preceito adversado afrontaria o próprio texto da Constituição (artigos 92 e 96, I, a) ao prever que todos os juízes elegeriam órgão diretivo daquela Corte estadual. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava o pleito improcedente.
O Exame, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 8º, inciso IV, da Lei nº 8.906/94, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal. Com ela é compatível a prerrogativa conferida à Ordem dos Advogados do Brasil para aplicação do exame de suficiência relativo ao acesso à advocacia. Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015. O Plenário desproveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade dos artigos 8º, IV e § 1º; e 44, II, ambos da Lei 8.906/94, que versam sobre o exame da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB [“Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário: ... IV - aprovação em Exame de Ordem; ... § 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB. ... Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: ... II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”]. Na espécie, o recorrente alegava que o bacharel em Direito deveria ser considerado apto a exercer a advocacia até prova em contrário, bem como que a referida entidade teria condições de avaliar a capacidade do profissional, considerada a citada lei, que versa as sanções disciplinares para o advogado. Sustentava também violação ao princípio da igualdade, visto que a exigência de exame para o ingresso no órgão de classe ocorreria somente para esta profissão e que nem mesmo médicos seriam submetidos a seleção equivalente, embora lidassem com bem valioso. Alegava que a avaliação não poderia se sobrepor às das próprias universidades e que o bacharel, examinado e avaliado por instituição credenciada pelo Poder Público — o qual a OAB não integraria — teria direito ao livre exercício profissional. Aludia à necessidade de lei para a criação do exame, previsto apenas em regulamento, e que a entidade de classe, interessada em restringir a concorrência, não seria isenta, impessoal e imparcial ao avaliar os candidatos. Argumentava, ainda, que o exame teria sido derrogado, tacitamente, pela Lei 8.906/94 e que não seria compatível com a Lei 8.884/94. Inicialmente, lembrou-se que a exigência da prova de suficiência técnica para inscrição nos quadros da Ordem teria surgido com a Lei 4.215/63 e que, a partir da regência do atual diploma, o bacharel em Direito podia optar entre o estágio profissional ou a submissão à prova de conhecimentos jurídicos, situação que perdurou até 1996. Com o término de vigência do dispositivo que conferia essa escolha, o exame tornara-se obrigatório para todos os egressos do curso superior. Assim, a imprescindibilidade do teste seria relativamente nova no ordenamento jurídico pátrio, muito embora a prova de conhecimentos fosse mais antiga. Constatou-se o elevado número de formados em Direito e de cursos jurídicos no país, criados sem a observância do critério qualitativo, imprescindível à formação do bom profissional. Ressaltou-se que esse fato não seria determinante para o julgamento, porque extrajurídico, mas se evidenciou a necessidade de refletir a respeito. No tocante à proporcionalidade e compatibilidade entre o exame de conhecimentos jurídicos e a garantia do livre exercício profissional, inicialmente reputou-se que, a fim de assegurar a liberdade de ofício, impor-se-ia ao Estado o dever de colocar à disposição dos indivíduos, em condições eqüitativas de acesso, os meios para que aquela fosse alcançada. Destacou-se que esse dever entrelaçar-se-ia sistematicamente com a previsão do art. 205, caput, da CF (“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”). Frisou-se que a obrigação estatal seria a de não opor embaraços irrazoáveis ou desproporcionais ao exercício de determinada profissão, e que existiria o direito de se obterem as habilitações previstas em lei para a prática do ofício, observadas condições eqüitativas e qualificações técnicas previstas também na legislação. Sublinhou-se que essa garantia constitucional não se esgotaria na perspectiva do indivíduo, mas teria relevância social (CF, art. 1º, IV). Assim, nas hipóteses em que o exercício da profissão resultasse em risco predominantemente individual, como, por exemplo, mergulhadores e técnicos de rede elétrica, o sistema jurídico buscaria compensar danos à saúde com vantagens pecuniárias (adicional de insalubridade, de periculosidade) ou adiantar-lhes-ia a inativação. Essas