Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 22 de set. de 2011
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Por estar configurada situação constitucional imperfeita, o Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg/BR, contra os Provimentos 747/2000 e 750/2001, ambos do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Os referidos atos reorganizaram as serventias notariais e de registros no interior daquele ente federativo “mediante a acumulação e desacumulação de serviços, extinção e criação de unidades”. Prevaleceu o voto do Min. Ayres Britto, relator, que, de início, anotou estarem apensadas a estes autos a ADI 2419/SP e a ADI 2476/ SP, propostas pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e pela Mesa da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, respectivamente. Após, discorreu sobre os serviços notariais e de registros, destacando, ainda, que eles teriam regime jurídico constitucional e compor-se-iam de um feixe de competências públicas, embora exercidas por delegação a pessoa privada. Em seguida, ponderou que — embora estivesse inclinado a exigir o princípio da reserva de lei para a ampla estruturação processada nas unidades aludidas, o que levaria a concluir pela inconstitucionalidade dos provimentos — o contexto seria singularíssimo e, assim também, a decisão liminar proferida. Acrescentou que, desde a propositura da ação, muitos concursos foram realizados com várias delegações outorgadas naquela localidade. No ponto, o Min. Celso de Mello assinalou que, há 10 anos, quando o STF apreciara o pleito de medida cautelar, existia, realmente, no que concerne a essa matéria, um estado de dúvida que se refletira no debate então efetuado e na própria síntese do julgamento exposta na ementa consubstanciadora daquela decisão. O relator observou que, até pouco tempo, votava no sentido de que as atividades mencionadas incluir-se-iam na esfera dos serviços auxiliares do Poder Judiciário, e não propriamente como matéria de organização judiciária. Na seqüência, sublinhou notar, nos diplomas atacados, além da eficiência, o respeito ao princípio da moralidade administrativa pela rigorosa observância da regra do concurso público. Desse modo, por coerência e tendo em conta a necessidade de se buscar conceitos operacionais, entendeu que esse caso seria de reconhecimento de constitucionalidade incompleta ou imperfeita. Ante a ausência de declaração de inconstitucionalidade, aquiesceu não se cuidar de hipótese de utilização da técnica da modulação, que exigiria maioria qualificada. Frisou que, doravante, qualquer mudança dependeria de lei e que as novas investiduras, mediante delegação, decorrentes do último concurso realizado, seriam válidas. Ressaltou que isso, no entanto, não implicaria a validação de investiduras processadas sem concurso público. Ademais, dentro da lógica do possível, reputou que os provimentos conteriam vício a ser corrigido. O Min. Celso de Mello advertiu que, se outro provimento viesse a ser emanado por qualquer tribunal de justiça do país, seria declarado absolutamente inconstitucional, porquanto reafirmado, na ocasião, o entendimento da Corte segundo o qual a regulação normativa da matéria adversada está sujeita ao postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal, de iniciativa exclusiva do tribunal de justiça. O Min. Gilmar Mendes destacou que o tema relativo aos serviços notariais e de registros, do ponto de vista histórico, sociológico, político, seria um dos mais sensíveis da República. Por sua vez, o Min. Celso de Mello, dentre outras considerações, acresceu que se trataria de estágio intermediário e transitório entre a situação de plena constitucionalidade e a de absoluta inconstitucionalidade, expondo-se a resolução estatal a um processo de progressiva inconstitucionalização, o que permitiria vislumbrar, nos atos impugnados, normas ainda constitucionais. A Min. Cármen Lúcia explicitou que o reconhecimento do vício, que seria eliminado, dali por diante, por lei, não seria declaração de inconstitucionalidade. O Min. Luiz Fux acrescentou que a orientação anterior do Supremo chancelaria as delegações por atos interna corporis. O Min. Cezar Peluso, Presidente, consignou que, a despeito da incompatibilidade teórica com as normas constitucionais que ditaram, sobretudo os julgamentos da ADI 4140/GO (DJe de 20.9.2011) e da ADI 4453 MC/PE (DJe de 24.8.2011), os efeitos ficariam preservados até o encerramento total do 7º concurso, que estaria praticamente esgotado na sua eficácia prática. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava o pleito procedente ao fundamento de que a questão exigiria ato normativo em sentido formal e material, emanado da Assembléia Legislativa e não da direção ou mesmo do órgão especial do tribunal. Além disso, aduzia que, ao relativizar a decisão do Supremo — a pretexto de situações constituídas, mas não aperfeiçoadas conforme o modelo constitucional — estimular-se-iam aqueles que apostassem na passagem do tempo, no fato consumado, que, por vezes, passaria a ter força superior à própria Constituição.
