Homologação de sentença estrangeira no Brasil: litispendência não obsta, decisão brasileira contrária impede
A controvérsia apresentada pelas partes limita-se aos efeitos de decisão judicial brasileira dispondo em sentido diverso daquela proferida no exterior. Nesse contexto, convém esclarecer que foram apresentadas para homologação duas sentenças proferidas pela jurisdição de Ontário, Canadá, que concedeu ao pai a guarda da filha dos ex-cônjuges, ambos brasileiros. Esta Corte Especial, a partir de 2017, quando do julgamento da SEC n. 14914/EX (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura), passou a entender, conforme consignou a eminente Ministra, que "a pendência de ação perante o Poder Judiciário brasileiro envolvendo as mesmas partes e sobre o mesmo objeto não impede a homologação da sentença estrangeira já transitada em julgado na origem. Não havendo coisa julgada sobre a questão no Brasil, não há óbice à homologação da sentença alienígena". No julgamento da HDE n. 3014/EX (Rel. Min. Og Fernandes, j. 7/10/2020), após a identificação do mesmo contexto fático do mencionado leading case (SEC n. 14914/EX), inclusive com menção expressa ao referido julgado, consignou-se que "a solução, portanto, é a homologação da sentença estrangeira, uma vez que inexiste coisa julgada sobre a questão no Brasil". No entanto, no caso analisado, sentença posterior proferida na Justiça Federal brasileira, com trânsito em julgado, no sentido da improcedência do pedido de busca e apreensão da menor, sob fundamento de que, além de ter sido comprovada violência contra a mãe e a criança, "estudo psicológico produzido nos autos revela a plena adaptação da menor transferida ilicitamente para o Brasil ao novo meio em que inserida, sendo presumida a ocorrência de prejuízos de ordem emocional caso determinado seu retorno ao País de origem, até porque privada estará do convívio contínuo, há mais de dez anos, com parentes e amigos". Assim, afigura-se inviável a homologação da sentença estrangeira, seja por conflitar frontalmente com a decisão brasileira, seja pelo fato de o decisum alienígena ser anterior (22/10/2010) ao nacional (25/4/2014), seja, ainda, em razão do trânsito em julgado da ação de busca e apreensão. Por versar o feito sobre o princípio do melhor interesse do menor, conclui-se que a decisão mais recente tem aptidão para retratar com maior fidelidade o contemporâneo estado psicológico da criança, conforme quadro delineado no laudo que embasou a decisão da Justiça federal brasileira. Tal realidade fragiliza a eficácia e a definitividade que porventura se pudesse extrair da sentença homologanda. Nesse contexto, faz-se de todo oportuno ao caso relembrar o mesmo entendimento sufragado por esta Corte ao julgar a HDE n. 1.396/EX (Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/9/2019, DJe 26/9/2019).
Incompatibilidade da praticagem com as atribuições da Carreira de Auditoria da Receita Federal
Trata-se de Mandado de Segurança no qual se questiona ato do Ministro da Economia que, em processo administrativo disciplinar, demitiu o impetrante do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal pelo exercício da atividade privada de Prático de Navio. A previsão feita no art. 1º da Portaria RFB n. 444/2015, de que as atividades de advocacia, contabilidade e praticagem são incompatíveis com as atribuições da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, está respaldada pela Lei n. 11.890/2008, que impede os integrantes desse segmento do serviço público de exercerem outra atividade, pública ou privada, potencialmente conflitante com suas atribuições, em consonância com a Lei n. 12.813/2013 (arts. 4º, 5º e 10), que versa sobre o conflito de interesses no âmbito do Poder Executivo. Esse conjunto normativo dá concreção aos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência no serviço público (art. 37, caput, da CF). Protege também os agentes públicos, que ficam sabendo objetivamente o que podem ou não fazer. Eventual compatibilidade de horários é circunstância não prevista na norma e, assim, não pode afastá-la. Ainda que se analise a compatibilidade entre o exercício do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal com o de Prático, melhor sorte não socorre ao impetrante. Nos termos do art. 12 da Lei n. 9.537/1997, o prático da Marinha Mercante presta assessoria ao comandante da embarcação. O serviço, por seu turno, é contratado e executado às expensas da pessoa jurídica transportadora, a quem também compete a remuneração. É nitidamente incompatível que o contratado por pessoa jurídica transportadora para a prestação do serviço de praticagem posteriormente desempenhe procedimentos de fiscalização no exercício do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, especialmente os relacionados ao controle aduaneiro, hipótese que se enquadra no disposto no art. 5º, III e VII da Lei n. 12.813/2013.
