Supremo Tribunal Federal • 8 julgados • 02 de out. de 2008
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O Tribunal indeferiu habeas corpus em que se pretendia fosse declarada a nulidade de decisão da Corte Especial do STJ que recebera denúncia, porque o mesmo Ministro que presidira o inquérito tornara-se, posteriormente, prevento para atuar como relator da ação penal. Alegava-se, na espécie, em síntese: a) ofensa aos princípios da impessoalidade dos atos de Administração da Justiça e da imparcialidade do magistrado; b) impossibilidade de ser fixada a competência pela prevenção quando o juiz tivesse atuado anteriormente no inquérito; c) vedação de tal prática pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, que assegura, no âmbito criminal, a imparcialidade do julgador; d) inadmissibilidade, nos termos do art. 252 do CPP, da participação de juiz em processo no qual se manifestou anteriormente; e) inconstitucionalidade do art. 75 do CPP e seus reflexos nos regimentos internos do STJ e do STF por violação aos princípios do devido processo legal e da imparcialidade do magistrado. Inicialmente, o Tribunal rejeitou preliminar suscitada pelo Ministério Público — no sentido de ser inviável debater-se, no âmbito do habeas corpus, o impedimento ou a suspeição de magistrado por envolver análise aprofundada de elementos fático-probatórios —, haja vista não se estar, a rigor, discutindo impedimento ou suspeição do Ministro do STJ, mas uma tese de direito, constitucional. No ponto, o Min. Marco Aurélio, sustentando a envergadura maior do habeas corpus, asseverou ser suficiente que se tenha, na via direta ou indireta, o envolvimento da liberdade de ir e vir e a assertiva sobre a prática de um ato ilícito à margem da ordem jurídica, para concluir-se pela adequação do writ, e que, portanto, se no curso de uma ação penal, surge um questionamento sobre suspeição ou impedimento do relator, esse questionamento pode desafiar o habeas corpus. No mérito, afastaram-se todos os argumentos do impetrante. Ao salientar que as hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do CPP constituem um rol taxativo, considerou-se não ser possível interpretar extensivamente os incisos I e II desse artigo para entender que um juiz que atuou na fase pré-processual haja desempenhado função equivalente a de delegado de polícia ou membro do Ministério Público. Em seguida, afirmou-se que, no Brasil, não foi adotada a sistemática do juizado de instrução, na qual o magistrado exerce, simultaneamente, as funções próprias da autoridade policial e do parquet no que respeita à coleta das provas. Esclareceu-se que, no modelo acusatório aplicado em nosso ordenamento processual penal, caracterizado pela publicidade, pelo contraditório, pela igualdade entre as partes e pela neutralidade do juiz, quando o magistrado preside o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, um coordenador, no que tange à montagem do acervo probatório e às providências acautelatórias, agindo sempre por provocação, e nunca de ofício. Portanto, não exterioriza nenhum juízo de valor sobre os fatos ou as questões de direito, emergentes nessa fase preliminar, que o impeça de proceder com imparcialidade no curso da ação penal. Assim, o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para assegurar a observância dos direitos e liberdades fundamentais e dos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito. Ressaltou-se, também, que, no caso dos processos penais originários, que tramitam no STJ e no STF, regulados pela Lei 8.038/90, o relator escolhido, na forma regimental, terá as atribuições que a legislação processual confere aos juízes singulares, dentre as quais a de presidir o andamento do inquérito (art. 2º), e que, finda a instrução, o tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno (art. 12, II). Ou seja, ainda que determinado relator seja escolhido, nos termos regimentais, para presidir à instrução, o julgamento é feito pelo órgão colegiado do tribunal prescrito pela Constituição para julgar a autoridade com prerrogativa de foro. Em razão disso, repeliu-se a afirmação de que seria inconstitucional o parágrafo único do art. 75 do CPP, que estabelece a prevenção do magistrado que houver determinado qualquer diligência anterior à denúncia ou à queixa para o julgamento da ação penal. Por fim, aduziu-se que eventuais incompatibilidades ou impedimento do Ministro relator do feito devem ser argüidos mediante o procedimento previsto no art. 112 do CPP, de espectro mais amplo quanto à apreciação de fatos e provas.
O Tribunal, ao dar provimento a agravo de instrumento, convertendo-o em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3º e 4º), resolveu questão de ordem no sentido de reconhecer a existência de repercussão geral da matéria discutida no apelo extremo — exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de recurso administrativo — e ratificar o entendimento firmado na Corte sobre o tema, a fim de que sejam observadas as disposições do art. 543-B do CPC. Asseverou-se que a questão constitucional já foi apreciada pelo Tribunal no julgamento do RE 388359/PE (DJU de 22.6.2007), do RE 389383/SP e do RE 390513/SP (DJU de 29.6.2007), tendo sido consignado em suas ementas que a garantia constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativo.
