Supremo Tribunal Federal • 3 julgados • 22 de nov. de 2016
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A Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia atribuir celeridade ao julgamento do mérito de REsp no STJ. A defesa alegava que a demora no julgamento do recurso violaria o princípio do devido processo legal, que pressupõe a célere prestação jurisdicional, sobretudo quando o bem jurídico em questão é a liberdade do cidadão e da justiça efetiva ou celeridade processual. O Colegiado assentou que, em regra, o grande volume de trabalho do STJ permite flexibilizar, em alguma medida, o princípio constitucional da razoável duração do processo. No caso, contudo, a demora demasiada para o julgamento do recurso, em razão do elevado número de substituição de relatores — no total de cinco substituições —, configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo paciente. Tal circunstância justifica a concessão da ordem para determinar que o STJ julgue o recurso imediatamente.
A Segunda Turma deferiu parcialmente medida liminar em mandado de segurança impetrado contra ato omissivo. No caso, houve atraso no repasse dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário do Rio de Janeiro. O Colegiado assegurou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) o direito de receber, até o dia vinte de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias. Facultou ao Poder Executivo proceder ao desconto uniforme de 19,6% da receita corrente líquida prevista na lei orçamentária em sua própria receita e na dos demais Poderes e órgãos autônomos, ressalvada, além da possibilidade de eventual compensação futura, a revisão desse provimento cautelar caso não se demonstre o decesso na arrecadação nem no percentual projetado de 19,6% em dezembro/2016. Na espécie, o impetrante alegava que o art. 168 da Constituição Federal (CF) estabelece o dever de repasse, pelo Poder Executivo, dos recursos financeiros previstos em lei orçamentária regularmente aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — no caso, a Lei Orçamentária Anual estadual 7.210/2016 (LOA) — ao Poder Judiciário, obrigatoriamente, em duodécimos, até o vigésimo dia de cada mês. Entendia que a omissão do Poder Executivo caracterizaria violação do postulado da separação de Poderes, em razão de indevida interferência do governador do Estado na autonomia administrativa e financeira do TJRJ. Requeria, dessa forma, a concessão da medida liminar pleiteada, para garantir o repasse integral de seu duodécimo orçamentário até o vigésimo dia de cada mês, nos termos do previsto no mencionado dispositivo constitucional. A autoridade impetrada, ao prestar informações, postulava a incidência dos Enunciados 269 e 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), para obstar o conhecimento da presente ação mandamental quanto ao pedido de repasse da parcela relativa ao mês de outubro até o dia vinte desse mesmo mês. Sustentava, ainda, que o descumprimento da data prevista no art. 168 da Constituição Federal, para o repasse das dotações orçamentárias em duodécimos, não configuraria ofensa à autonomia financeira do Poder Judiciário (CF, art. 99), pois não decorreria de resistência injustificada do Poder Executivo, mas de frustração na realização do orçamento do Estado. Defendia não haver impedimento legal para utilização de recursos do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (FETJ) para pagamento de despesas de pessoal e custeio do TJRJ. Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli (relator). Para ele, a competência originária relativamente ao conhecimento do “writ” é do STF, porque todos os magistrados vinculados ao TJRJ possuem interesse econômico no julgamento do feito (CF, art. 102, I, “n”). Consignou, ademais, que o TJRJ, embora destituído de personalidade jurídica, detém legitimidade autônoma para ajuizar o presente mandado de segurança em defesa de sua autonomia institucional, estando, no caso, regularmente representado por advogado não vinculado aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em razão da natureza do direito pleiteado, nos termos da jurisprudência do STF. Entendeu, ainda, que as Súmulas 269 e 271 da Suprema Corte não incidem na espécie. Quanto ao mérito, ao reconhecer a complexidade da controvérsia, consignou que a resolução do litígio demanda diálogo entre Poderes e órgãos autônomos. Assim, é possível alcançar solução conciliatória para o quadro fático revelado pelas dificuldades declaradas pelo Estado do Rio de Janeiro em suas finanças, agravadas pela queda da arrecadação prevista para o orçamento de 2016. Além disso, o julgamento da medida cautelar não afasta a possibilidade de posterior audiência