Classificação jurídica da controvérsia em embargos de divergência não viola o art. 10 do CPC
Inicialmente, impende assinalar que, "na linha dos precedentes desta Corte, não há ofensa ao princípio da não surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação." (AgInt no REsp 1.799.071/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/8/2022). Ainda no tocante ao conteúdo de tal princípio, este Superior Tribunal já assentou que "não possui dimensões absolutas que levem à sua aplicação automática e irrestrita [...]" (AgInt no AREsp 1.778.081/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/2/2022). É firme a compreensão desta Corte segundo a qual não há ofensa ao art. 10 do CPC/2015 "[...] se o Tribunal dá classificação jurídica aos fatos controvertidos contrários à pretensão da parte com aplicação da lei aos fatos narrados nos autos" (AgInt no AREsp 1.889.349/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/11/2021). À vista da dimensão relativa do apontado princípio, equivocada a interpretação que conclua pela sua aplicação automática e irrestrita, mormente no bojo da tomada de votos em julgamento de embargos de divergência.
Prazo prescricional da pretensão condenatória por nulidade de reajuste em planos e seguros de saúde
A Ministra Nancy Andrighi apresentou proposta de revisão do enunciado do tema repetitivo 610/STJ, consoante previsão do art. 256-S, § 1°, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Apontou que no julgamento do EREsp 1.523.744/RS, na sessão ocorrida no dia 20/02/2019, ao examinar hipótese relativa a contratos de prestação de serviços de telefonia, cujas operadoras faziam cobranças indevidas nas faturas dos consumidores, a Corte Especial deste Tribunal adotou o posicionamento de que o prazo prescricional da pretensão de repetição de indébito relativa às hipóteses de responsabilidade contratual deve ser aquele previsto no art. 205 do CC/2002, qual seja, de dez anos. Argumentou que, em homenagem aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, previstos no art. 927, § 4º, do CPC/15, e diante do dever dos Tribunais de uniformizar sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente, inscrito no art. 926 do atual diploma processual civil, a Segunda Seção deveria manifestar-se sobre a influência desse citado entendimento da Corte Especial sobre a tese repetitiva fixada nos REsps 1.361.182/RS e 1.360.969/RS (Tema 610/STJ). Venceu o entendimento de que o Tema n. 610 do STJ deveria ser mantido, porque o julgamento da Corte diz respeito a contratos de lapso prescricional aplicável aos casos de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados por telefonia, o que, ontologicamente, é distinto do objeto do referido Tema, que trata de prazo prescricional para exercício da pretensão de revisão de cláusula contratual que prevê reajuste de plano de saúde. Apontou-se que ainda que a repetição do indébito esteja, em alguma medida, incluída na discussão do processo que deu origem ao precedente, não é, necessariamente, o tema em si. Ainda que o julgamento dos EREsp n. 1.523.744/RS tenha tangenciado o mesmo tema, uma vez que ali ficou decidido que "a discussão sobre a cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra no prazo trienal, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica", não diz respeito, efetivamente, à mesma questão, uma vez que o Tema n. 610 refere-se especificamente a planos de saúde. Para se chegar a um precedente qualificado, com a consagração de tese jurídica apta a retratar o entendimento do Tribunal sobre determinada matéria e a ser aplicada a todos os processos pendentes e futuros que versem sobre o mesmo tema, o caminho de construção conjunta é longo e árduo. De igual forma, a superação de um precedente qualificado (overruling) exige um caminhar, um amadurecimento, uma sequência de passos que culminarão com a mudança de interpretação antes dada por esta Corte a determinado tema. Dessa forma, afirma-se por prematura a proposta de superação do Tema n. 610 do STJ.
