Supremo Tribunal Federal • 5 julgados • 18 de set. de 2008
Explore conteúdo relacionado para aprofundar seus estudos
O interesse da União, para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da CF, tem de ser direto e específico. Com base nesse entendimento, o Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal em que alegava que a interpretação conjunta dos incisos IV e VI do art. 109 da CF revelaria ser da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes contra a ordem econômica se, independentemente de previsão da lei definidora, houvesse lesão a interesse da União. Sustentava o parquet que a comercialização de combustível fora dos padrões fixados pela Agência Nacional de Petróleo vulneraria diretamente o interesse direto dessa autarquia federal no controle, fiscalização e regulação da atividade de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool. Asseverou-se que, não obstante se possa reconhecer a competência da Justiça Federal para ações penais por crimes contra a ordem econômica, nos termos do art. 109, IV, da CF, ainda que a legislação ordinária não a tenha previsto, a alegação de lesão a bens, serviços ou interesse da União ou de suas autarquias deve ser estimada perante o caso concreto — situação diversa das hipóteses declinadas no inciso VI desse dispositivo, que condiciona a competência à previsão da lei. Considerou-se que o interesse da União, no caso, seria genérico. Ressaltou-se, também, não haver se confundir o objeto de fiscalização da entidade federal com a sua atividade fiscalizatória, para assim demonstrar interesse da União ou da entidade.
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva entre os diversos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo praticados pelo paciente — v. Informativo 514. Inicialmente, em questão de ordem, o Min. Carlos Britto, relator, apreciou matéria nova suscitada, na assentada anterior, pelo Min. Marco Aurélio, relativa à possibilidade ou não de o juízo da execução criminal alterar o título condenatório definitivo para reconhecer a continuidade delitiva. Manifestou-se afirmativamente, realçando que ao juiz da execução compete decidir sobre soma ou unificação de penas; progressão ou regressão de regimes; detração e remição da pena e suspensão condicional da pena (LEP, art. 66, III). Asseverou que o voto que proferira, no sentido do indeferimento do habeas corpus, não prejudicaria o manejo de eventual ação de revisão criminal (CPP, art. 621), uma vez que não avançou no exame da existência ou não dos requisitos da continuidade delitiva. Reiterou, dessa forma, o entendimento de que a análise da impetração exigiria o revolvimento de todo o quadro empírico dos delitos praticados, incabível na via eleita, no que foi acompanhado pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que julgava cabível a concessão, de ofício, do writ para assentar a impropriedade do exame procedido em execução de títulos condenatórios, como se pudessem ser modificados em tal via, abrindo-se margem, com isso, a que as matérias versadas pudessem ser apreciadas mediante o instrumental próprio. Em seguida, tendo em conta que as condenações estabeleceram a obrigatoriedade do regime integralmente fechado para o cumprimento das penas, a Turma, por unanimidade, deferiu a ordem, de ofício, para viabilizar a progressão no regime de cumprimento de pena.
A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus para cassar sentença de 1º grau que condenara o paciente por latrocínio tentado (CP, art. 157, § 3º, in fine, c/c art. 14, II). Na espécie, embora consumado o roubo, da violência praticada não resultara morte, mas lesão corporal de natureza grave numa das vítimas. A defesa reiterava a alegação de que a capitulação dada ao fato seria inadequada e pleiteava, por esse motivo, o ajuste da imputação para roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, 1ª parte). Inicialmente, adotou-se como premissa o cometimento do crime de roubo (CP, art. 157) e aduziu-se que a matéria discutida nos autos envolveria a adequação típica da conduta atribuída ao paciente. Asseverou-se que o latrocínio constitui delito complexo, em que o crime-fim é o roubo, não passando o homicídio de crime-meio. Desse modo, salientou-se que a doutrina divide-se quanto à correta tipificação dos fatos na hipótese de consumação do crime-fim (roubo) e de tentativa do crime-meio (homicídio), a saber: a) classificação como roubo qualificado pelo resultado, quando ocorra lesão corporal grave; b) classificação como latrocínio tentado; c) classificação como homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso material com o roubo qualificado. Enfatizou-se, contudo, que tais situações seriam distintas daquela prevista no Enunciado 610 da Súmula do STF (“Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.”) e que as decisões impugnadas aderiram à tese de que as circunstâncias dos fatos evidenciaram o animus necandi dos agentes, caracterizando, por isso, tentativa de latrocínio. Esclareceu-se, ainda, que esta Corte possui entendimento no sentido de não ser possível punição por tentativa de latrocínio, quando o homicídio não se realiza, e que é necessário o exame sobre a existência de dolo homicida do agente, para, presente esse ânimo, dar-se por caracterizado concurso material entre homicídio tentado e roubo consumado. Tendo em conta essas balizas, observou-se que para a classificação da conduta imputada ao paciente seria preciso identificar-se a finalidade dos agentes: a) se considerado ausente o animus necandi na violência praticada, incidiria o art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP; b) se definido que a intenção era de matar as vítimas, o tipo correspondente seria o do art. 121, § 2º, V, do CP, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Afirmou-se, entretanto, que em sede de habeas corpus não se pode discutir o alcance da prova sobre a intenção do agente. Assim, reputou-se incontroverso que, consoante admitido pelo STJ, as indicações seriam no sentido de que o dolo era de matar e não o de provocar lesão corporal. Esse o quadro, assentou-se que não restaria alternativa senão a da teórica tipificação do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o delito de roubo. Por conseguinte, ante o reconhecimento da competência do tribunal do júri, determinou-se que a ele sejam remetidos os autos, a fim de que proceda a novo julgamento, limitando eventual condenação à pena aplicada na sentença ora anulada. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa mesma ordem aos co-réus.
