Supremo Tribunal Federal • 9 julgados • 25 de out. de 2018
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O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública (ACP) que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público. O Plenário, com base nessa orientação, negou provimento ao recurso extraordinário (Tema 561 da repercussão geral) no qual se discutia a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ACP para, com fundamento na proteção do patrimônio público, questionar ato administrativo que transfere para a reserva servidor militar, com vantagens e gratificações que, além de ultrapassarem o teto constitucional, são inconstitucionais. De acordo com o Colegiado, o Ministério Público ostenta legitimidade para a tutela coletiva destinada à proteção do patrimônio público. Múltiplos dispositivos da Constituição Federal (CF) evidenciam a elevada importância que o Poder Constituinte conferiu à atuação do parquet no âmbito das ações coletivas (CF, arts. 127, caput, e 129, II, III e IX (1)). A tutela coletiva exercida pelo Ministério Público se submete apenas a restrições excepcionais, como a norma que lhe veda o exercício da representação judicial e da consultoria jurídica de entidades públicas (CF, art. 129, IX). A Constituição reserva ao parquet ampla atribuição no campo da tutela do patrimônio público, interesse de cunho inegavelmente transindividual, preservada, entretanto, a atuação do próprio ente público prejudicado (CF, art. 129, § 1º (2)). Ao ajuizar ação coletiva para a tutela do erário, o Ministério Público não age como representante da entidade pública, e sim como substituto processual de uma coletividade indeterminada, é dizer, a sociedade como um todo, titular do direito à boa administração do patrimônio público, da mesma forma que qualquer cidadão poderia fazê-lo por meio de ação popular (CF, art. 5º, LXXIII (3)). O combate em juízo à dilapidação ilegal do erário configura atividade de defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público, funções institucionais atribuídas ao Ministério Público pela Constituição. Entendimento contrário não apenas afronta a textual previsão da Carta Magna, mas também fragiliza o sistema de controle da Administração Pública, visto que a persecução de atos atentatórios à probidade e à moralidade administrativas recairia no próprio ente público no bojo do qual a lesão tiver ocorrido.
O Plenário negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra decisão que negou seguimento a ação rescisória ajuizada para desconstituir acórdão da Segunda Turma (MS 31.686) que assegurou à impetrante o recebimento de parcela referente ao pagamento do percentual de 26,05% relativo à Unidade de Referência de Preços (URP) de fevereiro de 1989 (Plano Verão). A autora pretendia rescindir o julgado ao fundamento de que, tempos depois, a Corte mudou seu posicionamento e passou a permitir que o Tribunal de Contas da União analisasse a questão no momento do pedido de aposentadoria e eventualmente glosasse a URP em virtude de reescalonamento de carreiras. Para o Colegiado, é inadmissível ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei na hipótese em que a decisão rescindenda tiver por fundamento texto legal de interpretação controvertida nos tribunais (Verbete 343 da Súmula do STF). Com base nesse entendimento, determinou que prevaleça a qualidade de imutabilidade dos efeitos da decisão de mérito transitada em julgado proferida pelo acórdão rescindendo. Asseverou, ainda, que a ação rescisória é via processual inadequada à mera rediscussão de questões já assentadas pelo Tribunal à época do julgamento do qual decorreu a decisão que se pretende desconstituir. Ademais, uma alteração posterior de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não legitima o pedido rescisório, notadamente em razão de, à época de sua prolação, a interpretação sobre o tema ser controvertida no próprio Tribunal. Em consonância com o instituto da prospective overruling, a mudança jurisprudencial deve ter eficácia ex nunc, porque, do contrário, surpreende quem obedecia à jurisprudência daquele momento. Ao lado do prestígio do precedente, há o prestígio da segurança jurídica, princípio segundo o qual a jurisprudência não pode causar uma surpresa ao jurisdicionado a partir de modificação do panorama jurídico.
