Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro

STF
816
Direito Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 816

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário recebeu, parcialmente, denúncia oferecida contra deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º) e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012). Ainda, na mesma assentada, a Corte, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra ex-deputada, hoje prefeita municipal, pelo suposto delito de corrupção passiva. Por fim, julgou prejudicados os agravos regimentais. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares suscitadas. Afirmou não prosperar a alegação de nulidade do depoimento prestado pela denunciada perante o Ministério Público, ao argumento de que teria sido ouvida como testemunha e não como investigada, o que comprometeria o direito de não autoincriminação. Isso porque, embora ela tivesse sido ouvida na condição de testemunha e assumido o compromisso de dizer a verdade, constaria do termo de depoimento que ela teria sido informada de que estariam ressalvadas daquele compromisso “as garantias constitucionais aplicáveis”. Afastou também a pretensão do denunciado de ver suspenso o processo, por aplicação analógica do art. 86, § 4º, da CF, já que essa previsão constitucional se destinaria expressamente ao chefe do Poder Executivo da União. Desse modo, não estaria autorizado, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que ampliasse a incidência a outras autoridades, notadamente do Poder Legislativo. Rechaçou o alegado cerceamento de defesa, arguido em agravos regimentais, por meio dos quais se buscava acessar o inteiro teor do acordo de colaboração premiada e respectivos termos de depoimento de réu já condenado pela justiça federal por crimes apurados na denominada “Operação Lava Jato”. Ressaltou que o Procurador-Geral da República juntara aos autos todos os depoimentos de colaboradores que se referiam ao acusado e aos fatos referidos na denúncia.
Da mesma forma, o Tribunal entendeu que seria improcedente a alegação de nulidade de depoimentos complementares prestados por colaborador, em razão da ausência de nova homologação ou ratificação do acordo de colaboração premiada pelo Supremo Tribunal Federal. Não se poderia confundir o acordo de colaboração premiada, que estaria sujeito à homologação judicial, com os termos de depoimentos prestados pelo colaborador, que independeriam de tal homologação. Na espécie, o acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e colaborador teria sido devidamente homologado por juiz federal, nos termos da Lei 12.850/2013. À época, pelas declarações até então prestadas pelo colaborador, não haveria notícia de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro no STF, razão pela qual seria inquestionável a competência daquele juízo para a prática do ato homologatório. Assim, a eventual desconstituição de acordo de colaboração teria âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, de modo que não beneficiaria e nem prejudicaria terceiros. Vencido o Ministro Marco Aurélio, ao fundamento de que o STF não seria competente para julgar a denunciada, tendo em vista que ela não gozaria de prerrogativa de foro perante esta Corte. Acolhia, por outro lado, a preliminar de cerceamento de defesa, pela impossibilidade de acesso, como um todo, às delações premiadas pelos acusados.
O Plenário sublinhou que as razões apresentadas pelo Ministério Público teriam demonstrado adequadamente a necessidade de a denunciada ser processada e julgada no STF, em conjunto com o deputado federal. No caso, a peça acusatória imputara ao parlamentar condutas delituosas desdobradas em dois momentos distintos. No primeiro, o acusado teria solicitado e aceitado promessa de vantagens indevidas para garantir a continuidade de esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, assim como para manter indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista. Em um segundo momento, a percepção de valores indevidos teria sido para pressionar o retorno do pagamento de propinas, valendo-se de requerimentos formulados por interposta pessoa e com desvio de finalidade na atuação legislativa. Relativamente à primeira fase, o acusado, entre junho de 2006 e outubro de 2012, solicitara para si e para outrem e aceitara promessa de vantagem indevida em razão da contratação, pela Petrobras, de estaleiro para a construção de navio-sonda. Além disso, entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, o parlamentar também solicitara, para si e para outrem e teria aceitado promessa, direta e indiretamente, de vantagem indevida, a fim de que a Petrobras realizasse a contratação do mesmo estaleiro para a construção de outro