Concessão de residência permanente como anistia penal por falsificação documental
Conforme estabelecido no art. 8º da Lei n. 9.474/1997, a entrada irregular de estrangeiros no território nacional não impede que eles solicitem refúgio às autoridades competentes. Em outras palavras, salvo raras exceções previstas nos arts. 7º, §§ 2º, e 3º, III, da mesma lei, o fato de ter ingressado de maneira irregular, seja de forma ilegal ou ilícita, não impede que alcancem a qualidade jurídica de refugiado. Quando uma pessoa qualificada como "refugiado" comete alguma conduta ilícita com o propósito de ingressar no território nacional e essa conduta está diretamente relacionada a esse intento, o procedimento, seja ele de natureza cível, administrativa ou criminal, deve ser arquivado, com base no § 1º do artigo 10 da referida lei. No caso, embora o pedido de reconhecimento da condição de refugiado tenha sido indeferido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) devido à falta de demonstração de um fundado temor de perseguição compatível com os critérios de elegibilidade previstos no art. 10 da Lei n. 9.474/1997, é importante destacar que o estrangeiro encontra-se classificado como residente no território nacional e recebeu um visto ou a permissão permanente, o que denota a condição de residência legal no Brasil. O art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal prescreve a rejeição da denúncia quando inexistir justa causa para o início do processo penal, isto é, quando não houver fundamentos sólidos para a persecução penal. Essa medida, na situação em análise, é necessária, pois configura uma aplicação pertinente do princípio da intervenção mínima e reforça a relevância do caráter fragmentário do direito penal, já que a própria administração pública reconheceu o direito de residência permanente no território nacional. Nesse contexto, também, é apropriado evocar a analogia in bonam partem, uma vez que a interpretação nos conduz à conclusão de que a concessão de residência permanente ao estrangeiro equivale a uma anistia legal para os crimes de uso de documento falso e falsificação de documento público, conforme estabelecido no art. 10, parágrafo 1º, da Lei n. 9.474/1997 em relação aos refugiados. Logo, tal situação resulta na inexistência de justa causa para a ação penal, considerando a correlação entre o uso de passaporte falso e sua entrada irregular no Brasil.
Inaplicabilidade dos honorários recursais no provimento total ou parcial do recurso
A controvérsia que se apresenta a julgamento diz respeito à possibilidade de se proceder, em grau recursal, à majoração da verba honorária estabelecida na instância recorrida, notadamente quando o recurso interposto venha a ser provido total ou parcialmente, ainda que o provimento esteja limitado a capítulo secundário da decisão recorrida. Nesse sentido, é pressuposto da majoração da verba honorária sucumbencial em grau recursal, tal como estabelecida no art. 85, § 11, do CPC, a infrutuosidade do recurso interposto, assim considerado aquele que em nada altera o resultado do julgamento tal como provindo da instância de origem. Daí que, se a regra legal do art. 85, § 11, do CPC existe para penalizar o recorrente que se vale de impugnação infrutuosa, que amplia sem razão jurídica o tempo de duração do processo, pode-se concluir que foge ao escopo da norma aplicar a penalidade em situação concreta na qual o recurso tenha sido, em alguma medida, proveitoso à parte que dele se valeu. Configuraria evidente contrassenso, enfim, aplicar o dispositivo legal em exame para punir o recorrente pelo êxito obtido com o recurso, ainda que mínimo ou limitado a capítulo secundário da decisão recorrida, a exemplo dos que estabelecem os consectários de uma condenação. Respeitada essa premissa, surge sem maiores dificuldades uma primeira conclusão inafastável: para os fins do art. 85, § 11, do CPC, não faz diferença alguma se o recurso foi declarado incognoscível por lhe faltar qualquer requisito de admissibilidade; ou se o recurso foi examinado pelo mérito e integralmente desprovido. Ambas as hipóteses equivalem-se juridicamente para efeito de majoração da verba honorária prefixada, já que nenhuma dessas hipóteses possui aptidão para alterar o resultado do julgamento, e o recurso interposto, ao fim e ao cabo, foi infrutuoso e em nada beneficiou o recorrente. Outra conclusão que se põe, desta vez diretamente relacionada à controvérsia em desate, está em reconhecer que o êxito recursal, ainda quando mínimo, deslocará a causa para além do campo de incidência do art. 85, § 11, do CPC, não se podendo cogitar, nessa hipótese, de majoração pelo tribunal dos honorários previamente fixados. Não cabe, com efeito, penalizar o recorrente se a alteração no resultado do julgamento - ainda que mínima - constitui decorrência direta da interposição do recurso, e se dá em favor da posição jurídica do recorrente. Pensar diferente, ademais, conduziria inevitavelmente os tribunais a um caminho de perturbadora insegurança jurídica, fomentando-se infindáveis discussões acerca do ponto a partir do qual a modificação do resultado do julgamento decorrente do provimento parcial do recurso dispensaria o tribunal de majorar os honorários sucumbenciais previamente fixados. Percebe-se, enfim, que não há razão jurídica para se sustentar a aplicação do art. 85, § 11, do CPC nos casos de provimento parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e diminuto o proveito obtido pelo recorrente com a impugnação aviada, mesmo quando circunscrita à alteração do resultado ou o proveito obtido a mero consectário de um decreto condenatório. Esse entendimento, ademais, é o que se mostra assentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece como um dos requisitos para a aplicação do art. 85, § 11, do CPC, que se esteja a cuidar de recurso integralmente não conhecido ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente.
