Inexistência de impedimento ao direito de visita por visitante em regime aberto ou livramento condicional
A finalidade ressocializadora da pena tem assento na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 5.6), cuja interpretação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos engloba a salvaguarda do contato com a família e o mundo exterior, corporificados no direito da pessoa presa a receber visitas (Caso López y Otros Vs. Argentina), estreitamente relacionado também à proteção da família (Caso Norín Catrimán y Otros (Dirigentes, Miembros y Activista del Pueblo Indígena Mapuche) Vs. Chile). O direito de visitas é previsto, ademais, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos ("Regras de Mandela") e na legislação doméstica, notadamente no art. 41, inciso X, da Lei de Execução Penal - normativa que "tem como objetivo a reintegração gradual do apenado à sociedade, por meio do processo de progressão de pena" (REsp 1.544.036/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe de 19/9/2016). As hipóteses em discussão envolvem processo de reintegração à sociedade que se encontra em fase avançada, com ênfase na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (regime aberto) e na obtenção da liberdade mediante observância de condições estabelecidas (livramento condicional). Não se pode perder de vista, ademais, que a pessoa presa conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade (art. 38 do Código Penal). A compreensão de que "[o] direito de visita pode sofrer limitações, diante das peculiaridades do caso concreto" (AgRg no AREsp 1.602.725/DF, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 27/10/2020) é contemplada pela Lei n. 7.210/84, que admite limitação ao direito de visitação mediante ato motivado do juiz da execução penal. Inviável, entretanto, a restrição genérica, que tenha por base a circunstância, em abstrato, de estar o/a visitante cumprindo pena em regime aberto ou livramento condicional. Conclui-se, assim, que é admissível o recebimento de visitas, pela pessoa presa, de quem está cumprindo pena em regime aberto ou em gozo de livramento condicional. A restrição a tal direito poderá ocorrer de forma excepcional, quando determinada pelo juízo da execução penal, mediante decisão devidamente fundamentada em circunstâncias do caso concreto que guardem relação com a limitação, quando esta se revelar adequada, necessária e proporcional. Diante de tal quadro, não se considera devidamente fundamentada decisão que restringe a visitação por pessoa cumprindo pena em regime aberto ou em gozo de livramento condicional quando baseada, de forma genérica, em tais circunstâncias. Assim, fixa-se a seguinte tese: O fato de o visitante cumprir pena privativa de liberdade em regime aberto ou em livramento condicional não impede, por si só, o direito à visita em estabelecimento prisional.
Inexistência do recurso assinado eletronicamente por advogado sem procuração nos autos
Segundo a jurisprudência do STJ, "não é possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui instrumento de procuração nos autos, pois o recurso é considerado inexistente" (AgInt no AREsp 2.620.983/RJ, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 3/10/2024). Com efeito, "no sistema de peticionamento eletrônico, o advogado titular do certificado digital, que chancela eletronicamente o documento, deverá ter procuração nos autos, não tendo valor eventual assinatura digitalizada de outro advogado que venha a constar, fisicamente, da peça encaminhada e assinada eletronicamente, mesmo que este possua procuração nos autos" (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.302.942/AC, Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 18/9/2024). A jurisprudência prevê uma exceção, viabilizando o protocolo de petição em sistema de peticionamento de processo judicial eletrônico por advogado sem procuração nos autos, "desde que se trate de documento (i) nato-digital/digitalizado assinado eletronicamente com certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, nos termos da MP n. 2.200-2/2001, por patrono com procuração nos autos, desde que a plataforma de processo eletrônico judicial seja capaz de validar a assinatura digital do documento; ou (ii) digitalizado que reproduza petição impressa e assinada manualmente também por causídico devidamente constituído no feito" (AgInt no AREsp 1.917.838/RJ, Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 9/9/2022), hipóteses que não se verificam na situação em análise. No caso, a petição de agravo recurso especial foi assinada digitalmente por advogado sem poderes nos autos para atuar em nome da agravante, e a parte, embora regularmente intimada para sanar referido vício, não regularizou. Nesse cenário, não há outra solução senão aplicar a Súmula 115/STJ, que vaticina: "Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos".