Em razão do caráter contributivo do regime geral de previdência (CF/1988, art. 201, caput), o art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/1991 não se aplica à transformação de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, mas apenas a aposentadorias por invalidez precedidas de períodos de auxílio-doença intercalados com intervalos de atividade, sendo válido o art. 36, § 7º, do Decreto nº 3.048/1999, mesmo após a Lei nº 9.876/1999. A extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior à respectiva vigência viola tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º do art. 195, ambos da CF. Ao reafirmar essa orientação, o Plenário proveu recurso extraordinário, interposto pelo INSS, em que se apreciava a possibilidade, ou não, de aplicação do art. 29 da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99, a qual estabeleceu que o valor do auxílio-doença fosse considerado salário de contribuição para efeito de cálculo da aposentadoria por invalidez, a benefícios previdenciários concedidos antes da respectiva vigência dessa nova redação. Salientou-se, de início, que a decisão impugnada determinara que os proventos do recorrido — aposentado por invalidez precedida de auxílio-doença — fossem recalculados segundo parâmetros utilizados para aposentadoria por invalidez antecedida por períodos intercalados. Aduziu-se que o regime geral de previdência social possui caráter contributivo (CF, art. 201, caput), o que impediria interpretações que resultassem em tempo ficto de contribuição. Além disso, destacou-se que a redação original do caput do art. 29 da Lei 8.213/91, ao se referir a salário de contribuição, instituto mencionado no art. 201 da CF, em sua redação originária e na conferida pela EC 20/98, fazia-o para que fosse computado, no cálculo do salário de benefício, apenas o salário de contribuição dos meses imediatamente anteriores ao afastamento da atividade. Reputou-se que o § 5º do art. 29 do aludido diploma legal [“§ 5º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo”] seria exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficta, com base no inciso II do art. 55 da mesma lei, uma vez que equacionaria a situação em que o afastamento precedente à aposentadoria por invalidez não seria contínuo, mas intercalado com períodos de labor, nos quais recolhida a contribuição previdenciária, hipótese distinta da situação dos autos. Asseverou-se que o contexto não teria sido modificado com o advento da Lei 9.876/99, porquanto a indicação feita a salário de contribuição permaneceria no inciso II do caput do art. 29 da Lei de Benefícios da Previdência Social, que também passou a fazer alusão a período contributivo. Por fim, concluiu-se que o § 7º do art. 36 do Decreto 3.048/99 (“§ 7º A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral”) apenas explicitara a correta interpretação do inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do art. 55 e com os artigos 44 e 61, todos da Lei 8.213/91. Precedentes citados: RE 416827/SC (DJe de 26.10.2007) e RE 415454/SC (DJe de 26.10.2007).
Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo. Em conclusão de julgamento, o Plenário desproveu recurso extraordinário em que questionada a legalidade de decisão administrativa por meio da qual foram cancelados 4 qüinqüênios anteriormente concedidos a servidora pública e determinada a devolução dos valores percebidos indevidamente. O ente federativo sustentava que atuara com fundamento no poder de autotutela da Administração Pública e aludia à desnecessidade, na hipótese, de abertura de qualquer procedimento, ou mesmo de concessão de prazo de defesa à interessada, de modo que, após a consumação do ato administrativo, a esta incumbiria recorrer ao Poder Judiciário — v. Informativo 638. Afirmou-se que, a partir da CF/88, foi erigido à condição de garantia constitucional do cidadão, quer se encontre na posição de litigante, em processo judicial, quer seja mero interessado, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Asseverou-se que, a partir de então, qualquer ato da Administração Pública capaz de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deveria ser precedido de procedimento em que se assegurasse, ao interessado, o efetivo exercício dessas garantias. Reputou-se que, no caso, o cancelamento de averbação de tempo de serviço e a ordem de restituição dos valores imposta teriam influído inegavelmente na esfera de interesses da servidora. Dessa maneira, a referida intervenção estatal deveria ter sido antecedida de regular processo administrativo, o que não ocorrera, conforme reconhecido pela própria Administração. Ressaltou-se que seria facultado à recorrente renovar o ato ora anulado, desde que respeitados os princípios constitucionais. Destacou-se, ademais, que a servidora teria percebido os citados valores de boa-fé, pois o adicional fora deferido administrativamente. A Min. Cármen Lúcia propôs a revisão do Verbete 473 da Súmula do STF (“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”), com eventual alteração do seu enunciado ou com a concessão de força vinculante, para que seja acrescentada a seguinte expressão “garantidos, em todos os casos, o devido processo legal administrativo e a apreciação judicial”. Advertiu que, assim, evitar-se-ia que essa súmula fosse invocada em decisões administrativas eivadas de vícios.
A 1ª Turma denegou habeas corpus em que se pleiteava o trancamento de ação penal com base na aplicação do princípio da insignificância em favor de denunciado pela suposta prática do delito de apropriação indébita de contribuições previdenciárias (CP: “Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”), no valor de R$ 3.110,71. Aduziu-se tratar-se de apropriação indébita e não de débito fiscal, haja vista que houvera o desconto de contribuições não repassadas a entidade previdenciária . Portanto, o caso seria distinto daquele em que a jurisprudência do STF autoriza a incidência do referido postulado por ser dispensada pela administração tributária a exigibilidade judicial da exação para o crime de sonegação fiscal.