Por vislumbrar direito subjetivo à nomeação dentro do número de vagas, a Turma, em votação majoritária, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a existência ou não de direito adquirido à nomeação de candidatos habilitados em concurso público — v. Informativo 510. Entendeu-se que, se o Estado anuncia em edital de concurso público a existência de vagas, ele se obriga ao seu provimento, se houver candidato aprovado. Em voto de desempate, o Min. Carlos Britto observou que, no caso, o Presidente do TRF da 2ª Região deixara escoar o prazo de validade do certame, embora patente a necessidade de nomeação de aprovados, haja vista que, passados 15 dias de tal prazo, fora aberto concurso interno destinado à ocupação dessas vagas, por ascensão funcional. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator, e Ricardo Lewandowski que, ressaltando que a Suprema Corte possui orientação no sentido de não haver direito adquirido à nomeação, mas mera expectativa de direito, davam provimento ao recurso
Assiste a co-réu o direito de formular reperguntas aos demais litisconsortes penais passivos em ordem a conferir real efetividade e plenitude ao direito de defesa. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu, de ofício, habeas corpus para anular — desde os interrogatórios judiciais dos demais co-réus, inclusive, realizados sem a co-participação da defesa do paciente —, processo-crime contra ele instaurado para apurar suposta prática do crime de lavagem de dinheiro no curso de contrato de financiamento mantido entre sua empresa e clube de futebol. Preliminarmente, superou-se a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF. Reconheceu-se, em seguida, que o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro (nacional russo) e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, por si só, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal promovida pelo Estado. Nesse contexto, aduziu-se que se impõe, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Asseverou-se que o direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao due process of law, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, ainda que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos.Na seqüência, assentou-se que a magnitude do tema constitucional versado na impetração imporia algumas reflexões em torno da nova disciplina normativa a que se submete, hoje, o interrogatório, notadamente, o judicial. Ressaltou-se que, com a superveniência da Lei 10.792/2003, registraram-se significativas alterações no regime pertinente ao interrogatório, as quais refletiram a nova constituição jurídica que a CF/88 conferiu àquele que sofre persecução penal, fortalecendo as prerrogativas inerentes à garantia da plenitude de defesa, do contraditório e do tratamento paritário das partes no processo penal. Ao imputado, assegurou-se um círculo de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos e abusos cometidos por representantes do Estado, destacando-se que o réu não pode ser constrangido a confessar a prática do delito e nem a renunciar ao seu direito ao silêncio, nem auto-incriminar-se. Realçou-se, também, a relevância de se qualificar o interrogatório judicial como expressivo meio de defesa do réu, o que enseja a possibilidade de co-réu participar ativamente do interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, traduzindo projeção concretizadora da própria garantia constitucional da plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por juízes e tribunais. No ponto, entendeu-se que eventual transgressão a tal direito subjetivo provoca nulidade absoluta dos atos processuais que se seguirem ao interrogatório judicial, em face da repercussão que deriva do desrespeito, pelo magistrado, a tão essencial franquia conferida pela própria CF. Sendo assim, determinou-se a realização de novos interrogatórios, assegurada, desde já, ao paciente, mediante regular e prévia intimação de seu advogado, a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa ordem em favor desses mesmos co-réus.