Este julgado integra o
Informativo STF nº 564
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade — sempre presente no Estado Democrático de Direito — do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura. Inicialmente, asseverou-se que não estaria em discussão, por indisputável, a afirmativa de que o exercício das funções inerentes à Polícia Judiciária competiria, ordinariamente, às Polícias Civil e Federal (CF, art. 144, § 1º, IV e § 4º), com exceção das atividades concernentes à apuração de delitos militares. Esclareceu-se que isso significaria que os inquéritos policiais — nos quais se consubstanciam, instrumentalmente, as investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária — serão dirigidos e presididos por autoridade policial competente, e por esta, apenas (CPP, art. 4º, caput). Enfatizou-se, contudo, que essa especial regra de competência não impediria que o Ministério Público, que é o dominus litis — e desde que indique os fundamentos jurídicos legitimadores de suas manifestações — determinasse a abertura de inquéritos policiais, ou, então, requisitasse diligências investigatórias, em ordem a prover a investigação penal, conduzida pela Polícia Judiciária, com todos os elementos necessários ao esclarecimento da verdade real e essenciais à formação, por parte do representante do parquet, de sua opinio delicti. Consignou-se que a existência de inquérito policial não se revelaria imprescindível ao oferecimento da denúncia, podendo o Ministério Público, desde que disponha de elementos informativos para tanto, deduzir, em juízo, a pretensão punitiva do Estado. Observou-se que o órgão ministerial, ainda quando inexistente qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, poderia, assim mesmo, fazer instaurar, validamente, a pertinente persecução criminal. Em seguida, assinalou-se que a eventual intervenção do Ministério Público, no curso de inquéritos policiais, sempre presididos por autoridade policial competente, quando feita com o objetivo de complementar e de colaborar com a Polícia Judiciária, poderá caracterizar o legítimo exercício, por essa Instituição, do poder de controle externo que lhe foi constitucionalmente deferido sobre a atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária. Tendo em conta o que exposto, reputou-se constitucionalmente lícito, ao parquet, promover, por autoridade própria, atos de investigação penal, respeitadas — não obstante a unilateralidade desse procedimento investigatório — as limitações que incidem sobre o Estado, em tema de persecução penal. Realçou-se que essa unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza o Ministério Público — tanto quanto a própria Polícia Judiciária — a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao suspeito e ao indiciado, que não mais podem ser considerados meros objetos de investigação. Dessa forma, aduziu-se que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público não interfere nem afeta o exercício, pela autoridade policial, de sua irrecusável condição de presidente do inquérito policial, de responsável pela condução das investigações penais na fase pré-processual da persecutio criminis e do desempenho dos encargos típicos inerentes à função de Polícia Judiciária. Ponderou-se que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), supõe que se reconheça, ainda que por implicitude, aos membros dessa instituição, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas atribuições, permitindo, assim, que se confira efetividade aos fins constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público (teoria dos poderes implícitos). Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente concedidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial quanto em seu momento pré-processual. Afastou-se, de outro lado, qualquer alegação de que o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público poderia frustrar, comprometer ou afetar a garantia do contraditório estabelecida em favor da pessoa investigada. Nesse sentido, salientou-se que, mesmo quando conduzida, unilateralmente, pelo Ministério Público, a investigação penal não legitimaria qualquer condenação criminal, se os elementos de convicção nela produzidos — porém não reproduzidos em juízo, sob a garantia do contraditório — fossem os únicos dados probatórios existentes contra a pessoa investigada, o que afastaria a objeção de que a investigação penal, quando realizada pelo Ministério Público, poderia comprometer o exercício do direito de defesa. Advertiu-se, por fim, que à semelhança do que se registra no inquérito policial, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos e laudos periciais que tenham sido coligidos e realizados no curso da investigação, não podendo o membro do parquet sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qualquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por se referir ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível à pessoa sob investigação.
Legislação Aplicável
CF, arts. 129, I, VI, VII, VIII e IX; 144, § 1º, IV e § 4º; CPP, art. 4º, caput;
Informações Gerais
Número do Processo
89837
Tribunal
STF
Data de Julgamento
20/10/2009