Baixa imediata de RE em matéria penal e abuso do direito de recorrer

STF
766
Direito Constitucional
Direito Processual Civil
Direito Processual Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 766

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O abuso do direito de recorrer no processo penal, com o escopo de obstar o trânsito em julgado da condenação, autoriza a determinação monocrática de baixa imediata dos autos por Ministro do STF, independentemente de publicação da decisão. Esse o entendimento do Plenário, que resolveu questão de ordem em recurso extraordinário no sentido de não conhecer de pleito formulado pelo recorrente e determinar a devolução da petição aos subscritores. No caso, ele fora condenado, em segunda instância, como incurso nas penas do art. 297, § 2º, do CP, à pena de três anos e seis meses de reclusão em regime semiaberto, e multa. Em razão desse julgado, interpusera cumulativamente recursos especial e extraordinário, inadmitidos pelo tribunal de origem. Tendo em conta o juízo de inadmissibilidade do extraordinário, perante o STF foram interpostos quatro recursos, sucessivamente, e esta Corte reconhecera seu caráter protelatório, com determinação da baixa dos autos, independentemente de publicação do acórdão, e consequente trânsito em julgado. No que se refere ao recurso especial, fora admitido, e a partir dele foram manejados três recursos extraordinários, oriundos de diversos recursos protocolados durante o trâmite do especial. Um desses recursos extraordinários seria objeto da presente questão de ordem. A Corte anotou que o agrupamento de todas essas circunstâncias reforçaria a conclusão de que o requerente pretenderia apenas alcançar a prescrição da pretensão punitiva, a qual teria se efetivado, caso não tivesse sido negado seguimento, monocraticamente, ao recurso extraordinário, com determinação da baixa dos autos independentemente de publicação da decisão.
Preliminarmente, o Colegiado admitiu que fosse realizada sustentação oral em questão de ordem, considerados precedentes nesse sentido. Em seguida, foram analisados os pedidos ventilados na questão de ordem. No que se refere ao requerimento de sobrestamento do recurso especial até que o STF se pronunciasse em definitivo sobre os poderes de investigação do Ministério Público (RE 593.727/MG-RG), o Plenário afirmou que o tema não teria relação com aqueles autos, que se prestariam para análise de questão legal, e não constitucional. Além disso, a jurisprudência do STF seria firme no sentido de não admitir recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ no qual se suscitasse questão resolvida na decisão de 2º grau. Em segundo lugar, ainda que o julgamento do referido extraordinário não tivesse sido concluído, já haveria posicionamento de sete Ministros no sentido de reconhecer base constitucional para os poderes de investigação do Ministério Público. Além disso, haveria julgado da 2ª Turma a entender que não seria vedado ao órgão ministerial proceder a diligências investigatórias.
No que diz respeito à inexistência de juízo de inadmissibilidade prévio, por parte do STJ, em relação a um dos recursos extraordinários, o Colegiado reputou que esse fato não obstaria a apreciação direta pelo STF, ao qual incumbiria o juízo definitivo do apelo extremo, e que não estaria vinculado ao juízo proferido na origem. Em relação à assertiva de que o STJ teria vilipendiado dispositivos constitucionais, o Plenário aduziu que aquela Corte teria decidido conforme a legislação infraconstitucional. Ademais, seria assente na jurisprudência do STF que a afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do juiz natural, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada ou da prestação jurisdicional, quando dependesse da análise de normas infraconstitucionais, não configuraria ofensa direta ao texto constitucional. No que concerne à alegação de prescrição, o Colegiado afastou a assertiva, tendo em conta que não se cuidaria de mero acórdão confirmatório da sentença, que teria sido reformada para majorar a pena aplicada em 1º grau. Nesse sentido, seria aplicável orientação jurisprudencial segundo a qual o acórdão confirmatório da condenação que aumenta a pena interrompe a prescrição, e nova contagem é feita a partir do julgamento, e não da publicação do aresto. Além disso, a alteração promovida pela Lei 11.596/2007, para constar como marco interruptivo da prescrição os acórdãos condenatórios recorríveis, não alteraria o quadro, porque o STF, desde antes dessa modificação, já possuiria a referida orientação jurisprudencial. Desse modo, não caberia falar em “novatio legis in pejus”.
