Supremo Tribunal Federal • 4 julgados • 18 de out. de 2017
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O Plenário conheceu em parte de ação direta de inconstitucionalidade e, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido para aplicar a técnica da interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto: a) ao § 2º (1) do art. 4º da Lei 11.952/2009, a fim de afastar qualquer entendimento que permita a regularização fundiária das terras públicas ocupadas por quilombolas e outras comunidades tradicionais da Amazônia Legal em nome de terceiros ou de forma a descaracterizar o modo de apropriação da terra por esses grupos; e b) ao art. 13 (2) do mesmo diploma, a fim de afastar quaisquer interpretações que concluam pela desnecessidade de fiscalização dos imóveis rurais até quatro módulos fiscais, devendo o ente federal utilizar-se de todos os meios referidos em suas informações para assegurar a devida proteção ambiental e a concretização dos propósitos da norma, para somente então ser possível a dispensa da vistoria prévia, como condição para a inclusão da propriedade no programa de regularização fundiária de imóveis rurais de domínio público na Amazônia Legal. De início, o Colegiado assentou o prejuízo da pretensão relativa ao art. 15, I, §§ 2º, 4º e 5º, da Lei 11.952/2009 por perda do objeto, tendo em vista a superveniência da Lei 13.465/2017, que alterou substancialmente o inciso I e o § 2º do art. 15 e revogou os §§ 4º e 5º. Assim, conheceu do pleito apenas no tocante ao § 2º do art. 4º e ao art. 13 da Lei 11.952/2009. Reportou-se à jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A correta política pública procura reduzir a desigualdade social e promover o desenvolvimento sustentável da região, possibilitando o acesso às políticas de moradia, crédito rural, assistência técnica e extensão rural, dependentes da regularização do título ou da posse ou da propriedade para se concretizar. Relativamente ao § 2º do art. 4º, o Plenário entendeu que abriu-se a possibilidade para exegese que permita a terceiros — não integrantes dos grupos identitários de remanescentes de quilombos e comunidades tradicionais — ter acesso a essas terras, se comprovados os demais requisitos para a regularização fundiária. A Constituição, nos arts. 216 (4) do texto permanente e 68 (5) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), defere especial proteção aos territórios ocupados pelas comunidades com modos tradicionais de criar, fazer e viver e pelos remanescentes quilombolas. Extraiu a conceituação de comunidade quilombola do art. 2º do Decreto 4.887/2003 e a das comunidades tradicionais do art. 3º do Decreto 6.040/2007 — que instituiu a Política de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Ambas as regras se encontram no âmbito de tutela especial abarcado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, internalizada pelo Decreto 5.051/2004. A questão central, no que concerne à caracterização das comunidades tradicionais e de sua espécie quilombola, é a terra. Eles mantêm uma relação com a terra que é mais do que posse ou propriedade. É uma relação de identidade entre a comunidade e sua terra, que recebe especial atenção na Constituição e nos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. Essa tutela, entretanto, não se verifica no dispositivo legal em análise. Mostra-se deficiente a proteção conferida pelo § 2º do art. 4º da Lei 11.952/2009, sendo preciso dar à norma interpretação de acordo com os ditames constitucionais de forma a assegurar, em sua correta e máxima efetividade, a garantia dos direitos territoriais dessas comunidades. A respeito das comunidades remanescentes de quilombos, a Constituição assegura-lhes a propriedade das terras que ocupam tradicionalmente. O Decreto 4.887/2003, apontado pela União como norma específica em relação aos quilombolas, não trata de procedimento de regularização fundiária de terras da União. Sobre as demais comunidades tradicionais, não há norma específica para a regularização de terras públicas por elas ocupadas, pois o Decreto 6.040/2007 não dispõe sobre a delimitação e demarcação de terras a essa população. Logo, a Lei 11.952/2009, que seria de aplicação apenas subsidiária a esses grupos, passava a ser de aplicação cogente, porquanto não era derrogada por qualquer outra, colocando em risco o exercício dos direitos a eles resguardados constitucionalmente. Além disso, o estatuto legal impugnado destina-se a promover a titulação de terras a proprietários individuais, consoante se infere de seu art. 5º, que cuida da regularização da ocupação ao próprio ocupante, seu cônjuge ou companheiro. Acontece que a propriedade de terras ocupadas pelas citadas comunidades é de feição coletiva e, sem a garantia de um tratamento específico, possibilita-se a não observância dessa característica. Noutro passo, quanto ao art. 13 da Lei 11.952/2009, o Colegiado compreendeu que o direito ao meio ambiente equilibrado foi garantido a todos, de modo difuso, pelo texto constitucional, em seu art. 225, “caput”. Sendo assim, deve o legislador tornar certa a máxima efetividade dos direitos fundamentais, vedado, de toda maneira, proteção insuficiente à segurança desses direitos. Os direitos fundamentais não podem ser tidos somente como proibições de intervenção, expressando ainda um postulado de proteção. Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso, como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela. A tutela desse direito seria fragilizada diante da simples dispensa da vistoria prévia nos imóveis de até quatro módulos fiscais, se apenas essa medida fosse eleita para a verificação do cumprimento dos requisitos legais para a titulação do domínio ou concessão de direito real de uso. Um exame mais aprofundado da questão posta desautorizaria simples conclusão pela retirada da norma do ordenamento jurídico. O Tribunal conjugou os interesses sensíveis que o problema da dispensa da vistoria prévia colocou. A ausência do laudo de vistoria assumiu maior gravidade após a Lei 13.465/2017, que modificou vários dispositivos da Lei 11.952/2009. Com efeito, se antes a União ancorava-se também na realização de vistoria final para a concessão definitiva do título de domínio ou do termo de concessão de uso, agora, a nova redação conferida ao art. 16 não mais previa referida exigência, comprovando-se o cumprimento das cláusulas resolutivas pela juntada de documentação pertinente. Ou seja, os imóveis de até quatro módulos fiscais, via de regra, não passariam por qualquer vistoria no processo de regularização fundiária. O reconhecimento de sua inconstitucionalidade, contudo, não podia levar ao comprometimento dos propósitos dessa legislação. Foi necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre a eficiência na fiscalização dessas pequenas propriedades a serem regularizadas e a proteção do meio ambiente amazônico, de forma a assegurar a real possibilidade de melhoria na qualidade de vida das pessoas que retiravam da floresta seu sustento e que colaboravam para a manutenção do desenvolvimento sustentável da região. Vencido o ministro Marco Aurélio, que acompanhou o relator quanto ao conhecimento da ação, mas, na parte conhecida, considerou-a improcedente. Vencido, em parte, o ministro Alexandre de Moraes, com relação ao que decidido sobre o art. 13, ao entender pela presunção “iuris tantum” da boa-fé da declaração do ocupante do imóvel, no que foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes. (1) Lei 11.952/2009: “Art. 4o Não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos desta Lei, as ocupações que recaiam sobre áreas: (...) § 2o As terras ocupadas por comunidades quilombolas ou tradicionais que façam uso coletivo da área serão regularizadas de acordo com as normas específicas, aplicando-se-lhes, no que couber, os dispositivos desta Lei.” (2) Lei 11.952/2009: “Art. 13. Os requisitos para a regularização fundiária dos imóveis de até 4 (quatro) módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada a vistoria prévia. Parágrafo único. É facultado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário ou, se for o caso, ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão determinar a realização de vistoria de fiscalização do imóvel rural na hipótese prevista no caput deste artigo.” (3) CF/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.” (4) CF/1988: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) II - os modos de criar, fazer e viver;” (5) ADCT: “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”
A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em mandados de segurança para cassar ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, nos autos de processo de controle administrativo, determinou a anulação de concurso público para admissão nas serventias extrajudiciais no Estado do Rio de Janeiro. No caso, a anulação se deu em razão da incompatibilidade com os princípios da moralidade e da impessoalidade, caracterizada pela existência de relacionamento pessoal entre o presidente da comissão do concurso e duas candidatas aprovadas. O CNJ também assentou a parcialidade da comissão examinadora ao entender que houve favorecimento das candidatas na correção das questões das provas. A Turma pontuou que o CNJ, na sua competência de controle administrativo, não pode substituir-se ao examinador, seja nos concursos para o provimento de cargos em cartórios, seja em outros concursos para provimento de cargos de juízes ou de servidores do Poder Judiciário. As duas candidatas não puderam se manifestar após o aditamento do requerimento inicial no âmbito do CNJ, situação que ampliou substancialmente o objeto da apuração ao acrescentar novas causas de pedir que, ao final, constituíram-se os fundamentos únicos do ato combatido. Nesse contexto, o Colegiado destacou a ocorrência de violação da garantia do devido processo legal, tendo em vista a ausência de nova notificação dos interessados para que se manifestassem sobre os novos fundamentos. Também não é possível afirmar a