Em conclusão, o Plenário, ao julgar procedente, em parte, pedido formulado em ação direta, declarou a inconstitucionalidade das expressões “o Procurador da Fazenda Estadual” contida no inciso II (1) do art. 119 e “por qualquer tempo” da parte final do art. 32 da Constituição do Estado do Amapá (2). Por maioria, assentou a inconstitucionalidade do inciso XVII do art. 112 e deu interpretação conforme à Constituição Federal (CF) ao art. 115 (3). O Colegiado considerou improcedente o pleito no tocante ao art. 307 e majoritariamente no que se refere aos arts. 103, IV, e 110, todos da Constituição estadual. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu prejudicado o pedido no que concerne ao art. 31, parágrafo único; ao art. 42, XVIII; ao art. 76, § 4º; ao art. 95, XX e XXIV; ao art. 118, §§ 1º e 5º, da Constituição amapaense e ao art. 52 do respectivo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), haja vista a superveniente revogação dos preceitos. Reconheceu, por ser mera repetição de norma da CF, a constitucionalidade da previsão de reserva de vagas no serviço público para pessoas portadoras de deficiência (art. 307). A expressão “por qualquer tempo” foi excluída da parte final do art. 32 porque a necessidade de o prefeito, mesmo em períodos menores do que quinze dias, ter autorização da Câmara Municipal para viagem ao exterior quebra a simetria existente em relação a governador. Quanto ao art. 115, a Corte conferiu interpretação conforme para limitar a atuação da Procuradoria da Assembleia Legislativa à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo. A representação estadual como um todo, independentemente do Poder, compete à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), tendo em conta o princípio da unicidade institucional da representação judicial e da consultoria jurídica para estados e Distrito Federal. No entanto, às vezes, há conflito entre os Poderes. Demais disso, o texto do artigo pode vir a gerar confusão, porquanto prevê concorrência com a PGE. Vencidos, no ponto, o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber, por não vislumbrarem inconstitucionalidade. O ministro avaliou ser desnecessária a interpretação conforme. Sobre a homologação dos cálculos das quotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devidas aos municípios (art. 112, XVII), o Pleno assinalou que sujeitar o ato de repasse de recursos públicos à homologação de Tribunal de Contas do Estado (TCE) representa ofensa ao princípio da separação e da independência dos Poderes. Inclusive porque o percentual que pertence ao município terá sua destinação condicionada a ato do TCE que, ao fim e ao cabo, será da Assembleia Legislativa. Noutro passo, não há semelhança entre a atividade de gerenciamento dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), exercida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e a de homologação dos cálculos de quotas do ICMS, pelo TCE. Inexiste simetria entre fundos e quotas. No caso do FPE e do FPM, o próprio TCU efetua os cálculos das quotas-partes cabíveis aos entes federados à luz de estimativas demográficas fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os fundos de participação são de natureza contábil, desprovidos de personalidade jurídica e de gerenciamento do TCU por força da CF. Situação diversa diz respeito ao repasse obrigatório às municipalidades das verbas arrecadadas pelo estado-membro referente ao ICMS, uma vez que não é fundo financeiro e possui relativa liberdade de conformação. De acordo com o art. 158, IV, da CF, pertence aos municípios 25% do produto da arrecadação do imposto. Nesses termos, o TCE é completamente alheio ao processo alocativo das quotas, da mesma forma que o TCU não participa de repasses na arrecadação de outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Para o ministro Ricardo Lewandowski, condicionar a distribuição à homologação prévia dos cálculos pelo TCE contraria o que diz o art. 160 (4) da CF e estabelece restrição à entrega e ao emprego dos recursos mencionados na seção “Da Repartição das Receitas Tributárias”. Já o ministro Marco Aurélio observou que o ato de distribuição não é complexo e depende apenas do Executivo, de início. No tópico, vencidos os ministros Alexandre de Moraes (relator), Gilmar Mendes e Celso de Mello, que entenderam ser constitucional a homologação, pelo TCE, com base na simetria, por haver mesmo parâmetro do TCU. Tanto os fundos como a distribuição das verbas do ICMS fazem parte da repartição de receitas. Por fim, o Colegiado assentou que a iniciativa popular de emenda à Constituição do estado (arts. 103, IV, e 110) é compatível com a Constituição da República, nomeadamente o parágrafo único do art. 1º, os incisos II e III do art. 14 e o inciso XV do art. 49 (5). Na democracia, além dos mecanismos tradicionais por meio dos representantes eleitos, há os de participação direta com projeto de iniciativa popular. A Constituição amapaense densifica a ampliação daquilo que a CF não prevê expressamente. Trata-se de certa democratização no processo de reforma das regras constitucionais estaduais. No tocante à simetria, revelou não ser obstativa ante a ausência de regra clara que afaste a faculdade de o estado aumentar os mecanismos de participação direta. A ministra Rosa Weber consignou a importância da iniciativa popular de emenda para a implantação da democracia participativa no Brasil. O ministro Luiz Fux frisou que, consoante doutrina, o princípio democrático conspira em prol da possibilidade de a iniciativa popular promover emendas constitucionais. Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski acentuou que, em matéria de direitos fundamentais, os estados podem ampliá-los com relação à CF. A soberania e a cidadania são valores máximos abrigados na CF relativamente aos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que consideraram inconstitucional a iniciativa popular de emenda. O relator assinalou inexistir parâmetro na CF, que não permite essa iniciativa para proposta de emenda constitucional. Ademais, a CF não deixou vácuo legislativo. O ministro Marco Aurélio destacou que a própria Constituição Federal veio a limitar a iniciativa popular quando não cogitou dela quanto às emendas constitucionais.