A respeito de suposta ofensa ao princípio da colegialidade, tendo em vista a determinação monocrática de baixa dos autos independentemente de publicação da decisão, o Colegiado anotou que a orientação do STF seria de permitir essa prática, seja em face de risco iminente de prescrição, seja no intuito de repelir a utilização de sucessivos recursos com nítido abuso do direito de recorrer, para obstar o trânsito em julgado. Nesse sentido, caberia à Corte, em defesa da efetividade do princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), obstar a utilização de estratégias jurídicas que buscassem, unicamente, protelar o deslinde final da causa. Para esse fim, à luz de interpretação teleológica do art. 21, § 1º, do RISTF [“§ 1º Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art.543-B do Código de Processo Civil”], seria legítimo que o relator assim procedesse. O Ministro Teori Zavascki acrescentou que o tema envolveria o conflito de vários princípios constitucionais: da presunção de inocência; do devido processo legal; da duração razoável do processo; da efetividade da jurisdição; e do monopólio da jurisdição. Sob esse aspecto, a prevalência pura e simples de entendimento segundo o qual a pena só poderia ser executada depois da preclusão de todos os recursos possíveis comprometeria o dever do Estado de prestar jurisdição efetiva, em tempo útil e adequado, tendo em vista a possibilidade de serem usados mecanismos procrastinatórios e abusivos pela defesa. Considerado esse conflito, deveria ser construída solução a permitir a convivência mais harmônica possível entre os citados postulados no caso concreto, a exemplo do que a Corte reiteradamente faria ao determinar a baixa imediata dos autos, independentemente de trânsito em julgado, em hipóteses nas quais houvesse possibilidade de se levar à falência da função jurisdicional em nome da presunção de inocência. O Ministro Celso de Mello frisou que o processo não poderia ser manipulado para viabilizar abuso de direito, tendo em conta o dever de probidade imposto à observância das partes. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente) anotou que o processo, de maneira geral, seria um conjunto de atos preordenados com o objetivo de atingir um resultado juridicamente relevante, e não poderia ser manipulado para se tornar imóvel.
Em passo seguinte, o Plenário resolveu outra questão de ordem, a envolver o mesmo recorrente, no sentido de não conhecer dos pleitos nela formulados e devolver a petição aos signatários. Quanto ao primeiro argumento, no sentido de o STF não poder analisar os demais recursos extraordinários oriundos do mesmo recurso especial, tendo em vista a determinação de baixa imediata dos autos, a Corte assinalou que a jurisdição do STF não teria se encerrado de fato. Sucede que, não obstante os autos tivessem sido encaminhados formalmente à origem, sua disponibilidade — garantida pela natureza eletrônica de seus documentos — teria permitido constatar a pendência de análise de dois recursos extraordinários, de um total de três apresentados nos mesmos autos, a demonstrar que a jurisdição da Corte não teria se exaurido. Esta só se encerraria após a entrega da prestação jurisdicional em todos os recursos ao STF, o que não teria ocorrido. Ademais, o Plenário verificou ocorrência de violação do princípio da unicidade recursal, tendo em vista a interposição simultânea de embargos de divergência e de dois recursos extraordinários. Nesse caso, seria necessário aguardar o julgamento dos embargos para posterior interposição de extraordinário, sob pena de ausência de esgotamento de instância. Além disso, abstraído esse princípio, despicienda seria a necessidade de se analisar o primeiro e o segundo recursos extraordinários, já que todas as teses teriam sido incorporadas ao terceiro recurso extraordinário, ao qual fora negado seguimento monocraticamente.

Legislação Aplicável

CP, art. 297, §2º;
CF, art. 5º, LXXVIII;
CPC, art. 543-B;
RISTF, art. 21, § 1º, do RISTF.

Informações Gerais

Número do Processo

839163

Tribunal

STF

Data de Julgamento

05/11/2014