vantagens, entretanto, não feririam o princípio da isonomia. Quando, por outro lado, o risco suportado pela atividade profissional fosse coletivo, hipótese em que incluída a advocacia, caberia ao Estado limitar o acesso à profissão e o respectivo exercício (CF, art. 5º, XIII). Nesse sentido, o exame de suficiência discutido seria compatível com o juízo de proporcionalidade e não alcançaria o núcleo essencial da liberdade de ofício. No concernente à adequação do exame à finalidade prevista na Constituição — assegurar que as atividades de risco sejam desempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente, de modo a evitar danos à coletividade — aduziu-se que a aprovação do candidato seria elemento a qualificá-lo para o exercício profissional. Dessa forma, o argumento no sentido de que o exame não se prestaria para esse fim seria improcedente, pois o mesmo raciocínio seria aplicável às provas instituídas pelas próprias universidades, essenciais para a obtenção do bacharelado. Consignou-se que o exame da OAB atestaria conhecimentos jurídicos, o que seria congruente com o fim pretendido e com a realidade brasileira. Sob esse aspecto, a fiscalização posterior dos atos dos profissionais da advocacia, como meio de se controlar a qualidade do exercício de seu mister, seria inequivocamente menos efetiva do que o escrutínio prévio. Ademais, o poder de polícia poderia ser exercitado em momento concomitante, prévio ou posterior ao ato ou à conduta, com o objetivo de impedir lesões ao patrimônio econômico e moral dos indivíduos. Rememorou-se haver decisões anteriores da Corte a respeito da restrição ao exercício profissional e constatou-se que o vetor preponderante do posicionamento do STF fora o risco trazido à coletividade. Quanto mais arriscada a atividade, maior o espaço de conformação deferido ao Poder Público. Portanto, se inexistente o risco, inadmissível qualquer restrição. No tocante à advocacia, asseverou-se que quem a exerce sem a capacidade técnica necessária afetaria outrem, tanto o cliente, indivíduo, como a coletividade, pois lhe denegaria Justiça, pressuposto da paz social. Sob esse prisma, destacou-se o papel central e fundamental do advogado na manutenção do Estado Democrático de Direito e na aplicação e defesa da ordem jurídica, razão pela qual o constituinte o proclamara indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133). Frisou-se o interesse social no sentido de existirem mecanismos de controle, objetivos e impessoais, concernentes à prática da advocacia, visto que o Direito envolveria questões materiais e existenciais, como o patrimônio, a liberdade ou a honra. Acrescentou-se que a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), imporia que fosse posto à disposição da coletividade corpo de advogados capazes de exercer livre e plenamente a profissão. Lembrou-se que os advogados comporiam todos os tribunais do país (CF, artigos 94; 111-A, I; 119; 103, II), exceto no STF. Integrariam, também, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público (CF, artigos 103-B, XIII; 130-A, V), o que reforçaria sua relevância social. No tocante à suposta violação ao princípio da isonomia, decorrente da inexistência de exame imposto a médicos, por exemplo, antes de ingressarem na carreira, reputou-se descabida a pretensão de aplicar idêntico regime jurídico a atividades distintas, marcadas por conhecimentos e técnicas próprios. Além disso, o equívoco não estaria nas rígidas exigências para o exercício da advocacia. Ao contrário, caberia ao legislador determinar a obrigatoriedade de exame para o exercício da Medicina, o que estaria em consonância com a Constituição. Em relação à assertiva do recorrente no sentido de que os baixos índices de aprovação no atual exame seriam reflexo da reserva de mercado empreendida pelos atuais membros da OAB, aduziu-se que a redução do percentual de aprovados seria resultado do acúmulo de bacharéis que, sem êxito, repetiriam o exame sucessivamente. Consignou-se que, de acordo com os parâmetros impostos pelo exame, mostrar-se-iam grandes as chances de aprovação. Assinalou-se que o teste seria impessoal e objetivo, e sua aplicação observaria os princípios constitucionais relativos aos concursos públicos, conquanto não fosse espécie desse gênero. Destacou-se, ainda, que as questões estariam circunscritas aos conhecimentos adquiridos ao longo do curso superior. O quadro, portanto, afastaria qualquer subjetivismo ou inidoneidade por parte dos organizadores e aplicadores do exame. Embora fosse saudável