O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra os arts. 1º e 20 da Lei 9.786/1999 (1) e os arts. 82 e 83 da Portaria 42/2008 do Comandante do Exército (2). De início, o Colegiado assentou ser cognoscível a ação, tendo em conta que eventual extrapolação de competência regulamentar caracteriza objeto de ação direta na condição de decreto autônomo impugnável pela via do controle abstrato de constitucionalidade, ao supostamente instituir tributo mediante ato infralegal. Em seguida, consignou que os colégios militares, integrantes do Sistema de Ensino do Exército e instituição secular da vida social brasileira, possuem peculiaridades aptas a diferenciá-los dos estabelecimentos oficiais de ensino e qualificá-los como instituições educacionais sui generis, por razões éticas, fiscais, legais e institucionais. A quota mensal escolar nos colégios militares não representa ofensa à regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há violação concreta ou potencial ao núcleo de intangibilidade do direito fundamental à educação. A Portaria 42/2008, que aprova o regulamento dos colégios militares e dá outras providências, foi editada à luz da própria Constituição Federal (CF) e da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A contribuição dos alunos para o custeio das atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária, considerada a facultatividade do ingresso ao Sistema de Ensino do Exército, segundo critérios meritocráticos, assim como a natureza contratual do vínculo jurídico formado.
São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares à prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem das compras, por violação ao princípio da livre iniciativa (arts. 1º, IV (1), e 170 (2) da Constituição). Essa foi a tese fixada pelo Plenário ao negar provimento, por maioria, a recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 525), e manter acórdão que declarou a inconstitucionalidade da Lei 5.690/2010 do município de Pelotas. A norma estabelece a obrigatoriedade de prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem das compras por supermercados ou similares e prevê a contratação de um funcionário específico para esse fim (Informativo 920). O Colegiado asseverou que o princípio da livre iniciativa, descrito no art. 1º, IV, da CF como fundamento da República e reiterado no art. 170 do texto constitucional, veda a adoção de medidas que se destinem direta ou indiretamente à manutenção artificial de postos de trabalho, em detrimento das reconfigurações de mercado necessárias à inovação e ao desenvolvimento. Isso porque essa providência não é capaz de gerar riqueza para trabalhadores ou consumidores. A obrigação de fornecer serviço de empacotamento em conjunto com a oferta de bens de varejo representa violação à garantia constitucional da proteção aos interesses dos consumidores (CF, art. 5º, XXXII (3)), mercê de constituir verdadeira venda casada, prática vedada pelo art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A medida ocasionará aumento de preços para a totalidade dos consumidores, ainda que não necessitem do serviço ou não possuam recursos para custeá-lo. Considerou, ainda, que a lei municipal, ao exigir, no § 1º do art. 1º, a contratação de funcionário para cumprir determinada tarefa em estabelecimento empresarial, usurpa a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e comercial (CF, art. 22, I (4)). Citou a orientação firmada no julgamento das ADIs 669 MC e 907 no sentido de reputar inconstitucional norma estadual que obrigava supermercados a manter funcionários para o acondicionamento de compras. A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator apenas quanto à inconstitucionalidade material da norma. Vencidos, em parte, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que deram parcial provimento ao recurso. Para eles, apenas o § 1º do art. 1º da lei municipal fere a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho. Relativamente ao caput do art. 1º da norma, na linha dos votos vencidos no julgamento da ADI 907, entenderam que os municípios podem legislar, de forma suplementar, para melhor atendimento do consumidor. Disponibilizar o serviço de empacotamento ao consumidor, em hipermercados e supermercados, sem que haja contratação de empregados, mas adoção de tecnologia de autoatendimento moderno, como, por exemplo, por meio de máquinas de self check-out, traz benefício ao fluxo da saída do estabelecimento, não interfere em relações trabalhistas e suplementa a proteção ao consumidor que é devida a todos. Nesse sentido, registraram a tramitação, na Câmara dos Deputados, dos Projetos de Lei 2.139/2011 e 353/2011, que, em nível nacional, estabelecem esse melhor atendimento, com proteção ao consumidor e sem aumento de postos de trabalho.
