Recurso inexistente no CPC/2015 não gera preclusão consumativa e admite recurso adequado
Segundo o princípio da Taxatividade Recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existência jurídica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurídicos. O STJ entende que, "no sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último" (AgInt nos EAg 1.213.737/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17/8/2016, DJe 26/8/2016). Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC/2015), houve algumas mudanças significativas em relação aos recursos cabíveis, entre elas a supressão do agravo retido. No novo código, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da Taxatividade Recursal. Ressalta-se, ademais, que a preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa.
Impossibilidade de salvo-conduto em habeas corpus para aborto sem prova médica ADPF 54 inaplicável
Em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada com o objetivo de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não fosse considerada crime, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição, fixando o entendimento no sentido de que "Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal." (ADPF n. 54, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 30.4.2013). No voto condutor, o Ministro Marco Aurélio consignou que não se discutia a descriminalização do aborto, mas tão somente a possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A anencefalia, doença congênita letal, pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O crime de aborto atenta contra a vida, mas, na hipótese de anencefalia, o delito não se configura, pois o anencéfalo não tem potencialidade de vida. E, inexistindo potencialidade para o feto se tornar pessoa humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal. O Ministro Marco Aurélio registrou, ainda, que "o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e (...) principalmente de proteção jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida - revela-se conduta atípica." Assim, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal parte da premissa da inviabilidade da vida extrauterina. Assentada a premissa teórica, impossível a aplicação do entendimento ao caso em análise, porquanto, embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave, com alta probabilidade de letalidade, não se extrai da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero. Portanto, inviável a aplicação, por analogia, da interpretação conforme a Constituição fixada pela ADPF n. 54 do STF. Ademais, no caso, não se identifica elementos objetivos que indiquem o risco no prosseguimento da gravidez para a gestante, o que, em tese, poderia levar à caracterização da excludente do art. 128, inciso I, do Código Penal.
Atipicidade material no estupro de vulnerável e mitigação do Tema 918 do STJ
Não se ignora que a norma do art. 217-A do Código Penal objetiva tutelar não só a dignidade sexual da vítima, mas também o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes (REsp 1.480.881/PI, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 10/9/2015). No entanto, o contexto que precedeu a prática delitiva (consentimento da família da vítima, inclusive abrigando o casal por período de tempo) e as circunstâncias fáticas verificadas durante a conduta (manutenção do relacionamento até os dias atuais, inclusive com notícia de filho fruto da relação), que o bem jurídico tutelado não foi vulnerado. Ainda que se pudesse argumentar que a vítima teve se desenvolvimento afetado por ter sido submetida precocemente a obrigações típicas da idade adulta, essa assertiva não vence as circunstâncias concretas verificadas no caso, que indicam o contrário, sobretudo o fato de que o relacionamento entre ambos permaneceu, mesmo após a intervenção policial e judicial (ação penal), tendo, inclusive, se aprofundado com a concepção de um filho e planos de casamento. Não parece adequado, diante do contexto atual, lançar argumentos vagos e especulativos no sentido de traçar um cenário ideal de desenvolvimento para vítima caso não tivesse sido inserida na vida sexual de forma precoce. O cenário fático parece inconteste: não há nenhum elemento concreto que indique lesão à dignidade sexual ou ao desenvolvimento da vítima. Ao revés, divisa-se a possibilidade de prejuízo concreto caso se opte pela via da intervenção estatal mediante aplicação da lei penal. Há risco de taxar um relacionamento consolidado pelo tempo e pela formação de uma família, inclusive com prole, em criminoso, circunstância que põe em perigo a unidade familiar e a proteção de um terceiro inocente (filho). E, nesse aspecto, se de um lado a proteção à criança e ao adolescente tem sede constitucional (art. 227 da CF); do outro, a unidade familiar também goza de reconhecimento e proteção da Carta Magna (art. 226 da CF), de modo que não parece justo, sacrificar um em detrimento do outro. Por fim, ressalte-se que não se está propondo a mitigação do Tema 918/STJ, mas apenas reconhecendo que a situação verificada é demasiadamente complexa, de modo que escapa da diretriz estabelecida no julgamento do REsp 1.480.881/PI.
Alienação judicial de vaga de garagem autônoma a terceiros exige autorização da convenção condominial
Em julgamento da Quarta Turma, definiu-se que, "em condomínio edilício, a vaga de garagem pode ser enquadrada como: (i) unidade autônoma (art. 1.331, § 1º, do CC), desde que lhe caiba matrícula independente no Registro de Imóveis, sendo, então, de uso exclusivo do titular; (ii) direito acessório, quando vinculado a um apartamento, sendo, assim, de uso particular; ou (iii) área comum, quando sua fruição couber a todos os condôminos indistintamente" (REsp 1.152.148/SE, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/8/2013, DJe de 2/9/2013). No contexto da unidade autônoma, é admissível a penhora de vaga de garagem associada a imóvel considerado bem de família, conforme estabelecido pela Súmula n. 449 do STJ. Ao aplicar o entendimento da referida súmula, a Corte estadual afastou a proibição do art. 1.331, § 1º, do Código Civil (CC/2002) - alienação a terceiros estranhos ao condomínio - na hipótese de determinação judicial de penhora de vaga de garagem com matrícula própria. A redação do parágrafo primeiro foi conferida com a finalidade de garantir segurança, funcionalidade e harmonia no ambiente condominial. Ao restringir o acesso às vagas apenas aos condôminos, reduz-se o risco de indivíduos não autorizados circularem no espaço, diminuindo a probabilidade de incidentes como furtos, vandalismos ou invasões. Logo, ao interpretar o art. 1.331, § 1º, do CC/2002, que veda a alienação das vagas de garagem a pessoas estranhas ao condomínio sem autorização expressa na convenção condominial, em conjunto com o entendimento consolidado na Súmula n. 449 do STJ, que autoriza a penhora de vaga de garagem com matrícula própria, é imperativo restringir a participação na hasta pública exclusivamente aos condôminos.
Abusividade de cláusula que transfere ao consumidor riscos de equipamentos de telecomunicações
Nos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet, mesmo que se reconheça a autonomia da vontade (autodeterminação) do contratante ao escolher a prestadora do serviço, não há liberdade de escolha do consumidor quanto à pessoa jurídica com quem celebrará o contrato de comodato ou locação dos equipamentos necessários para a fruição do serviço. A locação e o comodato, que costumam ser contratos principais no direito privado, surgem, sob o prisma da relação de consumo em debate, como pactos acessórios cuja celebração é decorrência natural e obrigatória da contratação dos serviços de TV por assinatura e internet (pacto principal). Sendo assim, se o consumidor não pode optar pela compra dos aparelhos e deve se sujeitar ao comodato ou à locação impostos pela operadora "conforme a política comercial vigente", é abusiva a regra contratual que impõe ao hipossuficiente a assunção do risco pelo perecimento ou perdimento do equipamento, mesmo em situações de caso fortuito ou força maior. A manutenção das cláusulas de assunção integral do risco constantes de contratos de adesão, redigidos unilateralmente pelo fornecedor, representa prática abusiva e desequilíbrio contratual, colocando o consumidor em desvantagem exagerada. Já a exclusão dessa cláusula não causará desequilíbrio em prejuízo dos interesses do fornecedor, pois, se o consumidor invocar a exceção substancial do caso fortuito ou da força maior (roubo, por exemplo), caberá a ele, em tese, demonstrar a sua ocorrência.