haver membros de outras instituições públicas na comissão examinadora, a ausência destes não tornaria a exigência do teste inconstitucional. Ressaltou-se, ainda, a possibilidade de controle judicial para avaliar as eventuais ilegalidades cometidas pelas bancas, bem como a adequação entre o edital e a prova. Afirmou-se que os papéis das universidades e das organizações seriam distintos, uma vez que, às primeiras, caberia ministrar o conteúdo educacional necessário à profissionalização do indivíduo e atribuir o grau respectivo, correspondente ao curso terminado. Descaberia pensar que a formação universitária constituiria presunção absoluta de capacidade para o exercício profissional, visto que a atividade censória das autarquias profissionais demonstraria que, não raro, a obtenção de grau acadêmico seria insuficiente para a realização correta de determinado trabalho. Ademais, o bacharel em direito poderia exercer diversas atividades além da advocacia, como a magistratura, por exemplo. Considerou-se caber às autarquias implementar o poder de polícia das profissões respectivas. Anotou-se que, especificamente, caberia à OAB promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados no país e, embora não submetida a vinculação quanto à Administração direta, exerceria função pública, valendo-se, para tanto, de poderes próprios do Estado, como os de tributar e de punir. Não seria, portanto, instituição privada e deslegitimada para assumir esse encargo. No ponto, o Min. Ricardo Lewandowski salientou que quando o legislador conferira a esse órgão — estatal ou de colaboração com o Estado — determinadas atribuições, implicitamente também lhe outorgara os meios para realizá-las, como as provas de seleção. O Colegiado anotou, ainda, haver instituições de ensino a configurar pessoas jurídicas de direito público e de direito privado e, ao se aplicar entendimento contrário ao exposto, de modo a excluir os estudantes daquelas da necessidade do exame da OAB, implementar-se-ia regime incompatível com a isonomia. No que se refere à suposta ofensa ao princípio da legalidade, porquanto a regulamentação do exame, a teor do disposto no art. 8º, § 1º, da Lei 8.906/94, deveria ocorrer por meio de provimento — competência do Presidente da República —, reputou-se que a interpretação do dispositivo deveria ser realizada considerando-se a sistematicidade do ordenamento. Nesse sentido, as matérias constantes do exame não poderiam discrepar das enquadradas nas diretrizes curriculares do curso de graduação em Direito, assim definido pelo Ministério da Educação. O teste poderia exigir, também, regras pertinentes ao exercício da advocacia, como o Código de Ética e os ditames do Estatuto da OAB. Asseverou-se, portanto, não haver, no aludido dispositivo, genuína delegação de poderes legislativos à autarquia corporativa. Assim, o provimento da entidade não seria capaz de criar obrigação nova, mas daria concretude àquela prevista em caráter abstrato. Nesse sentido, considerar-se que o princípio da legalidade implicaria impor ao legislador o exaurimento de toda a matéria alusiva ao exercício do poder de polícia significaria alargá-lo. Discorreu-se que o princípio da legalidade estrita deveria ser tomado em termos, considerada a velocidade atual das transformações ocorridas em diversas áreas. No caso em exame, a previsão do art. 8º, § 1º, da Lei 8.906/94 reclamaria a edição de regulamento executivo, destinado a tornar efetivo o mandamento legal. A Constituição não teria, ademais, imposto reserva absoluta de lei para restrição à liberdade de ofício. Quanto à alegada violação ao art. 84, IV, da CF, consignou-se não haver impedimento para que a lei conferisse a entidades da Administração, públicas ou privadas, a prerrogativa de concretizar, por meio de atos gerais e abstratos, alguns aspectos práticos que lhe concernissem. Explicitou-se a nova feição da Administração Pública moderna, na qual a estrutura absolutamente hierárquica e piramidal não corresponderia perfeitamente à organização do Estado. Como exemplo, citaram-se as agências reguladoras, autarquias dotadas de autonomia reforçada, que exerceriam atividade administrativa, mas não se submeteriam aos mecanismos clássicos de hierarquia ou tutela. Editariam regulamentos e tomariam decisões, sem possibilidade de revisão pelo Chefe do Executivo. Sob esse prisma, a OAB não poderia ficar subordinada à regulamentação presidencial ou a qualquer órgão público, pois deveria prevalecer a vontade dos representantes da própria categoria, somente.