A Primeira Turma, diante de empate na votação, concedeu ordem de habeas corpus de ofício em favor de impetrante preso preventivamente em razão do porte de 887,89 gramas de maconha e R$ 1.730,00. O ministro Roberto Barroso considerou genéricas as razões da segregação cautelar do réu, que é primário. Além disso, reconheceu como de pouca nocividade a substância entorpecente apreendida (maconha). Reputou que a prisão de jovens pelo tráfico de pequena quantidade de maconha é mais gravosa do que a eventual permanência em liberdade, pois serão fatalmente cooptados ou contaminados por uma criminalidade mais grave ao ingressarem no ambiente carcerário. A ministra Rosa Weber acompanhou o ministro Roberto Barroso. Em divergência, votaram os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, que denegaram a ordem. Consideraram que a quantidade de entorpecente e o valor monetário apreendidos são motivos suficientes para a manutenção da custódia.
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem de habeas corpus e revogou a liminar anteriormente deferida, em que se pleiteava a anulação de intimação realizada por meio de publicação da qual constava somente o nome por extenso de advogado já falecido, acompanhado da expressão “e outros”. O impetrante sustentou a ocorrência de cerceamento de defesa e nulidade absoluta das intimações feitas em nome de patrono já falecido. A Turma entendeu que não houve prejuízo ao impetrante nem, consequentemente, incidência de nulidade insuperável, pois havia outro advogado constituído à época da referida intimação, o qual seguiu interpondo recursos – recurso em sentido estrito e embargos infringentes decididos por Tribunal de Justiça, além de recursos especial e extraordinário, ambos com trânsito em julgado –, o que afasta a existência de teratologia. Ressaltou que, antes da intimação, a defesa não havia informado ao Tribunal acerca do falecimento do advogado intimado, incidindo no art. 565 do Código de Processo Penal (1), que veda a arguição de nulidade à parte que tenha lhe dado causa. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que reconheceu a existência de nulidade na intimação realizada mediante publicação apenas com o nome do advogado falecido.
A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar aplica-se na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão. Com base nessa orientação, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental para manter acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que reconhecera a inelegibilidade de candidato ao cargo de prefeito ante a impossibilidade de exercício do terceiro mandato consecutivo pelo mesmo núcleo familiar. No caso, o cunhado do ora recorrente obteve o segundo lugar nas eleições municipais de 2008 para o cargo de prefeito, mas acabou assumindo a função de forma definitiva em 2009, em decorrência de decisão da Justiça Eleitoral que cassou o mandato do primeiro colocado. Posteriormente, o recorrente disputou as eleições municipais em 2012, ocasião em que foi eleito, pela primeira vez, para o mandato de prefeito. Entretanto, ao se candidatar à eleição seguinte para o mesmo cargo, sua candidatura foi impugnada ante o reconhecimento do exercício, pela terceira vez consecutiva, por integrante do mesmo núcleo familiar, da chefia do Poder Executivo local, em ofensa ao que disposto no art. 14, §§ 5º e 7º (1), da Constituição Federal. A Turma afirmou que o Poder Constituinte se revelou hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-administrativo. Com o objetivo de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função pública, foram definidas situações de inelegibilidade destinadas a obstar, entre outras hipóteses, a formação de grupos hegemônicos que, ao monopolizarem o acesso aos mandatos eletivos, virtualmente patrimonializam o poder governamental, convertendo-o em verdadeira res doméstica. As formações oligárquicas constituem grave deformação do processo democrático. Nessa medida, a busca do poder não pode limitar-se à esfera reservada de grupos privados, sob pena de frustrar-se o princípio do acesso universal às instâncias governamentais. Legitimar o controle monopolístico do poder por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equivale a ensejar, em última análise, o domínio do próprio Estado por grupos privados. A patrimonialização do poder revela inquestionável anomalia a que o Supremo Tribunal Federal não pode permanecer indiferente, pois a consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político conduzirá o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá situação inaceitável.
