Supremo Tribunal Federal • 8 julgados • 19 de fev. de 2009
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A Turma deferiu habeas corpus para determinar a exclusão, do inquérito policial, de cópia de documentos obtidos ilicitamente que, antes desentranhadas, foram reconduzidas, por via indireta, ao mesmo procedimento inquisitório. No caso, ex-presidente da empresa da qual os pacientes são diretores ajuizara reclamação trabalhista e requerera, com base em documentos sigilosos da empresa, fornecidos por colega de trabalho, a abertura de inquérito policial para apuração de supostos crimes de falsidade cometidos no âmbito da reclamada. A empresa, então, aduzindo que tais documentos teriam sido obtidos de modo ilícito, solicitara a instauração de inquérito policial e o desentranhamento da documentação sigilosa que instruíra o primeiro inquérito policial, porquanto violado o art. 5º, LVI, da CF. O juízo de origem determinara o desentranhamento dessas provas e declarara a sua ilicitude. O Ministério Público Federal requisitara cópia integral dos autos daquela ação trabalhista. Diante disso, a defesa dos pacientes informara ao magistrado que o reclamante havia juntado aos autos cópia integral do inquérito, do qual constavam os documentos sigilosos, sendo-lhe deferida a solicitação para que tais cópias do inquérito policial fossem excluídas da requisição do MPF. Contra esta decisão, o parquet impetrara mandado de segurança perante o TRF da 3ª Região, postulando a remessa de cópia integral da aludida ação trabalhista, inclusive com os documentos desentranhados por ilicitude, sob a alegação de indevido cerceio a sua atividade institucional. Concedida a liminar, os diretores da empresa impetraram habeas corpus, não conhecido por Ministro do STJ, em que sustentaram a reinserção, por via oblíqua, daquela prova ilícita. No presente writ, reiteraram os fundamentos do pedido. Inicialmente, salientou-se que, durante o trâmite do feito, o TRF da 3ª Região deferira a segurança pleiteada pelo Ministério Público Federal. Entendeu-se caracterizado constrangimento ilegal manifesto, autorizador da cognição oficial do pedido, agora contra o teor do julgamento superveniente que absorvera a eficácia da liminar impugnada neste habeas corpus. Reputou-se, ainda, dispensável adentrar a questão relativa ao uso desvirtuado do mandado de segurança, já que não poderia haver direito líquido e certo, da parte acusadora, de fazer juntar aos autos de procedimento de persecução criminal, mediante sentença mandamental de segurança, prova originalmente obtida de forma ilícita, qualquer que fosse a razão ou o pretexto invocado para o lograr. Enfatizou, nesse sentido, que o poder jurídico que as partes têm de requerer e produzir provas que julguem necessárias à apuração da verdade encontra limite intransponível no seu eventual caráter ilícito, repudiado pela Constituição (art. 5º, LVI). Ademais, aduziu-se que, na espécie, seria patente a ilicitude das provas, porquanto obtidas por funcionário da empresa, sem autorização desta, sob acusação de criminoso abuso de confiança. Concluiu-se que a permissão, para efeito de suporte de opinio delicti e de convicção judicial, da juntada de cópia integral dos autos da reclamação trabalhista em que contida cópia de documentos de presumida origem ilícita, autorizaria a produção, por via indireta, de prova, em princípio, ilícita.
O Tribunal indeferiu medida cautelar em mandado de segurança impetrado contra ato do Procurador-Geral da República que cancelara a inscrição preliminar do impetrante no 24º Concurso Público para provimento de cargos de Procurador da República (Edital 24/2007). Salientou-se, inicialmente, a necessidade de se apresentar o pedido de liminar à apreciação do Plenário, em razão de manifestação divergente, em sede de liminar, de dois Ministros da Corte sobre questão aparentemente idêntica, o que poderia gerar conseqüências concretas que violariam o princípio da igualdade. Esclareceu-se que o ora impetrante, que exerce o cargo de auditor fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná, desde 30.4.96, e é bacharel em Direito desde 1º.3.93, anteriormente impetrara o MS 27014/DF contra a Resolução 93/2007 do Conselho Superior do Ministério Público Federal, alegando que a exigência, para a comprovação de atividade jurídica, de exercício de cargo, emprego ou função públicas privativos de bacharel em Direito para inscrição no concurso para provimento de cargos de Procurador da República feria os princípios da legalidade, da isonomia e da razoabilidade. O pedido de liminar, nesse writ, fora indeferido, com base no que decidido na ADI 3460/DF (DJU de 15.6.2007). Ocorre que outra candidata, ocupante do cargo de analista tributário da Receita Federal do Brasil, desde 13.1.93, e bacharel em Direito desde 27.2.99, impetrara o MS 27013/DF, questionando a mesma Resolução, tendo obtido, entretanto, o deferimento da liminar pleiteada. Concluiu-se não haver razões suficientes para reputar ilegal ou inconstitucional o ato ora impugnado, tendo em conta que, ao menos no plano formal, o cargo exercido pelo impetrante não seria privativo de bacharel em Direito, não atendendo, em princípio, o disposto no art. 129, § 3º, da CF, nos termos do que definido no julgamento da ADI 3460/DF.