Contagem do prazo de 10 dias para impugnação à habilitação de crédito em dias corridos
Esta Corte Superior possui entendimento no sentido de ser inaplicável a forma de contagem em dias úteis prevista no CPC/2015 para o âmbito da Lei n. 11.101/2005. Tal entendimento se estende não apenas aos lapsos relacionados ao stay period de que trata o art. 6º, § 4º, da referida lei, mas também aos demais prazos, tendo em vista a lógica temporal estabelecida pela lei especial de recuperação judicial. Nesse sentido, de acordo com os fundamentos adotados pela Quarta Turma no julgamento do REsp 1.699. 528/MG, da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a contagem em dias corridos dos prazos é a que melhor se coaduna com a especialização do procedimento disposto na Lei n. 11.101/2005, conferindo maior concretude às suas finalidades. Confira-se: "a adoção da forma de contagem prevista no Novo Código de Processo Civil, em dias úteis, para o âmbito da Lei 11.101/05, com base na distinção entre prazos processuais e materiais, revelar-se-á árdua e complexa, não existindo entendimento teórico satisfatório, com critério seguro e científico para tais discriminações. Além disso, acabaria por trazer perplexidades ao regime especial, com riscos a harmonia sistêmica da LRF, notadamente quando se pensar na velocidade exigida para a prática de alguns atos e na morosidade de outros, inclusive colocando em xeque a isonomia dos seus participantes, haja vista a dualidade de tratamento". Tem-se, ademais, questão que ora se encontra resolvida pela Lei n. 14.112/2020, que alterou o disposto no art. 189 da Lei n. 11.101/2005, adotando a previsão de que "todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos".
INSS descontado e IRRF compõem a base da contribuição previdenciária patronal terceiros e RAT
A Primeira Seção desta Corte, com base no quadro normativo que rege o tributo em questão, pacificou a orientação de que não incide contribuição previdenciária patronal sobre verbas de caráter indenizatório; por outro lado, "se a verba possuir natureza remuneratória, destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deve integrar a base de cálculo" da referida exação (REsp 1.358.281/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 23/04/2014, DJe 05/12/2014). Na mesma linha de raciocínio, a Segunda Turma desta Corte, apreciando questão idêntica a da presente controvérsia no julgamento do REsp 1.902.565/PR, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, concluiu que os valores descontados a título de contribuição previdenciária e de imposto de renda retido na fonte integram a remuneração do empregado e, por conseguinte, compõem a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e das contribuições destinadas a terceiros e ao RAT. Por fim, acrescenta-se que a retenção do tributo pela fonte pagadora, tal como ocorre no imposto de renda retido na fonte e na contribuição previdenciária a cargo do empregado, representa autêntico instrumento de praticidade, expediente garantidor do cumprimento da obrigação tributária.
Incidência de honorários sucumbenciais sobre condenações decorrentes de cumulação de pedidos
Inicialmente cumpre salientar que o acórdão embargado, proferido pela Quarta Turma desta Corte Superior, concluiu que os honorários advocatícios devem ser calculados apenas sobre o valor da condenação em danos morais, haja vista que a parte relativa à obrigação de fazer - consistente na autorização para realizar intervenção cirúrgica - não possuir conteúdo econômico mensurável. Por sua vez, o aresto indicado como paradigma, da Terceira Turma, assentou que "o título judicial que transita em julgado com a procedência dos pedidos de natureza cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e de pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas condenações". Cumpre destacar que o art. 20 do CPC/1973 estabelece que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas processuais e os honorários advocatícios, estes fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Tal circunstância decorre da aplicação do princípio da sucumbência, igualmente previsto no caput do art. 85 do CPC/2015. Nesses termos, a obrigação de fazer que determina o custeio de tratamento médico por parte das operadoras de planos de saúde pode ser economicamente aferida, utilizando-se como parâmetro o valor da cobertura indevidamente negada, repercutindo, assim, no cálculo da verba sucumbencial. Assim, considerando a possibilidade de mensurar o valor relativo à obrigação de fazer, tal montante deve integrar a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais. Portanto, o termo condenação, previsto nos arts. 20, caput, do CPC/1973 e 85, § 2º, do CPC/2015, não se restringe à determinação de pagar quantia, mas também àquelas que possam ser quantificadas ou mensuradas.