existência de irregularidade ou favorecimento a ensejar a medida extrema adotada pelo CNJ, uma vez que o conselho entendeu haver “fortes indicações de parcialidade”, sem, contudo, demonstrar as “evidências de favorecimento” que justificaram anulação de todo o concurso. Vencido o Ministro Dias Toffoli, que concedeu parcialmente a ordem, somente para desconstituir a deliberação do CNJ de anulação de todo o concurso, mantendo o ato no tocante à parte relativa às candidatas que possuíam relacionamento pessoal com o presidente da comissão do concurso. Entendeu que o contraditório e a ampla defesa foram assegurados com a notificação inicial a todos os interessados, o que lhes possibilitou, inclusive, o acompanhamento do feito e mesmo, se assim desejassem (como de fato foi feito por parte dos candidatos) a apresentação voluntária de suas conclusões quanto às questões surgidas no curso do procedimento. No que concerne, à anulação de todo o concurso público, com impacto aos demais candidatos, destacou que não se pode partir, apenas, de presunções incidentes sobre ato de nítido caráter subjetivo (correção de provas discursivas) para concluir pelo favorecimento de candidatos sem que haja indícios outros a corroborar a conclusão. Admitir-se o contrário seria transformar as etapas dotadas de algum nível de subjetividade em concursos públicos em fases de incerteza, sujeitas a constantes anulações, com nítido prejuízo à segurança jurídica que deve pautar tal espécie de certame.
A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus”, em que discutida a possibilidade de incidir causa especial de aumento de pena não arrolada na inicial acusatória, bem como o enquadramento da paciente nos termos da Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A paciente foi condenada pela conduta tipificada no art. 1º, I, c/c art, 12, I, ambos da Lei 8.137/1990. O impetrante argumentou em favor da não incidência dessa causa de aumento, uma vez que a quantia devida pela paciente não a caracterizava como grande devedora. O Colegiado registrou que, não obstante o princípio da correlação entre imputação e sentença — qual seja, princípio da congruência — representar uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, não houve contrariedade no caso, uma vez que o juízo criminal não desbordou dos limites da imputação oferecida pelo Ministério Público. Ressaltou, ademais, que a vultosa quantia sonegada — cerca de 4 milhões de reais — é elemento suficiente para caracterização do grave dano à coletividade, constante no inciso I do art. 12, da lei 8.137/1990 (1). Em síntese, o Colegiado assentou que os fatos foram suficientemente elucidados na exordial acusatória, sendo que o juiz, não se desbordando dos lindes da razoabilidade e da proporcionalidade, pode aplicar essa agravante. Por fim, quanto à Portaria 320/2008 da PGFN, a Turma anotou que essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito dessa Procuradoria, conceituando, para os seus fins, “grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria de Receita Federal do Brasil, método de cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no entanto, o grave dano à coletividade. (1) Lei 8.137/1990: “Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: I - ocasionar grave dano à coletividade; ”.
A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, desproveu agravo regimental em reclamação ajuizada contra decisão da Justiça do Trabalho, em que se alegou violação à autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) por contradição à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16/DF (DJE de 9.9.2011). Afirmou o reclamante ter sido condenado ao pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas por empresa contratada, o que afrontaria o disposto no art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 (1), declarada constitucional pela ADC 16/DF (Informativo 880). O Colegiado negou seguimento à reclamação, entendendo que, por ser relacionada a paradigma de tema de repercussão geral (Tema 246), firmado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 760.931/DF (DJE de 12.9.2017), superveniente à ADC em questão, haveria a necessidade de esgotamento de todas as instâncias ordinárias antes que o processo fosse julgado pela Suprema Corte, conforme art. 988, § 5º, II, do Código de Processo Civil/2015 (2). Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que deram provimento ao recurso e julgaram procedente o pedido veiculado na reclamação. O ministro Alexandre de Moraes salientou não ter sido incluída no tema a substituição da decisão da ADC 16/DF pela do RE 760.931/DF e, consequentemente, não estabelecido o necessário esgotamento das instâncias inferiores. O ministro Marco Aurélio frisou que não cabe entender suplantada a eficácia do acórdão alusivo à ação declaratória. (1) Lei 8.666/1993: “Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”. (2) CPC/2015: “Art. 988. (...) § 5º É inadmissível a reclamação: (...) II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”.