Progressão de Regime: Paciente Estrangeiro e Expulsão em Trâmite - 2 a 5

STF
554
Direito Internacional
Direito Penal
Direito Processual Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 554

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para afastar a vedação de progressão de regime de cumprimento de pena a condenada estrangeira que responde a processo de expulsão. No caso, em virtude da condenação da paciente — nacional boliviana — pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33 c/c o art. 40, I e III), fora instaurado, pelo Ministério da Justiça, inquérito para fins de expulsão (Lei 6.815/1980, artigos 68, parágrafo único, e 71). A impetração reiterava o pleito de progressão de regime ao argumento de que a manutenção da custódia da paciente em regime fechado ofenderia o princípio da razoabilidade e o art. 5º da CF — v. Informativo 541. Observou-se, inicialmente, que a questão estaria em saber se seria, ou não, admissível a progressão de regime para réus estrangeiros não residentes no país e que tal indagação remeteria logo ao disposto no art. 5º, caput, da CF (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”). Ressaltou-se que, em princípio, pareceria que a norma excluiria de sua tutela os estrangeiros não residentes no país, porém, numa análise mais detida, esta não seria a leitura mais adequada, sobretudo porque a garantia de inviolabilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana não comportaria exceção baseada em qualificação subjetiva puramente circunstancial. Tampouco se compreenderia que, sem razão perceptível, o Estado deixasse de resguardar direitos inerentes à dignidade humana das pessoas as quais, embora estrangeiras e sem domicílio no país, se encontrariam sobre o império de sua soberania. Registrou-se que, superada essa objeção, ficaria por perquirir se a hipótese apresentaria alguma outra causa legitimante da quebra de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros quanto ao estatuto normativo da execução da pena, designadamente se haveria motivos idôneos para a vedação geral de progressão de regime a estrangeiros. No ponto, considerou-se pertinente a discussão travada sobre a possibilidade de progressão de regime no caso de crimes hediondos, e em cujo julgamento se concluíra pela inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (HC 82959/SP, DJU de 1º.9.2006). Concluiu-se não ser lícito cogitar de proibição genérica de progressão de regime a nenhuma pessoa pelo só fato de ser estrangeira, em particular à vista da cláusula constitucional que impõe a individualização da pena. 

Em seguida, passou-se à análise destes fatores específicos que vedariam a progressão: a) impossibilidade de residência fixa; b) impossibilidade de obter ocupação lícita; c) pendência de procedimento de expulsão. No tocante à necessidade de residência fixa, aduziu-se que não haveria por onde inferir, necessariamente, dessa condição circunstancial, que a paciente não pudesse providenciar residência para se estabelecer até o fim do cumprimento da pena, durante cujo período seria contra os princípios não lhe garantir tal oportunidade. Ademais, a Lei de Execução Penal - LEP estatui no art. 95 que “em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado”. No que diz respeito à necessidade de ocupação lícita, sustentou-se ser mister estimar de maneira objetiva se estaria presente, ou não, eventual impedimento à progressão. Frisou-se que o art. 114, I, da LEP estabelece que somente ingressará no regime aberto o condenado que “estiver trabalhando ou comprovar possibilidade de fazê-lo imediatamente” e que — ainda que o texto possa sugerir que seria obrigatória a condição de trabalho — não se exauriria aí o alcance da norma. Com relação à sua primeira cláusula — a de que o condenado esteja trabalhando — consignou-se que não se aplicaria à situação, até porque a lei fora idealizada como um sistema, em que ao regime semi-aberto deve seguir-se o regime aberto. No caso, salientou-se que, tendo em vista as deficiências do próprio Estado, se estaria a cogitar de progressão direta do regime fechado ao aberto, donde seria impertinente toda a referência à condição de a condenada já estar trabalhando. Entendeu-se que a mesma conseqüência tirar-se-ia, mutatis mutandis, à segunda locução, concernente à exigência de se comprovar a possibilidade imediata de trabalhar, dado que, estando a condenada encarcerada, sobretudo quando estrangeira, não manteria contato com o mundo exterior que lhe permitisse obter propostas imediatas de emprego. Acrescentou-se que, nos termos do art. 115, caput, da LEP, pode o juiz estabelecer outras condições que reputar necessárias, sendo que o mais curial seria fixar o magistrado, conforme lhe faculta a lei, prazos e condições para que, já estando em regime aberto, o condenado demonstre o cumprimento do requisito exigido, sob pena de regressão. Salientou-se que, na espécie, a paciente provara ser apta para o trabalho, pois remira dias em virtude de atividade laborativa no presídio. 