A dissolução da sociedade conjugal, durante o exercício do mandato, não afasta a regra da inelegibilidade, prevista no art. 14, § 7º, da CF (“São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”). Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão do TSE e cassou liminar, que suspendera os efeitos do recurso extraordinário, deferida em favor de ex-cônjuge de prefeito (eleito no período de 1997 a 2000, e reeleito no período de 2001 a 2004), que fora eleita vereadora, em 2004, para o período de 2005 a 2008. Na espécie, a separação de fato da vereadora, ora recorrida, ocorrera em 2000, a judicial em 2001, tendo o divórcio se dado em 2003, antes do registro de sua candidatura. Asseverou-se, na linha de precedentes da Corte, que o vínculo de parentesco persiste para fins de inelegibilidade até o fim do mandato, inviabilizando a candidatura do ex-cônjuge ao pleito subseqüente, na mesma circunscrição, a não ser que o titular se afaste do cargo seis meses antes da eleição. Aduziu-se que, apesar de o aludido dispositivo constitucional se referir à inelegibilidade de cônjuges, a restrição nele contida se estende aos ex-cônjuges, haja vista a própria teleologia do preceito, qual seja, a de impedir a eternização de determinada família ou clã no poder, e a habitualidade da prática de separações fraudulentas com o objetivo de contornar essa vedação. Citou-se, ainda, a resposta à consulta formulada ao TSE, da qual resultou a Resolução 21.775/2004, nesse sentido. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, salientando que o parentesco civil é afastado com a dissolução do casamento, provia o recurso, por considerar que o vício na manifestação da vontade não se presume, devendo ser provado caso a caso, e que as normas que implicam cerceio à cidadania têm de receber interpretação estrita. Por fim, o Tribunal determinou o imediato cumprimento da presente decisão, ficando vencido, neste ponto, o Min. Marco Aurélio, que averbava a necessidade da tramitação natural do processo, aguardando-se a confecção do acórdão e a possível interposição de embargos declaratórios.
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 (“Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992.”) — v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser revogada pelo legislador ordinário. Asseverou que seria uma contradição afirmar que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado, presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
A Turma, acolhendo proposta do Min. Eros Grau, deliberou submeter ao Plenário julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário, do qual relator, em que se discute a possibilidade, ou não, de utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária de Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública. A Corte de origem afastara a pretendida compensação ao fundamento de não se confundirem o credor do débito fiscal (unidade federativa) e o devedor do crédito oponível (autarquia previdenciária). No presente caso, a decisão agravada assentara que o fato de o devedor ser diverso do credor não seria relevante, pois ambos integrariam a Fazenda Pública do mesmo ente federado. Salientara, ainda, a inexistência de limitações constitucionais aos institutos da cessão e da compensação, bem como o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo.
A Turma indeferiu habeas corpus no qual se pretendia, em face de suposta conexão, o julgamento, na Justiça Federal, de todos os crimes objeto da denúncia. No caso, juiz federal recebera a inicial acusatória somente em relação aos delitos de contrabando, descaminho e formação de quadrilha, declinando da competência para a Justiça Estadual quanto à acusação por homicídio qualificado. Ocorre que o magistrado do tribunal do júri suscitara conflito negativo de competência e remetera os autos ao STJ. A impetração requeria a suspensão da ação penal em curso na Justiça Federal até o julgamento definitivo do mencionado conflito de competência. Alegava, para tanto, que a não suspensão do processo — que se encontra na fase de alegações finais — resultaria na perda de objeto do conflito, de modo a causar dano irreparável ao paciente, consubstanciado na ofensa ao princípio do juiz natural, pois a imputação relativa ao homicídio não seria apreciada em conjunto com as demais acusações, tendo em conta o que disposto no art. 82 do CPP (“Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.”) e no Enunciado 235 da Súmula do STJ (“A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.”). Esclareceu-se que o reputado constrangimento ilegal não teria origem no desmembramento dos processos, nem na provável prejudicialidade do conflito de competência que pende no STJ, mas resultaria da análise da ação penal referente aos crimes de contrabando, descaminho e formação de quadrilha por outro juiz que não o mesmo para julgar o paciente por homicídio. Assim, considerou-se não caber a esta Corte decidir sobre a viabilidade da tese da defesa no que diz respeito à conexão entre as causas relativas ao homicídio e aos demais crimes atribuídos ao paciente, limitando-se apenas à questão de saber se a conexão seria