Multa do artigo 1021 paragrafo 4 do CPC por agravo interno sem dialeticidade recursal
Inicialmente, ressalta-se que a parte agravante tem o ônus da impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. Não basta repetir as razões já expendidas, no recurso anterior, ou limitar-se a infirmar, genericamente, o decisum. É preciso que o Agravo interno impugne, dialogue, combata, enfim, demonstre o desacerto do que restou decidido. Encampando tal compreensão, esta Corte editou a Súmula 182, in verbis: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada". A nova sistemática processual, introduzida pelo CPC de 2015, ratificou tal compreensão, in verbis: "Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal. [...] § 1º. Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada". Assim, constata-se que o princípio da dialeticidade permanece vivo, nesse novo diploma processual, uma vez que se revela indispensável que a parte recorrente faça a impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, expondo os motivos pelos quais não teriam sido devidamente apreciados os fatos e/ou as razões pelas quais não se teria aplicado corretamente o direito, no caso concreto, enfrentando os fundamentos da decisão agravada, o que não ocorreu, na hipótese dos autos. Desse modo, interposto Agravo interno com razões deficientes, que não impugnam, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, devem ser aplicados, no particular, a Súmula 182 desta Corte e o art. 1.021, § 1º, do CPC/2015. Por fim, deve ser imposta, no caso, a multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, no patamar de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa. Segundo entendimento firmado pela Segunda Turma desta Corte, "o recurso que insiste em não atacar especificamente os fundamentos da decisão recorrida seguidamente é manifestamente inadmissível (dupla aplicação do art. 932, III, do CPC/2015), devendo ser penalizado com a multa de 1%, sobre o valor atualizado da causa, prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015" (STJ, AgInt no AREsp n. 974.848/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 13/3/2017).
Obrigatoriedade de dupla visita da ANP a ME e EPP salvo atividade elencada como risco
O art. 179 da Constituição da República prevê como princípio geral da atividade econômica o tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. Dentre essas prerrogativas, consoante estabelecido no art. 55 da Lei Complementar n. 123/2006, está o caráter prioritariamente orientador da ação fiscalizatória de suas atividades, impondo-se o critério da dupla visita para lavratura dos autos de infração, ressalvadas situações de risco incompatível com o procedimento, reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização, cabendo aos órgãos administrativos, mediante ato infralegal, arrolar as atividades não sujeitas ao procedimento geral. A Agência Nacional do Petróleo, do Gás Natural e dos Biocombustíveis - ANP adota, como regra de suas atividades fiscalizatórias, a dupla visita, não elencando a conduta de armazenamento, no mesmo ambiente, de recipientes de gás liquefeito de petróleo (GLP) cheios e vazios como situação de risco. Nesse contexto, a ANP regulamentou seus procedimentos de fiscalização das microempresas e empresas de pequeno porte pela Resolução n. 759, arrolando as atividades consideradas de risco, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. A referida resolução não alterou o grau de risco da atividade, mas apenas regulamentou o art. 55 da Lei Complementar n. 123/2006, de forma a positivar a compatibilidade do procedimento de dupla visita com a atuação de fiscalização da ANP. Assim, pode-se concluir, em regra, pela compatibilidade das atividades supervisionadas pela ANP com o tratamento prioritário conferido às microempresas e empresas de pequeno porte na sobredita Lei Complementar.
Ilegalidade do Decreto 10.854/2021 ao restringir a dedução do PAT no Imposto de Renda
O Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018) foi alterado pelo art. 186, do Decreto n. 10.854/2021 para nele fazer incluir os incisos I e II, do §1º, do art. 645, onde foi estabelecido que a dedução referente ao Programa de Alimentação ao Trabalhador - PAT "será aplicável em relação aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos" e "deverá abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo". À toda evidência, tais limitações para a dedução não constam expressamente nas leis criadoras do Programa de Alimentação ao Trabalhador - PAT, não podendo ser estabelecidas via decreto regulamentar, ainda que as leis regulamentadas tragam cláusula geral de regulamentação, pois carecedor de autorização legal específica. O estabelecimento de prioridade para o atendimento aos trabalhadores de baixa renda, na forma do regulamento, não significa a autorização para a exclusão dos demais trabalhadores pelo regulamento, tal a correta interpretação dos arts. 1º e 2º, da Lei n. 6.321/1976. Em situação análoga, o tema já foi enfrentado por este Superior Tribunal de Justiça quando da fixação de custos máximos para as refeições individuais oferecidas pelo mesmo Programa de Alimentação ao Trabalhador - PAT pela Portaria Interministerial n. 326/1977 e pela a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n. 267/2002, que estabeleceram limitações ilegais não previstas na Lei n. 6.321/1976, no Decreto n. 78.676/1976 ou no Decreto n. 5/1991. Mutatis mutandis, as mesmas razões aqui se aplicam. Com efeito, ato infralegal não pode restringir, ampliar ou alterar direitos decorrentes de lei. A lei é que estabelece as diretrizes para a atuação administrativa-normativa regulamentar. Se o poder público identificou a necessidade de realizar correções no programa há que fazê-lo pelo caminho jurídico adequado e não improvisar via comandos normativos de hierarquia inferior, conduta já rechaçada em abundância pela jurisprudência. Em conclusão, o art. 186, do Decreto n. 10.854/2021, ao restringir a dedução do PAT a valores pagos a título de alimentação para os trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos, limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário-mínimo, incorreu em ilegalidade.