Aplicação do RSC a aposentados com paridade para majoração da Retribuição por Titulação
A questão de direito controvertida vem sintetizada na seguinte proposição: "possibilidade de extensão do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC), modo especial de cálculo da Retribuição por Titulação (RT), ao servidor aposentado anteriormente à Lei n. 12.772/2012". A Lei n. 12.772/2012 veio para dispor, com efeitos a partir de 1/3/2013, sobre o plano de carreiras e cargos isolados do Magistério Federal. Para o caso, importa relembrar que as carreiras dividem-se em duas: a do Magistério Superior e a do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (art. 1º, I e III). Diz o art. 16 da lei de regência que a estrutura remuneratória de ambas as carreiras é composta por um Vencimento Básico e uma Retribuição por Titulação (RT). A RT é devida ao docente integrante do Magistério Federal de acordo com a carreira, cargo, classe, nível e titulação comprovada, e deve ser considerada no cálculo dos proventos e das pensões devidos ao servidor inativo ou seus dependentes, desde que o certificado ou o título tenham sido obtidos anteriormente à data da inativação (art. 17, caput e § 1º). A concessão da RT é feita de forma objetiva, tomando-se em conta o aperfeiçoamento profissional e acadêmico do servidor aferido por meio de títulos ou certificados obtidos antes da aposentação. Entretanto, para os integrantes da carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, criou a lei um mecanismo peculiar de aceleração ou facilitação da aquisição do direito à RT, denominado Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC). O RSC vem disciplinado no art. 18 da Lei n. 12.772/2012. Atualmente, os pressupostos, as diretrizes e os procedimentos para a concessão de RSC aos docentes da carreira do Magistério Básico, Técnico e Tecnológico estão estabelecidos na Resolução 3, de 8/6/2021, do Conselho Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências (CPRSC), órgão do Ministério da Educação. A questão controvertida em desate neste julgamento está em que, para a administração federal, a percepção da RT pela equivalência da titulação exigida com o RSC não pode beneficiar os servidores aposentados antes do advento da Lei n. 12.772/2012, que criou o mecanismo do RSC. Para a administração, não se aplica, neste caso, a regra de paridade de vencimentos prevista, até a EC 41/2003, no art. 40, § 8º, da Constituição Federal (redação dada pela EC 20/98), já que o RSC não constituiria benefício de caráter geral, concedido indistintamente a todos os servidores, mas sim de vantagem individualizada, baseada na experiência pessoal e profissional de cada servidor. Por ocasião do julgamento do RE 590.260/SP, submetido à repercussão geral da matéria (Tema 139/STF), o STF estabeleceu que "a jurisprudência desta Suprema Corte tem decidido pela aplicação do art. 40, § 8º, da Constituição quando a gratificação for extensiva a todos os servidores em atividade, independentemente da natureza da função exercida ou do local onde o serviço é prestado. É que, nas palavras do Min. Marco Aurélio, 'a pedra de toque da incidência do preceito é saber se em atividade os aposentados lograriam o benefício' (RE 385.016-AgR/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio)". Essa compreensão foi reafirmada pelo STF no RE 606.199/PR, também submetido à repercussão geral (Tema 439/STF), oportunidade em que restou assentado que a regra constitucional da paridade "não garante aos inativos somente o direito à irredutibilidade do valor nominal dos proventos e à revisão remuneratória geral dada aos ativos, mas sim às vantagens decorrentes de quaisquer benefícios posteriormente concedidos aos ativos, desde que baseados em critérios objetivos". Fiando-se nos parâmetros acima mencionados e interpretando o regime remuneratório do Magistério Federal tal como disciplinado na Lei n. 12.772/2012, o Superior Tribunal de Justiça vem de estabelecer uma jurisprudência estável, íntegra e coerente, passível de reafirmação sob o regime dos recursos repetitivos, no sentido de que o RSC, como mecanismo legal de facilitação do recebimento da RT majorada, corresponde a uma verba remuneratória paga a todos os servidores da ativa de forma linear e genérica, ainda que devam ser atendidas certas especificidades que definirão apenas o nível de RSC a que terá direito cada servidor. Segundo a jurisprudência estabelecida, trata-se o RSC de uma forma de cálculo da RT baseada em critérios objetivos, e não de uma verba decorrente de produtividade individual, da função exercida pelo servidor, do local de prestação do serviço ou de qualquer outra espécie de gratificação pro labore faciendo. Portanto, à luz da interpretação da Lei n. 12.772/2012 produzida pelo STJ, que reconhece no RSC um expediente linear e genérico de facilitação da obtenção de uma maior RT para fins de melhor remuneração do trabalho desempenhado por servidores da carreira do Magistério Federal Básico, Técnico e Tecnológico da ativa, cumpre reconhecer o direito de extensão desse expediente aos servidores que tenham se aposentado antes do advento daquele diploma legal, desde que as instâncias ordinárias tenham reconhecido ao servidor aposentado o direito à paridade prevista no art. 40, § 8º, da Constituição Federal até o advento da EC 41/2003.
Aplicação da Lei 14.230/2021 à tutela provisória de indisponibilidade de bens em processos em curso
A questão controvertida tem por escopo definir a aplicação da nova lei de improbidade administrativa (Lei n. 14.230/2021) a processos em curso, iniciados na vigência da Lei n. 8.429/1992, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, inclusive a previsão de se incluir, nessa medida, o valor de eventual multa civil. Com base na redação original da Lei n. 8.429/1992, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que era desnecessária a demonstração de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo para o deferimento do pedido de indisponibilidade de bens e que a medida poderia abranger o valor de eventual multa civil (Temas 701 e 1.055). Porém, sobreveio a Lei n. 14.230/2021 que promoveu profundas alterações na Lei n. 8.429/1992. Parte dessas alterações foi direcionada à medida de indisponibilidade de bens que passou a exigir para o seu deferimento "a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo" (art. 16, § 3º), estabelecendo que não incidirá "sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita" (art. 16, § 10). Nessa toada, por ser a tutela provisória de indisponibilidade de bens medida que pode ser, a qualquer tempo, revogada ou modificada, a Lei n. 14.230/2021 é aplicável aos processos em curso, tanto em pedidos de revisão de medidas já deferidas como nos recursos ainda pendentes de julgamento. Dessa forma, as disposições da Lei n. 14.230/2021 são aplicáveis aos processos em curso, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, de modo que as medidas já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação dada à Lei n. 8.429/1992, notadamente no que se refere à necessidade de demonstração de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo e à impossibilidade de a constrição abranger o valor da multa civil (art. 16, §§ 3º e 10). Ademais, sob consequência lógica, por contrariarem os dispositivos do art. 16, §§ 3º e 10, da Lei 8.429/1992, devem ser cancelados os Temas 701 e 1.055 dos recursos especiais repetitivos.