Ante empate na votação, a 1ª Turma concedeu parcialmente habeas corpus a fim de determinar a substituição da decisão que denegara à paciente o direito de recorrer em liberdade por outra que imponha medidas cautelares previstas no novel art. 319 do CPP, cuja redação foi conferida pela Lei 12. 403/2011. Na espécie, em primeiro habeas corpus, o STJ deferira relaxamento de prisão preventiva em virtude de excesso de prazo. Posteriormente, sobreviera sentença que condenara a ré pelos delitos de formação de quadrilha armada, receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (CP, artigos 288, parágrafo único e 180, caput e Estatuto do Desarmamento, art. 16, respectivamente), bem como lhe negara o direito de recorrer em liberdade, na medida em que considerara inalterados os motivos do indeferimento da liberdade provisória. Este título judicial assentara a necessidade de acautelamento da ordem pública, porquanto a condenada atuava como informante de facção criminosa altamente estruturada, o que denotaria sua periculosidade e real possibilidade de que pudesse voltar a delinqüir. Em decorrência, a defesa impetrara segundo writ no STJ, o qual mantivera a condenação prolatada pelo juízo singular, daí a impetração neste Supremo. A defesa alegava que os fundamentos da renovação da reprimenda não seriam legítimos, porque a paciente teria sido rejulgada pelos idênticos fatos apostos na decisão que decretara sua prisão preventiva. Prevaleceu o voto médio do Min. Dias Toffoli, que reputou superado o dispositivo do decreto que retomara os mesmos argumentos que inspiraram o de custódia cautelar em benefício da ordem pública e da segurança jurídica. Ponderou que perturbações de monta justificariam o encarceramento com respaldo na paz social apenas nos casos em que a sociedade se sentisse desprovida de sua tranqüilidade. Consignou, outrossim, que a nova redação do art. 319 do CPP introduziria a segregação prisional como exceção e que o fato de a paciente receber ordens e manter contato com organização criminosa não justificaria, por si só, a aplicação dessa medida, que deveria ser a última escolha do magistrado. Por conseguinte, determinou a adoção dos procedimentos alternativos constantes dos incisos I, II, e III do referido artigo (“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante”) em substituição à prisão processual proferida pelo juízo singular. O Ministro Marco Aurélio concedia a ordem integralmente, ao destacar a insubsistência da decisão que negara à ré o direito de recorrer em liberdade. Sublinhava que o fato de o juízo de 1º grau ter se reportado a título de prisão processual que fora glosado pelo Judiciário — ante o excesso de prazo — indicaria contornos de execução criminal precoce, uma vez que a condenação ainda não transitara em julgado. Os Ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux, por sua vez, denegavam a ordem e asseveravam que a revogação da prisão preventiva por excesso de prazo não impediria a sua decretação por outras razões, ou até pelas mesmas, se estas persistissem. Igualmente, frisavam que a superveniência de sentença condenatória sobrelevaria eventual constrangimento detectado no decorrer da instrução criminal, desde que presentes os requisitos previstos em lei. Enfatizavam que os elementos concretos de convicção que determinaram a manutenção da constrição da paciente estariam suficientemente demonstrados.
A 1ª Turma proveu recurso extraordinário para reformar acórdão que determinara ao recorrente satisfazer compulsoriamente mensalidade à associação de moradores a qual não vinculado. Ressaltou-se não se tratar de condomínio em edificações ou incorporações imobiliárias regido pela Lei 4.591/64. Consignou-se que, conforme dispõe a Constituição, ninguém estaria compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e, embora o preceito se referisse a obrigação de fazer, a concretude que lhe seria própria apanharia, também, obrigação de dar. Esta, ou bem se submeteria à manifestação de vontade, ou à previsão em lei. Asseverou-se que o aresto recorrido teria esvaziado a regra do inciso XX do art. 5º da CF, a qual revelaria que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. Aduziu-se que essa garantia constitucional alcançaria não só a associação sob o ângulo formal, como também tudo que resultasse desse fenômeno e, iniludivelmente, a satisfação de mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a periodicidade, à associação pressuporia a vontade livre e espontânea do cidadão em associar-se.
É incabível habeas corpus contra autoridade judiciária com o objetivo de incluir outrem no pólo passivo de ação penal. Essa a orientação da 1ª Turma ao denegar habeas corpus em que requerido o aditamento de denúncia a fim de que terceiro também fosse criminalmente processado. O paciente alegava que fora condenado no juízo cível, com outra pessoa, o que vincularia o juízo criminal. Reputou-se irreparável a decisão do STJ, que entendera inviável a impetração contra magistrado para obtenção de aditamento à inicial acusatória do Ministério Público, visto que o juiz não seria a parte legítima para propositura de ação penal. Ademais, consignou-se a independência das instâncias cível e penal, pelo que não se constataria ocorrência de constrangimento ilegal.