O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da expressão "produzidos no Estado do Paraná" constante do art. 1º e seu parágrafo único da Lei paranaense 12.204/98 ["Art. 1º - Qualquer aquisição ou substituição de unidades automotivas para uso oficial poderá ser realizada por veículos movidos a combustíveis renováveis, ou por veículos movidos a combustíveis derivados de petróleo, produzidos no Estado do Paraná. Parágrafo único - O prazo para substituição integral da frota oficial de veículos leves por veículos movidos a combustíveis renováveis e derivados de petróleo produzidos no Estado do Paraná é de 05 (cinco) anos."]. Considerou-se que a expressão impugnada estabelece critério arbitrário e discriminatório de acesso à licitação pública em ofensa ao disposto no art. 19, II, da CF, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Precedentes citados: Rp 1103/RJ (DJU de 8.10.62); Rp 1147/RJ (DJU de 22.4.83); Rp 1258/RN (DJU de 6.9.85); Rp 1185/PE (DJU de 14.9.84); Rp 1177/RS (DJU de 22.8.86).
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB para declarar a inconstitucionalidade da Lei 15.010/2004, do Estado de Goiás, que dispõe sobre o Sistema de Conta Única e Depósitos Judiciais e Extrajudiciais no âmbito estadual, estabelecendo que serão efetuados em conta única administrada pelo Tesouro Estadual os depósitos judiciais e extrajudiciais, feitos em dinheiro, decorrentes de processos judiciais ou administrativos, bem como os rendimentos de aplicações dos saldos de depósito no mercado financeiro. Entendeu-se haver vício de iniciativa, já que o projeto de lei teria sido deflagrado pelo Governador, não estando a matéria tratada na lei entre as previstas no art. 61, § 1º, da CF. Além disso, vislumbrou-se vício material, porquanto, assim como a iniciativa legislativa, no que tange à criação de conta única de depósitos judiciais e extrajudiciais, caberia ao Poder Judiciário, a ele caberia também a administração e os rendimentos referentes a essa conta. Os Ministros Carlos Britto, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio julgaram procedente o pedido por fundamentação diversa. Tendo em conta a vigência da lei desde 2002, aplicou-se, por maioria, modulação para dar efetividade à decisão apenas 60 dias após a publicação do acórdão, tempo hábil à organização do Estado de Goiás no que se refere ao recolhimento das custas judiciais e extrajudiciais.Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que não modulava os efeitos.
Em recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, ainda que invoque a qualidade de custos legis, deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa. Em recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, ainda que invoque a qualidade de custos legis, deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa. Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado em favor de acusado pela suposta prática de delito previsto no art. 10 da Lei 7.492/86. No caso, o juízo de 1º grau rejeitara a denúncia apresentada contra o paciente. Contra esta decisão, o Ministério Público interpusera recurso em sentido estrito que, provido pelo TRF da 3ª Região, dera ensejo à instauração da ação penal. Ocorre que, durante a sessão de julgamento do citado recurso, a defesa proferira sustentação oral antes do Procurador-Geral, sendo tal fato alegado em questão de ordem, rejeitada ao fundamento de que o parquet, em segunda instância, atua apenas como fiscal da lei - v. Informativo 449. Deferiu-se o writ para anular o julgamento do recurso em sentido estrito e determinar que outro se realize, observado o direito de a defesa do paciente, se pretender realizar sustentação oral, somente fazê-lo depois do representante do Ministério Público. Entendeu-se que, mesmo que invocada a qualidade de custos legis, o membro do Ministério Público deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa, haja vista que as partes têm direito à observância do procedimento tipificado na lei, como concretização do princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV). Ressaltando a unidade e indivisibilidade do parquet, asseverou-se ser difícil cindir sua atuação na área recursal, no processo penal, de modo a comprometer o pleno exercício do contraditório. Aduziu-se, também, que o direito de a defesa falar por último é imperativo e decorre do próprio sistema, e que a inversão na ordem acarretaria prejuízo à plenitude de defesa. Ademais, afirmou-se não ser admissível interpretação literal do art. 610, parágrafo único, do CPP ("... o presidente concederá ... a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem e ao procurador-geral, quando o requerer ...") e que o art. 143, § 2º, do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que dispõe que o parquet fará uso da palavra após o recorrente e o recorrido, merece releitura constitucional. Precedentes citados: RHC 85443/SP (DJU de 13.5.2005); RE 91661/MG (DJU de 14.12.79).