de conciliação entre as partes. No tocante à alegação do Estado-Membro de que não há impedimento legal para a utilização de recursos do FETJ para pagamento de salários dos servidores e magistrados, o relator ponderou ser inviável sua utilização para tal fim e para o custeio do TJRJ, nos termos do disposto no art. 2º da Lei estadual 2.524/1996 (“É vedada a aplicação da receita do Fundo Especial em despesas de pessoal”). Destacou, também, que a receita do FETJ origina-se, predominantemente, do pagamento de custas pelas partes que demandam no TJRJ e não são beneficiárias de gratuidade de Justiça, cuja destinação é exclusiva para custeio dos serviços afetos às atividades específicas do Poder Judiciário (CF, art. 98, § 2º). O relator afastou, em juízo liminar, a pretensão do Estado-Membro de compensar os duodécimos faltantes da receita orçamentária do TJRJ prevista para o exercício de 2016 com recursos do FETJ. Assentou que o direito prescrito no art. 168 da CF instrumentaliza o postulado da separação de Poderes, impedindo a sujeição dos demais Poderes e órgãos autônomos da República a arbítrios e ilegalidades perpetradas no âmbito do Executivo. Ponderou que a Corte, ao conceder medida liminar em caso semelhante (MS 31.671/RN, DJe de 30.10.2012), passou a avaliar a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente arrecadada, para fins de definição do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse na execução orçamentária. Pontuou, ainda, que a lei orçamentária, no momento de sua elaboração, declara uma expectativa do montante a ser realizado a título de receita, que pode ou não vir a acontecer no exercício financeiro de referência, sendo o Poder Executivo responsável por proceder à arrecadação, conforme a política pública se desenvolva. Por essa razão, a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) instituiu o dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, proceder aos ajustes necessários, com limitação da despesa, ante a frustração de receitas (art. 9º da LRF). Diante disso, o ministro ressaltou que, conforme debates travados no julgamento de mérito do MS 31.671/RN (suspenso em razão de pedido de vista), no âmbito federal, os contingenciamentos de receita e empenho operam em ambiente de diálogo entre o Poder Executivo — que sinaliza o montante de frustração da receita — e os demais Poderes e órgãos autônomos da República. No exercício da autonomia administrativa, tais instituições devem promover os cortes necessários em suas despesas, para adequarem as metas fiscais de sua responsabilidade aos limites constitucionais e legais autorizados e conforme a conveniência e a oportunidade. Reconheceu, no entanto, que esse ambiente de diálogo pode encontrar dificuldades no caso de algum Poder ou órgão autônomo se recusar a realizar essa autolimitação. Isso ocorreria em razão da suspensão, por força de cautelar proferida no julgamento da ADI 2.238/DF (DJe de 17.8.2007), da eficácia do § 3º do art. 9º da LRF, que prescreve a possibilidade de o Poder Executivo, por ato unilateral, estipular medida de austeridade nas esferas dos demais Poderes e órgãos autônomos. O que informa o julgamento da medida cautelar deferida nos autos da ADI 2.238/DF, no ponto, é a impossibilidade de se legitimar a atuação do Poder Executivo como julgador e executor de sua própria decisão. Segundo o relator, a Corte, ao deferir medida liminar no MS 31.671/RN, não pretendeu legitimar a atuação unilateral do Poder Executivo na constrição de recurso financeiro repassado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Aliás, no caso do citado precedente, o contingenciamento foi admitido mediante decisão judicial, ressalvada a possibilidade de eventual compensação futura. Diante do déficit orçamentário, estimado em 19,6%, o Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei 7.483/2016, na qual reconheceu o estado de calamidade financeira declarado pelo Decreto 45.692/2016, bem como citou os esforços empreendidos pelo TJRJ, a fim de demonstrar seu compromisso com o alcance da regularidade fiscal e com a desoneração dos cofres públicos. Entendeu, contudo, que as medidas adotadas pelo TJRJ não se confundem com as de autolimitação previstas no art. 9º, “caput”, da LRF, no sentido de se limitarem as despesas previstas, para fins de adequação ao percentual da receita efetivamente arrecadada no exercício financeiro de 2016. Assentou, por fim, a inviabilidade de avaliação, em sede de mandado de segurança, da regularidade dos atos de governo e gestão praticados no Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Tais ações podem e devem ser submetidas a julgamento pelos órgãos competentes, não sendo a exigência de repasse