Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 21 de set. de 2010
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A legislação pátria não exige documento específico para que seja comprovada a reincidência do agente. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado cuja pena-base fora exacerbada pelo reconhecimento da reincidência, a qual demonstrada em folha de antecedentes expedida pelo Departamento da Polícia Federal. A defesa sustentava que a certidão cartorária judicial seria o documento hábil para comprovar esse fato. Aduziu-se que o sistema legal estabeleceria apenas o momento em que a reincidência poderia ser verificada (CP, art. 63). Enfatizou-se que, no caso, a folha de antecedentes, expedida por órgão policial, seria idônea a demonstrá-la, por conter todas as informações necessárias para isso, além de ser um documento público com presunção iuris tantum de veracidade. Ressaltou-se que o intervalo de tempo compreendido entre o trânsito em julgado da condenação anterior e a nova sentença condenatória seria inferior a cinco anos e que, portanto, o paciente seria tecnicamente reincidente.
A Turma não conheceu de habeas corpus em que o paciente, em sessão de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, permanecera algemado e fora condenado pela prática dos crimes de homicídio consumado e tentado. Alegava-se que o uso das algemas o teria exposto a situação vexatória e, portanto, acarretaria a nulidade do julgamento. Salientou-se que a questão não teria sido suscitada no STJ, razão pela qual analisá-la nesse momento implicaria supressão de instância. Entretanto, concedeu-se a ordem de ofício para determinar que o pedido de medida liminar impetrado perante o STJ seja apreciado, uma vez que o writ fora lá apresentado em 6.11.2009, o que configuraria demora excessiva na prestação jurisdicional. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem em maior extensão, por entender que, no caso, o emprego das algemas não se justificaria, pois baseado tão-somente no fato de o réu ostentar maus antecedentes, motivo pelo qual teria sido presumida a sua periculosidade. Ademais, aduzia que o uso de tal equipamento poderia ter induzido os jurados à presunção de culpa do acusado.
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se discutia se estaria comprometida, ou não, a imparcialidade de juiz de vara única que condenara o paciente em ação civil pública e, depois, recebera denúncia em ação penal pelos mesmos fatos — v. Informativo 585. Reputou-se não se tratar de causa de impedimento a circunstância de o magistrado com jurisdição ampla julgar, sucessivamente, feito criminal e de natureza cível decorrentes dos mesmos fatos. Consignou-se que o Supremo, ao assentar a impossibilidade de se estender, pela via de interpretação, o rol do art. 252 do CPP, teria concluído não ser permitido ao Judiciário legislar para incluir causa não prevista pelo legislador. No ponto, realçou-se que essa inclusão ocorreria por analogia pura e simples ou por denominada interpretação extensiva, que nada mais seria do que adicionar, a partir de um referencial legal, um item não previsto pelo legislador em um rol taxativo. Entendeu-se que o caso de varas únicas — em que o magistrado exerce simultaneamente jurisdição cível e penal — não estaria abrangido pela intenção da norma que fixara como critério de impedimento o exercício de função em outra instância. Ressaltou-se que a mencionada norma impediria a mitigação do duplo grau de jurisdição em virtude da participação em ambos os julgamentos de magistrado que já possuísse convicção formada sobre os fatos e suas repercussões criminais. Assim, não visaria atingir o tratamento de um só fato em suas diversas conotações e conseqüências pelo mesmo juiz. Afirmou-se, ademais, que as pequenas comarcas do Brasil possuiriam apenas uma vara e um magistrado. Portanto, posicionar-se no sentido de que o mesmo acontecimento com repercussões administrativas, cíveis ou penais deveria ser julgado por juízes diferentes, exigiria a presença de, no mínimo, dois magistrados em cada localidade do país. Consignou-se, ademais, que o juiz poderia decidir que, comprovado o fato, dele fossem obtidos apenas efeitos cíveis, e não criminais. Asseverou-se inexistir comprometimento do julgador com as conseqüências dos atos por ele reconhecidos em julgamento anterior, na mesma instância, porém em outra esfera. Por derradeiro, não se vislumbrou possibilidade de interpretação extensiva do art. 252, III, do CPP sem criação judicial de nova causa de impedimento. Vencido o Min. Eros Grau, relator, que, por conferir interpretação extensiva ao referido preceito, deferia o writ para anular a ação penal, desde o recebimento da denúncia, e determinava a remessa dos autos ao substituto legal do juiz. Alguns precedentes citados: HC 92893/ES (DJe de 12.12.2008), HC 98901/PI (DJe de 4.6.2010).
A Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a liberdade provisória de preso em flagrante pela suposta prática do crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33). A defesa sustentava a inconstitucionalidade do art. 44 da mesma lei, que veda a concessão desse benefício. Inicialmente, por maioria, rejeitou-se questão preliminar, suscitada pelo Min. Marco Aurélio, vencido, no sentido de afetar o caso ao Plenário ou aguardar que tal órgão decida sobre a argüição de inconstitucionalidade do art. 44 em processo que já se encontra a ele submetido, pois não caberia à Turma deliberar a respeito. Afirmou-se que, se a Corte vier a reputar inconstitucional o referido dispositivo, tanto não haverá óbice a uma nova impetração quanto o próprio juízo processante poderá agir de ofício e conceder a liberdade ao paciente. No mérito, invocaram-se precedentes das Turmas segundo os quais tal vedação seria legítima e considerou-se hígida a constrição cautelar imposta, uma vez que presentes os requisitos da prisão preventiva.
Por reputar devidamente aplicada a causa de aumento de pena prevista no art. 40, V, da Lei 11.343/2006 (“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: ... V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal”), a Turma indeferiu habeas corpus em que se afirmava a necessidade de efetiva transposição de fronteira estadual para a caracterização da interestadualidade. Na espécie, o paciente fora preso em flagrante em ônibus que fazia o trajeto de Campo Grande/MS a Cuiabá/MT, trazendo consigo substância entorpecente, e confessara, na fase inquisitorial e em juízo, a intenção de transportar a droga para cidade situada no Estado de Mato Grosso. Asseverou-se que, sob o aspecto da política penal adotada, a inovação disposta no mencionado inciso visaria coibir a expansão do tráfico de entorpecentes entre as unidades da Federação. Entendeu-se que a configuração da interestadualidade do tráfico de entorpecentes prescindiria da efetiva transposição das fronteiras do Estado, e que bastariam, para tanto, elementos que sinalizassem a destinação da droga para além dos limites estaduais.
Ao aplicar a Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”), a Turma deferiu habeas corpus para determinar, por ausência de tipicidade penal, a extinção do procedimento investigatório instaurado para apurar suposta prática de crimes de falsidade ideológica e contra a ordem tributária. Na espécie, o paciente, domiciliado no Estado de São Paulo, teria obtido o licenciamento de seu veículo no Estado do Paraná de modo supostamente fraudulento — indicação de endereço falso —, com o fim de pagar menos tributo, haja vista que a alíquota do IPVA seria menor. Inicialmente, salientou-se que o STJ reconhecera o prejuízo do habeas lá impetrado, em face da concessão, nestes autos, de provimento cautelar. Em seguida, observou-se que a operação desencadeada pelas autoridades estaduais paulistas motivara a suscitação de diversos conflitos de competência entre órgãos judiciários dos Estados-membros referidos, tendo o STJ declarado competente o Poder Judiciário paulista. Aquela Corte reconhecera configurada, em contexto idêntico ao dos autos do writ em exame, a ocorrência de delito contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), em virtude da supressão ou redução de tributo, afastada a caracterização do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299). Reputou-se claro que o delito alegadamente praticado seria aquele definido no art. 1º da Lei 8.137/90, tendo em conta que o crimen falsi teria constituído meio para o cometimento do delito-fim, resolvendo-se o conflito aparente de normas pela aplicação do postulado da consunção, de tal modo que a vinculação entre a falsidade ideológica e a sonegação fiscal permitiria reconhecer, em referido contexto, a preponderância do delito contra a ordem tributária. Ademais, determinou-se que, o reconhecimento da configuração do crime contra a ordem tributária, afastada a caracterização do delito de falsidade ideológica, tornaria pertinente a invocação, na espécie, da Súmula Vinculante 24. Destacou-se que, enquanto não encerrada, na instância fiscal, o respectivo procedimento administrativo, não se mostraria possível a instauração da persecução penal nos delitos contra a ordem tributária, tais como tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90. Esclareceu-se ser juridicamente inviável a instauração de persecução penal, mesmo na fase investigatória, enquanto não se concluir, perante órgão competente da administração tributária, o procedimento fiscal tendente a constituir, de modo definitivo, o crédito tributário. Asseverou-se, por fim, que se estaria diante de comportamento desvestido de tipicidade penal, a evidenciar, portanto, a impossibilidade jurídica de se adotar, validamente, contra o suposto devedor, qualquer ato de persecução penal, seja na fase pré-processual (inquérito policial), seja na fase processual (“persecutio criminis in judicio”), pois comportamentos atípicos não justificariam a utilização pelo Estado de medidas de repressão criminal.