Por vislumbrar caracterizada ofensa ao art. 93, IX, da CF ("todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade..."), a Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra decisão de Ministro do STM que rejeitara embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Militar nos quais solicitava a lavratura de acórdão proferido em agravo regimental, em que constava dos autos apenas a certidão de julgamento. Assentou-se que a garantia constitucional de fundamentação das decisões judiciais é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito, bem como instrumento para viabilizar o controle das decisões judiciais e assegurar o exercício do direito de defesa. Aduziu-se que a decisão judicial não é um ato autoritário, nem ato que nasce do arbítrio do julgador, surgindo daí a necessidade de sua apropriada fundamentação. Desse modo, ressaltou-se que, no caso, não obstante o agravo regimental tivesse sido julgado em sessão pública, a falta do respectivo acórdão tornaria impossível o conhecimento das razões e dos fundamentos da decisão judicial. Assim, a lavratura do acórdão daria conseqüência à garantia constitucional da motivação dos julgados. Além disso, afirmou-se que o procedimento previsto pelo Regimento Interno do STM - ao dispor que o resultado do julgamento será certificado nos autos pela secretaria do tribunal pleno (art. 118, § 3º) -, frustraria por completo o objetivo da aludida garantia. RE provido para determinar o retorno dos autos ao STM a fim de que providencie a lavratura dos acórdãos havidos no julgamento do agravo regimental e dos embargos de declaração a ele opostos.
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se sustentava a ilegitimidade da prisão civil decretada contra o paciente que, na condição de depositário judicial, remanescera inerte depois de intimado a proceder à entrega de bens penhorados. Alegava-se, na espécie, que a possibilidade de prisão civil do depositário infiel está sendo discutida pelo Supremo, cuja votação sinaliza no sentido de que a aludida restrição da liberdade será expurgada do ordenamento jurídico brasileiro, e que, em razão da gravidade do estado de saúde do paciente, cabível a revogação da prisão, ou então, o seu recolhimento domiciliar. Advertiu-se, de início, que a questão não deveria ser tratada sob o enfoque conduzido pelo impetrante, relativamente ao julgamento do RE 466343/SP (v. Informativos 449 e 450), no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil de devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária. Enfatizou-se que, no presente caso, a custódia decorreria da não entrega de bens deixados com o paciente a título de depósito judicial. Em conseqüência, considerou-se que a decisão do tribunal a quo estaria em consonância com a jurisprudência desta Corte que entende ser constitucional a prisão civil decorrente de depósito judicial, pois enquadrada na ressalva prevista no inciso LXVII do art. 5º, da CF, ante sua natureza não-contratual. No ponto, asseverou que a repressão se dirige, em essência, à fraude praticada pelo depositário que, assumindo obrigação de colaboração com o Poder Judiciário, viola também os princípios da lealdade e da boa-fé que devem nortear a conduta processual das partes. Por fim, aduziu-se a impossibilidade de análise de fatos e provas na via eleita, a fim de se verificar o estado clínico do paciente para se decidir sobre o exame de prisão domiciliar. Vencido o Min. Marco Aurélio que, salientando não ser auto-aplicável o referido dispositivo constitucional, bem como a subscrição, pelo Brasil, do Pacto de São José da Costa Rica, concedia o writ ao fundamento de que a prisão civil estaria limitada ao inadimplemento inescusável de prestação alimentícia. Precedentes citados: HC 84484/SP (DJU de 7.10.2005) e HC 90759/MG (DJU de 22.6.2007).
Por vislumbrar patente situação de constrangimento ilegal, a Turma deferiu habeas corpus impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB em favor de ex-Procurador-Geral do Estado do Maranhão, preso preventivamente na denominada "Operação Navalha", em que investigado o suposto envolvimento de organização criminosa constituída com a finalidade de desviar recursos públicos federais e estaduais destinados à execução de obras públicas, mediante fraudes em contratos licitatórios. No caso, o paciente fora acusado de associar-se a tal grupo criminoso e, valendo-se do cargo que ocupava, emitir pareceres favoráveis a determinada construtora. A custódia estava embasada na conveniência da instrução criminal e na garantia da ordem pública e econômica. Considerou-se insubsistente, na espécie, o requisito da conveniência da instrução criminal, por se constatar inexistente indicação de fatos concretos que levantassem suspeitas ou ensejassem possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal. Isso porque não demonstrada, de plano, a correlação entre os elementos apontados pela prisão preventiva relativamente ao risco de continuidade na prática de delitos em virtude da iminência de liberação de recursos do governo federal. Ademais, ressaltou-se que o paciente, quando da decretação da custódia, não ocupava mais a função de Procurador-Geral do Estado, o que afastaria o nexo fático-probatório apto a justificar a validade e a legitimidade das razões para o seu encarceramento. No tocante ao tema da garantia da ordem pública, reiterou-se que esta envolve, em linhas gerais, as seguintes circunstâncias principais: a) necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros; b) objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e c) necessidade de assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal. Desse modo, enfatizou-se que a liberdade de um indivíduo suspeito do cometimento de crime apenas pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do delito. Asseverou-se que, no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, não haveria exagero na comprovação de que esses direitos cumprem papel indispensável na concretização do moderno Estado Democrático de Direito, em cuja idéia também se imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Assim, salientando que no sistema constitucional pátrio o âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância, entendeu-se decisivo o fato de a prisão preventiva dos demais investigados ter sido revogada após a inquirição dos envolvidos. Por isso, afirmou-se que não faria sentido a manutenção da segregação do paciente para a mera obtenção de depoimento, aduzindo-se que a prisão é medida excepcional e não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.