Refutou-se, também, a tese de que o estrangeiro estaria proibido de encontrar trabalho, à luz do art. 98 do Estatuto do Estrangeiro, invocado pelo juízo de primeiro grau para negar o pedido (“Ao estrangeiro que se encontra no Brasil ao amparo de visto de turista, de trânsito ou temporário de que o art. 13, item IV, bem como os dependentes de titulares de quaisquer vistos temporários é vedado o exercício de atividade remunerada. Ao titular de visto temporário de que trata o art. 13, item VI, é vedado o exercício de atividade remunerada por fonte brasileira.”). Entendeu-se que este dispositivo não traria proibição alguma de trabalho remunerado ao condenado estrangeiro, haja vista que sua situação não se subsumiria a nenhuma dessas hipóteses normativas, senão apenas pela força inexorável de sentença que é o título que lhe justifica e impõe a permanência no território nacional — e que seria desse mesmo título jurídico que lhe adviria a obrigação de trabalhar como uma das condições de cumprimento da pena. Enfatizou-se não se estar com isso professando que o estrangeiro não deva se submeter às limitações constantes do seu estatuto, senão apenas que a ele, de certo, não se lhe aplica a proibição de obter trabalho remunerado. 

Repeliu-se, por fim, o óbice concernente à pendência de procedimento de expulsão. Em primeiro lugar, porque seria do Poder Executivo a prerrogativa de decidir o momento em que — por conveniência do interesse nacional — a expulsão deveria efetivar-se, independentemente da existência de processo ou condenação (Estatuto do Estrangeiro, art. 67), de modo que, se não o fizera até agora, seria porque reputara adequado que o cumprimento da pena ocorresse integralmente em território nacional — e, julgando assim, não poderia subtrair ao condenado estrangeiro nenhum de seus direitos constitucionais, que abrangem o da individualização da pena. Ademais, asseverou-se que, entre nós, qualquer pessoa tem direito à progressão de regime nos termos do art. 112 da LEP, e que, desta forma, a só condição de estrangeiro não lhe retiraria a possibilidade de reinserção na sociedade. Em segundo lugar, salientou-se que o próprio Poder Executivo previra a possibilidade de cumprimento de pena em regime mais benéfico, consoante disposto no Decreto 98.961/90 — que trata da expulsão de estrangeiro condenado por tráfico de entorpecentes (“Art. 4º. Nos casos em que o juízo de execução conceder ao estrangeiro de que trata este decreto regime penal mais benigno do que aquele fixado na decisão condenatória, caberá ao Ministério da Justiça requerer ao Ministério Público providencias para que seja restabelecida a autoridade da sentença transitada em julgado.”). Não obstante sua redação pouco técnica, assinalou-se que da norma resultaria clara a possibilidade de concessão de regime mais benéfico e — se o entender inadmissível ou impróprio — o Ministério da Justiça pode requerer ao parquet que lhe restabeleça a regressão, não havendo, pois, proibição teórica, ou a priori. Vencida a Min. Ellen Gracie, que indeferia o writ. Os Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa reajustaram seus votos.

Legislação Aplicável

Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), art. 33, art. 40, I e III;
Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), art. 2º, § 1º;
Lei 7.210/1984 (LEP), art. 95, art. 112, art. 114, I, art. 115, "caput";
Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), art. 67, art. 68, parágrafo único, art. 71, art. 98;
Decreto 98.961/1990, art. 4º;
CF/1988, art. 5º, "caput"

Informações Gerais

Número do Processo

97147

Tribunal

STF

Data de Julgamento

04/08/2009