integral dos duodécimos o meio adequado para se proceder à sanção de eventual ilegalidade, pois, nesse contexto, o real prejudicado acaba por ser o cidadão. Com razão, entretanto, a justificativa do TJRJ de que não se pode legitimar o cronograma orçamentário fixado pelo Executivo, em desrespeito ao art. 168 da CF. Afinal, retira a previsibilidade da disponibilização de recursos aos demais Poderes, subtraindo-lhes condições de gerir suas próprias finanças, considerada a frustração de receita, conforme sua conveniência e oportunidade. Entendeu que o repasse duodecimal deve ocorrer até o dia vinte de cada mês, nos termos do disposto no art. 168 da CF, de modo a garantir o autogoverno do Poder Judiciário — que não se sujeita à programação financeira e ao fluxo de arrecadação do Poder Executivo —, tendo em vista ser o repasse uma ordem de distribuição prioritária de satisfação de dotação orçamentária (MS 21.450/MT, DJU de 5.6.1992). O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator. Asseverou que, em momentos de grave crise econômica, como os que vivem praticamente todos os Estados da Federação, devem ser asseguradas a autonomia e a igualdade entre os Poderes. Consignou que não faz sentido, em uma situação de acentuado déficit orçamentário — em que a realização do orçamento é muito inferior ao previsto —, que um determinado Poder ou órgão autônomo tenha seu duodécimo calculado com base em previsão de receita não realizada, em detrimento da participação de outros órgãos e Poderes. Concluiu que a base de cálculo dos duodécimos deve observar, além da participação percentual proporcional, o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária. Para o ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou o relator, havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes.
Reclamação constitucional fundada em afronta ao Enunciado 10 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal [“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”] não pode ser usada como sucedâneo de recurso ou de ação própria que analise a constitucionalidade de normas que foram objeto de interpretação idônea e legítima pelas autoridades jurídicas competentes. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em que se discutia o cabimento de reclamação, por violação ao referido verbete sumular, em razão de o acórdão reclamado ter afastado o art. 25, § 1º, da Lei 8.987/1995 (“§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados”). No caso, o tribunal de origem – ao interpretar decisão da Corte proferida na ADPF 46 firmando entendimento de persistir o monopólio postal conferido à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – assentou que a reclamante, concessionária de energia elétrica, não poderia efetuar a contratação de empresa terceirizada para a entrega de fatura referente à leitura dos medidores de energia. A Turma, por sua vez, consignou não ser possível analisar na reclamação se a restrição imposta pela decisão reclamada, na qual se afirmava “legal e constitucional a atividade de emitir faturas e fazer com que cheguem no tempo e no prazo nas mãos dos usuários”, foi uma declaração de inconstitucionalidade parcial implícita do disposto no art. 25, §1º, da Lei 8.987/1995. Afinal, isso extrapola o objeto daquela ação. Ressaltou que o entendimento prevalecente na Suprema Corte é o de que não afronta o Enunciado 10 da Súmula Vinculante, nem a regra do art. 97 da Constituição Federal, o ato da autoridade judiciária que deixa de aplicar a norma infraconstitucional por entender não haver subsunção aos fatos ou, ainda, que a incidência normativa seja resolvida mediante a sua mesma interpretação, sem potencial ofensa direta à Constituição. No caso da presente reclamação, interpretou-se a legislação infraconstitucional respectiva (Lei 8.987/1995), à luz da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 46, sem qualquer indício de declaração de inconstitucionalidade da referida norma. Além de a questão posta já se encontrar judicializada em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, dúvida razoável acerca da interpretação das normas infraconstitucionais não é hipótese de cabimento de reclamação. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Marco Aurélio, os quais davam provimento ao agravo regimental. No caso, sublinhavam ter havido vulneração ao referido enunciado sumular e ter a decisão reclamada deixado de aplicar a Lei 8.987/1995, o que negaria vigência a esse dispositivo sem declará-lo inconstitucional. Além disso, o ministro Roberto Barroso acentuava que a terceirização, tanto por força de lei, como pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, seria plenamente admissível.