Conveniência de aguardar trânsito em julgado do STF para juízo de retratação no STJ
A questão em discussão consiste em saber se as teses fixadas em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal devem necessariamente ser aplicadas imediatamente, sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado dos acórdãos paradigmas. Não obstante já exista decisão de mérito nos Temas n. 987 e 533 do STF, é prudente, por ora, aguardar o trânsito em julgado de seus recursos paradigmas a fim de garantir a segurança jurídica na sua aplicação. Isso porque os acórdãos paradigmas, julgados por maioria, mesmo com a publicação, haverá a possibilidade, no prazo recursal, de oposição de embargos de declaração e de eventual consequente modificação ou modulação de efeitos do que foi decidido. Com efeito, ainda que não seja necessário o trânsito em julgado do precedente para que o tema de repercussão geral tenha aplicação imediata, não se mostra conveniente e consentâneo com a segurança jurídica, e mesmo com a razoável duração do processo, dar tramitação ao processo para eventual exercício de juízo de retratação pelo Superior Tribunal de Justiça (igualmente uma Corte de precedentes), antes de assegurar-se a consolidação da tese vinculante do STF, uma vez que, como é de sabença, não é incomum, no rito da sistemática da repercussão geral, que haja o acolhimento, pelo Plenário da Corte Suprema, de embargos de declaração para aperfeiçoamento, modificação ou mesmo modulação de efeitos de teses sufragadas. Assim, ainda não convém a aplicação dos Temas n. 987 e 533 do STF, a despeito do julgamento dos leading cases.
Competência territorial absoluta e limites à eleição de foro nas relações de consumo
A questão em discussão consiste em saber se a escolha do foro pelo consumidor, sem justificativa plausível, é admissível, considerando a faculdade de escolha do foro em demandas consumeristas. No caso, após assentar que o consumidor possui a faculdade de escolher o foro competente, o Tribunal de origem considerou que a escolha pelo foro de Brasília deu-se de forma aleatória, sem justificativa plausível e pormenorizadamente demonstrada. Com efeito, é assente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em se tratando de relação consumerista, a competência territorial é absoluta, cabendo à parte vulnerável escolher o local em que melhor possa deduzir sua defesa: no foro do seu domicílio, no de domicílio do réu, no foro de eleição ou do local de cumprimento da obrigação. Todavia, é inadmissível a escolha aleatória de foro sem justificativa plausível e pormenorizadamente demonstrada.
Alcance da prescrição intercorrente: Lei 9.873/1999 apenas federal; estados e municípios aplicam Decreto 20.910/1932
Trata-se de controvérsia voltada à análise da tese de prescrição da pretensão punitiva ao fundamento da ocorrência de prescrição intercorrente em âmbito administrativo estadual. O Tribunal de origem decidiu que se aplicava, à hipótese, a regra geral do art. 4º do Decreto n. 20.910/1932, que suspende o prazo prescricional ao longo do período do processo administrativo sancionatório, e não o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999. De fato, o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a regra prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 somente é aplicável aos procedimentos sancionatórios da administração pública federal, não podendo ser invocada para ser reconhecida a prescrição intercorrente no âmbito dos órgãos estaduais e municipais, que devem adotar, na ausência de lei específica, o prazo do Decreto n. 20.910/1932.
Inaplicabilidade do CDC aos contratos interempresariais em arranjos de pagamento com cartões
A controvérsia consiste em decidir acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos negócios jurídicos celebrados entre as empresas integrantes do arranjo de pagamentos com cartões. Em recente julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela inaplicabilidade das normas consumeristas aos contratos interempresariais entre os sujeitos integrantes do arranjo de pagamentos com cartões, notadamente porque tais negócios jurídicos são celebrados com a finalidade de fomentar a atividade mercantil e entre agentes não vulneráveis (REsp 1.990.962/RS, Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 3/6/2024). Não se pode ignorar que, no mercado de meios eletrônicos de pagamentos, os lojistas se valem do serviço prestado pelas credenciadoras e subcredenciadoras a fim de incrementar seus lucros e com a pretensão de facilitar e concentrar a arrecadação do crédito, o que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor, ainda que mitigada a Teoria Finalista. Também não se pode acolher a tese de vulnerabilidade do lojista-empresário, o qual analisa os participantes dessa cadeia e escolhe entre duas opções: (1ª) se prefere se relacionar, diretamente, com apenas uma credenciadora e suas bandeiras ou (2ª) se prefere dialogar com uma subcredenciadora que operará com mais credenciadoras e com mais bandeiras, ampliando o espectro de pagamento com cartões. Assim, o lojista-empresário, ao optar pela proposta que considera mais vantajosa, decide com quem vai negociar e, a partir dessa opção, assume o risco do negócio dentre os quais se inclui a inadimplência daquele com quem contratou. Portanto, no caso, não há responsabilidade solidária por parte da credenciadora em relação aos débitos não adimplidos pela subcredenciadora em face aos lojistas, uma vez que não incide o regramento consumerista nessas interações e não há relação contratual direta entre as partes litigantes.
CNPJ de filiais confere apenas autonomia administrativa, inexistindo autonomia jurídica perante a matriz
A controvérsia tem origem em mandado de segurança impetrado por empresa contra a cobrança, por ente estadual, de diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS em operações interestaduais. Após a concessão da segurança, foi requerida a extensão dos seus efeitos às filiais da empresa que não foram arroladas na petição inicial, tendo o pleito sido rejeitado na origem, ao fundamento de que, concedida a segurança à empresa matriz, a extensão dos benefícios não é aplicada de forma automática às filiais, sendo necessário que as empresas afiliadas estejam mencionadas na petição inicial, devendo serem observados os limites subjetivos da demanda. Com efeito, tem-se que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar tema relacionado à possibilidade de expedição de Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa - CPD-EN para uma das filiais de estabelecimento comercial quando exista pendência tributária da matriz ou de outras filiais, revendo seu entendimento, passou a considerar que filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e de patrimônio próprios, de modo a existir uma relação de dependência a impedir a expedição dessa certidão quando há dívida de algum estabelecimento integrante do grupo (AgInt no AREsp 1.286.122/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/08/2019, DJe 12/09/2019). Conforme entendimento que prevaleceu no mencionado julgado, a sucursal, a filial e a agência não têm um registro próprio, autônomo, e, portanto, não nascem como uma pessoa jurídica. Ressalte-se que a pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, pois é ela sujeito de direitos e de obrigações, assumindo, com todo o seu patrimônio, a correspondente responsabilidade, sendo certo que as filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e de patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do Código Civil) e inscrições distintas no CNPJ. No mesmo sentido, na ementa do Recurso Especial repetitivo n. 1.355.812/RS (Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/5/2013, DJe 31/5/2013) ficou expressamente consignado que "a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades". Dessa forma, o fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz. Não por outro motivo, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que as "filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes e inscrições distintas no CNPJ, que lhes confere autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica. Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais" (AgInt no REsp n. 2.153.737/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 30/9/2024, DJe de 3/10/2024). Destarte, devem ser estendidos os efeitos da decisão judicial às filiais da recorrente domiciliadas no Estado da federação recorrido, mesmo que não arroladas na inicial da impetração.