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus, porém, concedeu a ordem, de ofício, a fim de fazer prevalecer decisão proferida no primeiro processo. No caso, o réu fora condenado, duplamente, pela prática de roubo circunstanciado (CP, art. 157, § 2º, I). A defesa alegava que esse fato configuraria bis in idem e que a última decisão deveria predominar em detrimento daqueloutra, por ser mais favorável — v. Informativo 622. Aduziu-se que a ação instaurada posteriormente jamais poderia ter existido, seria nula em razão da litispendência, e que apenas a primeira teria validade no mundo jurídico, independentemente da pena cominada em ambos os processos. Destarte, retirar-se-ia uma das condenações, em favor do agente, ou seja, a segunda. Vencido o Min. Luiz Fux, relator, que concedia a ordem, de ofício, para declarar revogada a condenação mais gravosa ao paciente e, por conseguinte, a prevalência da sentença mais recente.
A 2ª Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus em que se sustentava nulidade da condenação de 2 pacientes por suposta: a) ausência de fundamentação idônea; b) falta de correlação entre a denúncia e a sentença condenatória; c) impossibilidade de cometimento, por omissão, do crime previsto no art. 7º, VII, da Lei 8.137/90; e d) aplicação abusiva do art. 71 do CP. Além disso, um deles também alegava inadequada atribuição de responsabilidade penal objetiva, com a conseqüente violação ao princípio da presunção de inocência. Quanto a essa alegação, consignou-se que a denúncia imputara a conduta de efetivar contratos de assistência médico-hospitalar, apesar de o condenado ter conhecimento de que médicos, laboratórios e hospitais conveniados ao plano de saúde passaram a recusar o atendimento aos consumidores e que, na qualidade de integrante de sociedade empresarial, teria plena ciência da situação econômica da empresa e do débito para com os consumidores. Ainda assim, continuara a celebrar contratos. Desta forma, concluiu-se que a conduta praticada tivera o condão de induzir os consumidores a erro, de modo a caracterizar a figura típica prevista no art. 7º, VII, da Lei 8.137/90, o que afastaria qualquer alegação atinente a eventual responsabilidade penal objetiva imputada à defesa. Não se vislumbrou ausência de fundamentação idônea, porquanto a imputação seria clara e não houvera a “inaceitável indeterminação da participação dos pacientes”. Assentou-se que o fato descrito na denúncia estaria em perfeita harmonia com a tipificação pela qual os pacientes foram condenados. Ademais, a conduta reportada na inicial acusatória teria sido a de indução do consumidor a erro por meio de declaração falsa quanto à natureza do serviço. Destacou-se que a sentença, por sua vez, chegara à mesma conclusão, ao considerar que o meio utilizado para manter os consumidores em erro seria omissivo, ao fundamento de que os pacientes teriam celebrado contrato de assistência médico-hospitalar, a despeito de saber que os estabelecimentos conveniados ao seu plano de saúde recusariam atendimento aos consumidores credenciados. Asseverou-se que essa decisão não desbordaria da imputação e reconheceria que os denunciados “celebraram contratos de assistência médico-hospitalar, realizando venda de um serviço que não correspondia ao ofertado”. Por fim, ressaltou-se que o magistrado de primeiro grau, ao atentar para a pluralidade de condutas praticadas nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução e, tendo em vista que 98 vítimas foram induzidas a erro, aumentara, de forma escorreita, a pena dos pacientes em 2/3, nos termos do art. 71 do CP.