navio-sonda. Todavia, o Colegiado afirmou que não ficara demonstrada concretamente a participação dos denunciados nessa fase inicial de negociação da construção dos navios-sonda. Assinalou que nada fora produzido, em termos probatórios, que indicasse a efetiva participação dos denunciados nos supostos crimes ocorridos na época da celebração dos contratos, nos anos de 2006 e 2007, ou mesmo que os acusados tivessem, no período imediato, recebido vantagem indevida para viabilizar a negociação ou se omitido em fiscalizar esses contratos, em razão do mandato parlamentar. Assim, ante a falta de apresentação de indícios de participação dos denunciados quanto a esse período, a denúncia não mereceria ser recebida.
No tocante ao segundo momento delitivo, o Tribunal reputou que o aditamento à denúncia trouxera reforço narrativo lógico e elementos sólidos que apontariam ter ambos os denunciados aderidos à exigência e recebimento de valores ilícitos, a partir de 2010 e 2011. Nesse item, a peça acusatória narrara os fatos em tese delituosos e a conduta dos agentes, com as devidas circunstâncias de tempo, lugar e modo, sem qualquer prejuízo ao exercício de defesa. A materialidade e os indícios de autoria, elementos básicos para o recebimento da denúncia, encontrar-se-iam presentes a partir do substrato trazido no inquérito. A Corte observou que a interposta pessoa a que se referiria a denúncia seria a acusada, que, para coagir lobista a pagar valor ainda pendente, referente às aludidas comissões ilegítimas, apresentara, por solicitação do deputado, dois requerimentos à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados requisitando informações ao TCU e ao Ministério de Minas e Energia acerca dos contratos de interesse do lobista com a Petrobras. A pressão exercida pelo acusado, por intermédio da denunciada, surtira efeito, uma vez que o lobista se vira compelido a pagar as quantias prometidas. Ademais, a materialidade e os indícios de autoria relativos aos crimes de lavagem de dinheiro, elementos básicos para o recebimento da denúncia, também se encontrariam presentes. Depoimento prestado pelo lobista no âmbito de colaboração premiada indicaria que, para operacionalizar suposto pagamento de parte da propina ao deputado, teriam sido transferidos valores de sua conta na Suíça. Ainda sobre entregas de valores para o acusado, outro réu investigado no âmbito da “Operação Lava Jato” confirmara que teriam sido realizadas em espécie. Outros elementos probatórios apontariam para operação destinada ao pagamento de propina ao deputado, realizada entre 21 de dezembro de 2011 e 30 de outubro de 2012, por meio de suposta simulação de contratos de prestação de serviços de consultoria. Haveria, ainda, repasse ao acusado mediante simulações de contratos de mútuo. O parlamentar requerera, também, doações a determinada igreja como forma de saldar parte das quantias supostamente a ele devidas, além de pagamento em horas voo mediante fretamento de táxi aéreo.
O Tribunal concluiu que os elementos colhidos indicariam possível cometimento de crime de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, “caput” e § 1º), ao menos na qualidade de partícipe (CP, art. 29), por parte do deputado federal. Excluir-se-ia, todavia, do quanto recebido, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP, incabível pelo mero exercício do mandato popular, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º (“A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”). A jurisprudência do STF exigiria, para tanto, imposição hierárquica não demonstrada nem descrita nos presentes autos. Os indícios existentes apontariam também que a acusada teria concorrido para a prática do delito de corrupção passiva, nos termos do já aludido art. 29 do CP (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”). Assim, não assistiria razão à defesa da denunciada, de que a conduta descrita na inicial acusatória seria de outro tipo penal. Vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que não recebiam a denúncia oferecida contra a acusada. Pontuavam que a conduta imputada a ela seria a de assinar requerimento à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, prática normal à atividade parlamentar. Não haveria, entretanto, prova de que a então parlamentar tivesse solicitado, ou recebido, ou aceito vantagem ilícita para praticar o ato. Seriam necessários outros indicativos de adesão à conduta viciada para que a acusação pudesse ser viável.

Legislação Aplicável

CP, art. 29 e art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º;
Lei 9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012;
CF, art. 86, § 4º;

Informações Gerais

Número do Processo

3983

Tribunal

STF

Data de Julgamento

03/03/2016