Competência de Câmaras Reunidas ou Seção Especializada para Reclamações contra Turmas Recursais divergentes do STJ
Da leitura da íntegra da Lei n. 9.099/1995, percebe-se que o legislador não definiu um mecanismo de revisão das decisões das Turmas Recursais, nem de uniformização de jurisprudência, menos ainda de adequação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Essa lacuna ensejou, no âmbito do STJ, a partir do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos EDcl no RE 571.572/BA (Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 27/11/2009), a criação de procedimentos com relação a acórdãos de Turma Recursais Estaduais previstos na Lei n. 9.099/1995, para adequá-los à jurisprudência, súmula ou orientação adotada na sistemática dos recursos repetitivos do STJ. Era a ratio essendi da Resolução n. 12/2009 do STJ, a qual dispunha sobre o processamento, no Superior Tribunal de Justiça, das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte. Ocorre que referida resolução foi expressamente revogada pela emenda ao Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça n. 22, de 16/3/2016. Com a edição da Resolução STJ/GP n. 3, de 7/4/2016, foi atribuída às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ.
Justiça Militar incompetente para crime de policial militar fora de serviço e sem nexo funcional
A controvérsia consiste em definir se é competência da justiça castrense processar e julgar delito cometido por policial de folga, sem farda, com veículo pessoal e portando arma particular. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "não se enquadra no conceito de crime militar previsto no art. 9º, I, alíneas "b" e "c", do Código Penal Militar o delito cometido por Policial Militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à Administração Militar" (AgRg no HC 656.361/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/8/2021). No caso, a Corte Estadual entendeu que na ocasião dos fatos, o acusado estava de folga e, portanto, sem a farda da corporação, não se identificou como policial, bem como utilizou seu veículo pessoal e sua arma particular. Assim, embora ostentasse a condição de policial militar na ativa, a prática delitiva não decorreu de seu serviço ou em razão da função. A circunstância é corroborada pela declaração da vítima, na qual afirma que os indivíduos que o abordaram não se apresentaram como policiais, vestiam roupas comuns e não estavam fardados. Diante disso, a Lei n. 13.491/2017 não tem aplicação no caso, tendo em vista que o acusado é um policial de folga, hipótese que não se tornou crime militar nos termos da novel legislação. A referida lei, frisa-se, não alterou a competência nestes casos, mas apenas ampliou o rol de condutas para abarcar crimes contra civis previstos na Legislação Penal Comum (Código Penal e leis esparças), desde que praticados por militar em serviço ou no exercício da função (art. 9º, II, Lei n. 13.491/2017).
Dispensa de publicação oficial no processo eletrônico exige advogado cadastrado para intimação
O Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 322, com a redação dada pela Lei n. 11.280/2006, disciplinava que, "contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório". Interpretando o referido dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que os prazos contra o réu revel sem advogado constituído nos autos corriam a partir da publicação em cartório de cada ato decisório, não havendo necessidade de publicação na imprensa oficial. O Código de Processo Civil de 2015, no entanto, em atenção aos princípios do contraditório e da publicidade dos atos jurisdicionais, trouxe significativa mudança em relação à regra de intimação do revel sem advogado constituído nos autos. Assim, diante da nova regra estabelecida, passou-se a exigir a publicação do ato decisório na imprensa oficial, para que se inicie o prazo processual contra o revel que não tenha advogado constituído nos autos, não sendo suficiente, portanto, a mera publicação em cartório. Segundo o art. 5º da Lei n. 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, "As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico". Dessa forma, extrai-se que, ainda que se trate de processo eletrônico, a publicação no órgão oficial somente será dispensada quando as partes estiverem representadas por advogados cadastrados no sistema eletrônico do Poder Judiciário, ocasião em que a intimação se dará pelo respectivo sistema. Assim, a intimação somente será considerada realizada quando o intimando - leia-se: o advogado cadastrado no sistema - efetivar a consulta eletrônica. Logo, se a parte não está representada por advogado cadastrado no portal eletrônico, jamais haverá a possibilidade de consulta, o que impossibilita a efetiva intimação do ato decisório. Na hipótese, como não havia advogados constituídos no processo e cadastrados no portal, a sua intimação do réu revel deveria obrigatoriamente ocorrer por meio de publicação no diário de justiça, razão pela qual a intimação da sentença realizada apenas pelo sistema eletrônico do Tribunal de origem violou os arts. 346 do CPC/2015 e art. 5º da Lei n. 11.419/2006.