Relativização da exigência de impugnação específica em embargos à execução fiscal
A primeira questão afetada para julgamento tem o seguinte teor: aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando a decisão recorrida se baseia em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC). No regime do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça pacificou orientação no sentido de que o agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, motivo pelo qual inaplicável a multa que era prevista no art. 557, § 2º, do Código revogado. Essa orientação foi adotada em sede de recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos ( Tema 434/STJ ). Ainda que o escopo do agravo interno seja viabilizar a interposição de recurso aos Tribunais Superiores (exaurimento de instância), não se pode olvidar que os recursos especial ou extraordinário terão seguimento negado quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior, proferida em sede de recurso extraordinário ou especial submetido ao regime dos recursos repetitivos. Consequentemente, o simples argumento de que se pretende o exaurimento de instância, por si só, não é suficiente para que seja reconhecida a ilegalidade da multa. Diante desse quadro, revela-se necessária a revisão do referido Tema Repetitivo. Por outro lado, o precedente qualificado autoriza tanto a improcedência liminar do pedido (pelo juízo singular) quanto o julgamento monocrático pelo relator (no âmbito dos tribunais). Admitir-se a interposição de recurso em face de decisão baseada em precedente qualificado - especialmente quando não há nenhuma sinalização de alteração do precedente - implica negar a própria finalidade da sua criação. Assim, o respeito ao precedente qualificado é regra de observância obrigatória. Entretanto, reconhecer que inexiste ilegalidade ao se declarar manifestamente improcedente agravo interno que impugna decisão baseada em precedente qualificado, para fins de aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, não impõe que o órgão colegiado sempre declare manifestamente improcedente agravo interno interposto contra esse tipo de decisão. Em se tratando de penalidade, a aplicação deve ser proporcional. A título de exemplo, é comum em questões tributárias o questionamento de acórdão proferido sob o regime dos recursos repetitivos, no Superior Tribunal de Justiça, perante o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de matéria amplamente regulamentada pela Constituição Federal, admitindo, ao menos em tese, a viabilização do recurso extraordinário. Nesse cenário, reconhecida a existência de repercussão geral, não é recomendável a imposição da penalidade em sede de agravo interno, ainda que a decisão recorrida esteja amparada em acórdão vinculante do Superior Tribunal de Justiça. Nesse cenário, pode-se afirmar que inexiste ilegalidade ao se declarar manifestamente improcedente agravo interno que impugna decisão baseada em precedente qualificado, para fins de aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, ressalvados os casos em que a aplicação da multa não é recomendada (v.g. acórdão vinculante proferido pelo Tribunal local e recurso especial repetitivo pendente no STJ; acórdão vinculante proferido pelo STJ e pendência de julgamento de repercussão geral no STF). Por sua vez, a segunda questão afetada para julgamento tem o seguinte teor: possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado. Como se constata, a questão guarda relação com o instituto da distinção, que é tratado especialmente nos arts. 489, V e VI e 1.037, §§ 9º a 13, do CPC. Segundo a doutrina, "o distinguishing expressa a distinção entre os casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente", ou seja, "o distinguishing revela a demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são diversos". Acerca do tema, é esclarecedor o Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): "O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentalmente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa". A Segunda Turma do STJ, em recente precedente, afirmou que "o pedido (ou requerimento) de distinção deve ser apresentado na forma do art. 1.037, § 8º e seguintes do CPC. Nesse regime, tal pedido deve ser interposto na primeira oportunidade, após a determinação de sobrestamento, quando este ocorre em Tribunal Superior" (PDist no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.360.573/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 17/5/2024). Destarte, em se tratando de decisão do relator baseada em precedente qualificado, a alegação de distinção deve ser formulada na primeira oportunidade, assim como ocorre com pedido de distinção previsto no art. 1.037, § 8º e seguintes do CPC. Cabe ressaltar que é ônus da parte demonstrar a existência de distinção, em consonância com o Enunciado 9 da ENFAM. Essa demonstração deve ocorrer de forma fundamentada, de modo que é descabida a simples alegação de indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado. Assim, o agravo interposto contra decisão do Tribunal de origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e/ou extraordinário, quando apresentado contra decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC (revisão do TR 434/STJ). Além disso, a multa prevista no art. 1.021, §4º, CPC não é cabível quando (i) alegada de forma fundamentada a distinção ou superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF ou (ii) a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau. Por fim, excetuadas as hipóteses supra, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa, considerando-se as peculiaridades do caso concreto.
Cumulação das majorantes do art. 40 II e VI da Lei de Drogas
A controvérsia consiste em saber se a aplicação cumulativa das majorantes do art. 40, II e VI, da Lei n. 11.343/2006 configura bis in idem . O Tribunal de origem afastou uma das majorantes em questão consignando que, "impõe-se o decote da majorante do art. 40, VI, da Lei 11.343/06, se o adolescente envolvido no tráfico é o mesmo que fez ensejar a causa de aumento do inciso II do citado artigo, sob pena de incorrer em odioso bis in idem ". Contudo, no caso, estão devidamente comprovadas as duas causas de aumento, que têm natureza jurídicas diversas, pois a acusada praticou o crime de tráfico de drogas com envolvimento de adolescente e prevalecendo-se do poder familiar, tendo em vista que aliciava sua filha adolescente para seu auxílio na venda dos entorpecentes. Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em caso similar, afastou a ocorrência de bis in idem ao avaliar a conduta do pai que pratica o crime de drogas juntamente com o filho adolescente, entendendo devida a valoração negativa na primeira fase pelo poder paternal, sem prejuízo da incidência da causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas, pois tratam-se de majorantes natureza jurídica distintas. Nessa linha, AgRg no AREsp 2.063.448/MA, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 5/8/2022. Note-se que "[a] maior reprovabilidade da conduta de traficar com o próprio filho adolescente decorre da constatação de que a figura paterna deixou de observar o seu dever legal de conduzir a criação e a educação do filho, o que não se configura quando a prática do delito envolve adolescente sobre o qual não se exerce o poder familiar." (HC 604.420/RJ, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 17/12/2021). Assim, não há falar em bis in idem no reconhecimento das majorantes previstas nos incisos II e VI do art. 40 da Lei n. 11.343/2006.