A Segunda Turma, por maioria, desproveu agravo regimental interposto contra decisão proferida pela ministra Cármen Lúcia (relatora), que deu provimento a agravo e, de pronto, ao recurso extraordinário, para julgar improcedente pedido de indenização por danos morais formulado por familiares de pessoa morta em tiroteio ocorrido em via pública. Os familiares, agravantes, ajuizaram ação de indenização contra a empresa jornalística por ter divulgado a fotografia do local da cena do crime com a imagem da vítima ensanguentada em seu veículo, sem os devidos cuidados de edição. Sustentaram violação do direito à intimidade, à privacidade e à imagem do falecido e de sua família (CF, art. 5º, V e X (1)). O tribunal de origem julgou procedente a pretensão indenizatória, ao fundamento de estar caracterizada a situação geradora de dano moral, haja vista que a publicação da foto do rosto desfigurado do falecido, sem o cuidado de sombrear a imagem, configuraria extrapolação da liberdade de imprensa e violação aos direitos de personalidade da vítima e de seus familiares. A empresa ré interpôs recurso extraordinário contra esse acórdão e alegou ofensa ao exercício da liberdade de expressão, de informação e de imprensa (CF, artigos 5º, IV, IX e XIV (2), e 220 (3)). O apelo extremo foi inadmitido com base no Enunciado 279 (4) da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo sido agravada a decisão. Prevaleceu o voto da ministra Cármen Lúcia que superou a aplicação do referido verbete sumular por considerar que a resolução da controvérsia é eminentemente de direito e independe do reexame do conjunto fático-probatório. Desde a sentença de primeira instância, ficou assentado que o feito comportava julgamento antecipado, sem dilação probatória, por serem os fatos incontroversos. Quanto ao mérito, o Colegiado entendeu que o juiz se substituiu ao jornalista e ao jornal para impor o que considerava desnecessário. Realizou, dessa forma, inequivocamente, restrição censória ao agir da imprensa. Reputou inexistir qualquer comprovação da inocorrência do fato. O que se discutiu foi apenas o não sombreamento que teria sido necessário na análise subjetiva do julgador. Concluiu não haver qualquer dado no processo a revelar irregular ou abusivo exercício da liberdade de imprensa, a qual, assegurada pela Constituição Federal, foi interpretada e aplicada nos termos da consolidada jurisprudência da Corte, no sentido da liberdade de informação jornalística e da proibição à censura. Citou, no ponto, o que decidido na ADPF 130, entre outros julgados. Vencidos os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que, por reputarem estar-se diante de situação a demandar revolvimento do acervo fático-probatório, inviável no âmbito do recurso extraordinário, deram provimento ao agravo regimental para restabelecer o acórdão do tribunal a quo. Ressaltaram que, em nenhum momento, o acórdão do tribunal de justiça limitou o exercício da liberdade de imprensa, mas, sim, concluiu, com base na prova dos autos e na legislação infraconstitucional aplicável à espécie, pela ocorrência de dano moral em razão de indevida exposição da imagem da pessoa. Afastaram, ainda, qualquer violação ao que decidido na ADPF 130, na qual a Corte reafirmou a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer censura prévia, mas não imune a posterior responsabilização por eventual desrespeito a direitos alheios.