critério absoluto de definição de competência, a ponto de eventual julgamento de uma das ações e a conseqüente impossibilidade de incidência das regras de conexão representarem afronta ao art. 5º, LIII, da CF. Observou-se que as regras de conexão são aplicáveis a causas que, em princípio, seriam examinadas em separado e que, verificada a conexão entre os feitos, deve-se recorrer aos critérios de modificação ou prorrogação das competências já conferidas. Asseverou-se que, se incabíveis as regras modificativas da competência, as atribuições jurisdicionais originárias devem ser mantidas, visto que competência absoluta não se modifica ou prorroga. Nesse sentido, afirmou-se que a conexão só altera competência relativa, pois torna competente para o caso concreto juiz que não o seria sem ela. Enfatizou-se que, sendo relativa a competência por conexão, o julgamento da ação penal pelos delitos de contrabando, descaminho e formação de quadrilha não violaria o princípio do juiz natural. Ademais, afirmou-se que, na hipótese de o conflito de competência perder o objeto, será porque o órgão competente para apreciar cada uma das ações não poderá ser determinado por conexão, mas pelas regras de distribuição originária de competência, a saber: juízo competente será aquele que, segundo essas, já o seria para julgar a mesma ação, se não tivesse havido nexo entre as infrações penais. Aduziu-se, ainda, ser questionável o argumento de que a incidência do referido Verbete levaria à perda do objeto do conflito de competência, uma vez que possível reconhecimento de conexão entre causas provocará junção dos processos para o efeito de soma ou de unificação das penas (CPP, art. 82, parte final). Dessa forma, não se vislumbrou dano irreparável a incidir no prosseguimento da ação penal em curso na Justiça Federal.
Ante as peculiaridades da situação dos autos, a Turma deferiu habeas corpus para que a paciente permaneça em liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Na espécie, a paciente fora presa em flagrante por portar maconha quando visitava seu marido em presídio, sendo denunciada como incursa nas sanções dos artigos 12 e 18 da Lei 6.368/76. Insurgia-se contra decisão que cassara o benefício de liberdade provisória a ela concedido e expedira mandado de prisão, ainda não cumprido, em seu desfavor. Inicialmente, enfatizou-se que, apesar da controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, o writ deveria ser concedido, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana, valor transformado em princípio normativo no texto da CF/88. No ponto, tendo em conta o debilitado estado de saúde da paciente — portadora do vírus HIV, o que lhe acarretara doenças como hepatite C e câncer de medula —, bem como o fato de possuir filha pequena que dela dependeria economicamente, entendeu-se estar-se diante de exceção, a qual deveria ser capturada pelo ordenamento jurídico. Asseverou-se que a regra seria no sentido do não cabimento de liberdade provisória nas hipóteses de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, contudo ela não poderia acolher as circunstâncias descritas no presente feito. Observou-se que a custódia preventiva da paciente não anteciparia a sua condenação, mas consistiria em autêntica vingança da sociedade civil, uma vez que manter enclausurada pessoa doente não restabeleceria a ordem, além de nada reparar. Desse modo, concluiu-se que submetê-la ao cárcere seria incompatível com o direito, mesmo que adequado à regra. Leia o inteiro teor do voto condutor do acórdão na seção Transcrições deste Informativo.
A Turma concluiu julgamento de recurso ordinário em habeas corpus no qual se discutia possível nulidade de processo criminal. Alegava-se a ocorrência de suposto cerceamento de defesa decorrente da admissão de testemunhas arroladas a destempo pelo assistente de acusação e do indeferimento do pedido de oitiva do médico-legista — v. Informativo 517. Negou-se provimento ao recurso ao fundamento de que não haveria, nos autos, cópia da decisão que deferira a devolução do prazo para apresentação de rol de testemunhas pelo assistente de acusação, tratando-se de providência apenas mencionada na decisão que indeferira o requerimento de desentranhamento de peças dos autos. Ademais, aduziu-se que foram apenas duas as testemunhas arroladas pelo assistente de acusação, as quais foram ouvidas durante a instrução, enfatizando-se que nenhuma delas presenciara os fatos narrados na denúncia. Observou-se que, da mesma forma, existiria indicação de que o juiz de direito admitira a presença de assistente de acusação, configurando-se mera irregularidade (erro material) a menção aos familiares da vítima em determinadas peças dos autos. No tocante à negativa do pleito de oitiva do médico-legista, afirmou-se que não constaria indicação acerca de qual teria sido o prejuízo suportado pelo ora recorrente, dado que, cuidando-se de prova pericial, eventual apresentação de quesitos complementares ou realização de nova prova técnica seriam as providências adequadas. Por fim, considerou-se ser o writ meio impróprio para apreciar as alegações que demandassem reexame do conjunto fático-probatório.