Prazo para pagamento de créditos trabalhistas com termo inicial na concessão da recuperação judicial
Cinge-se a controvérsia acerca do termo inicial a ser fixado para o pagamento dos créditos trabalhistas em sede de recuperação judicial. A questão relativa ao marco inicial para pagamento de credores trabalhistas em processos de recuperação judicial foi definida no Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos recursos especiais n. 1.924.164/SP (DJe 17/6/20211) e n. 947.732/SP (DJe 1º/10/2021). O art. 54 da Lei 11.101/2005 estabelece que o plano de recuperação judicial não pode prever prazo superior a 1 (um) ano para o pagamento de créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido. Essa limitação visa proteger os trabalhadores, cujos créditos têm natureza alimentar e são, portanto, merecedores de tratamento especial. A lei, no entanto, não especifica a data de início do prazo de um ano para o pagamento desses créditos. Assim, a interpretação que a doutrina vem dando, corroborada pela jurisprudência do STJ, é que o prazo deve ser contado a partir da concessão da recuperação judicial, e não da data do pedido (RESP 1.960.888). Esse entendimento advém de que: 1) A concessão da recuperação judicial é o marco que confere eficácia à novação dos créditos (art. 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência); 2) Antes dessa decisão, o plano ainda pode ser rejeitado, podendo haver a convolação em falência; e 3) A novação só se aperfeiçoa com a homologação judicial do plano, o que condiciona o início do cumprimento das obrigações.
Intimação única com advertência para custas após indeferimento da gratuidade de justiça
A controvérsia jurídica consiste em definir se, após o julgamento do agravo de instrumento que manteve o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça, é necessária nova intimação da parte para efetuar o pagamento das custas processuais antes da extinção do processo. O moderno processo civil brasileiro é estruturado sob diversos princípios fundamentais que dialogam entre si e formam um sistema coeso. Destacam-se, neste contexto, os princípios da boa-fé processual (art. 5º), da cooperação (art. 6º), da isonomia (art. 7º), da efetividade da tutela jurisdicional e da razoável duração do processo (art. 4º). Dessa forma, quando a parte é adequadamente cientificada da necessidade de cumprir determinada obrigação processual, com expressa advertência sobre as consequências de seu descumprimento, a finalidade da intimação encontra-se plenamente satisfeita. Nesse contexto, a exigência de uma nova intimação para o cumprimento de obrigação claramente estabelecida, após o desprovimento do recurso que questionava essa mesma obrigação, mostra-se incompatível com a lógica sistemática do processo civil contemporâneo. Conclui-se, assim, que quando a parte é intimada para efetuar o pagamento das custas e opta por recorrer dessa decisão, assume conscientemente o risco processual inerente ao eventual desprovimento do recurso. O desfecho desfavorável do recurso, longe de sugerir a necessidade de nova intimação, apenas confirma a obrigação originalmente imposta, cujo prazo para cumprimento passa a fluir a partir da ciência da decisão que manteve o indeferimento da gratuidade.
Penhora prévia como requisito indispensável à adjudicação de bens na execução
A controvérsia jurídica diz respeito à possibilidade de se deferir a adjudicação de bem no processo de execução sem sua penhora prévia e formal. Os artigos 523, § 3º e 825, inciso I, do Código de Processo Civil estabelecem que a penhora é ato processual prévio e necessário à adjudicação de bens. Essa sequência lógica e cronológica decorre da própria natureza da execução forçada e do sistema de expropriação nela previsto. A exigência da penhora prévia como pressuposto para a adjudicação não representa mera formalidade processual, mas concretiza a garantia fundamental do devido processo legal prevista no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, segundo o qual " ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Dessa forma, a sequência procedimental estabelecida pelo legislador processual (penhora-avaliação-expropriação) reforça o comando constitucional, estruturando um processo executivo que equilibra a efetividade da tutela jurisdicional com as garantias do executado. A penhora, nessa perspectiva constitucional, representa uma etapa processual qualificada, que não pode ser suprimida por decisão judicial sem que isso implique violação à própria garantia do devido processo legal. A supressão da penhora viola, portanto, não apenas as disposições infraconstitucionais que regulam o procedimento executivo, mas também o núcleo essencial da garantia constitucional do devido processo legal, na medida em que permite a privação de bens do executado sem a observância do procedimento legalmente estabelecido. A inobservância deste pressuposto processual caracteriza nulidade absoluta, dispensando a comprovação de dano efetivo. Nesse contexto, o prejuízo é presumido ex lege , uma vez que vulnera princípios fundamentais como a segurança jurídica e o devido processo legal. Por fim, é relevante observar que a necessidade da penhora antecedente não se restringe à adjudicação, mas constitui requisito inafastável em qualquer modalidade de expropriação prevista no art. 825 do CPC, seja ela a adjudicação (inciso I), a alienação (inciso II) ou a apropriação de frutos e rendimentos (inciso III).